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Série sobre João Havelange é entretenimento para todos e aula para gestores do esporte

O que é bom precisa continuar. Apostando nesta receita clássica, a Prime Video colocou nesta semana o Jogo de Corrupção, uma continuação de El Presidente. Apesar de não ter um compromisso cartorial com a história, a série já é uma aula para a gestão do esporte.

Nesta nova aventura pelo mundo do futebol como negócio, a série tem como protagonista João Havelange, o brasileiro que entendeu como uma paixão popular poderia se tornar também uma fábrica de dinheiro. Mas o caminho tomado abriu espaço para a corrupção privada e para uma série de crimes dentro do ambiente esportivo. Uma realidade que acabou gerando o maior escândalo da história do futebol, o Fifagate.

Relembre o caso

Fazer o certo é sempre uma escolha. Teria que ser um dever moral de todo dirigente do esporte, mas a história tem mostrado que passou a ser também uma obrigação legal (ainda bem).

A investigação das autoridades suíças em conjunto com o Departamento de Justiça dos Estados Unidos provocou um tsunami no mundo do futebol , tanto que ganhou o nome de Fifagate . No dia 27 de maio de 2015, vários dirigentes da entidade foram presos acusados de corrupção privada e desvio de dinheiro, entre eles o ex-presidente da CBF José Maria Marin .

As investigações também levantaram irregularidades da gestão do então presidente da Fifa, Joseph Blatter. Em uma das denúncias, havia um pagamento suspeito ao então presidente da UEFA, o ex-craque francês Michel Platini.

Um pouco depois da prisão dos dirigentes, as autoridades da FIFA iniciaram um processo disciplinar em relação a um complemento salarial de 2 milhões de francos suíços que Platini havia recebido em 2011, no contexto de um contrato verbal entre ele e o presidente da FIFA, para atividades como consultor entre 1998 e 2002.

O caso foi analisado primeiro pelo Comitê de Ética.

Inicialmente, ele recebeu uma suspensão de oito anos de todas as atividades relacionadas ao futebol nos níveis nacional e internacional e foi multado em 80.000 francos suíços pela câmara adjudicatória do Comitê de Ética da FIFA.

A sanção foi confirmada pelo Comitê de Apelação da FIFA, mas a pena foi reduzida para seis anos de suspensão.

Platini não desistiu.

Ele recorreu dessa decisão para o Tribunal de Arbitragem do Esporte (TAS). Ele alegou, em particular, que os artigos do Código de Ética da FIFA invocados não eram aplicáveis no momento dos atos relevantes e que a sanção parecia excessiva. O TAS rejeitou esta denúncia, mas reduziu o período de suspensão de seis anos para quatro e a multa de 80.000 para 60.000 mil francos suíços.

Seguindo a cadeia jurídica do esporte, ainda cabia recurso civil contra a decisão do TAS perante o Tribunal Federal Suíço, que confirmou a decisão, considerando que tendo em vista a idade do requerente (61 em 2015), a duração da suspensão não parecia excessiva.

O TEDH foi na mesma linha e confirmou esse entendimento. Depois de a bola rolar por um bom tempo, Michel Platini não conseguiu virar esse jogo.

O movimento esportivo fez sua parte e puniu com rigor Platini e também Blatter, afastando os dois da cadeia associativa do futebol.

A importância da autorregulação

O esporte está se protegendo. A autorregulação tem papel decisivo nesse processo.

Com os escândalos nas grandes entidades esportivas, como o Fifagate em 2015, a pressão do movimento esportivo e da opinião pública por transparência e responsabilidade nas entidades esportivas aumentou.

Sentindo a pressão, vendo importantes dirigentes denunciados por crimes e entendendo a importância de uma proteção interna, as entidades passa a investir em governança, transparência, profissionalismo e compliance.

Os Estatutos foram reformados. Comitês de Ética ganharam autonomia. Atletas passaram a ter mais representatividade. Ouvidoria independente. Além disso, foram criados regulamentos internos importantes.

O fair play financeiro é um exemplo. O Licenciamento de Clubes da Fifa, outro. Dois regulamentos jurídicos desportivos que buscam dar credibilidade, integridade, transparência desportiva e financeira.

Assim como a FIFA e a Conmebol, a CBF também adotou o Licenciamento de Clubes e prometeu – pra quando? – um Fair Play Financeiro Made in Brasil. O CNRD também é uma esperança.

Autorregulação esportiva, vigilância do Ministério Público que passou a denunciar gestão temerária (olha o caso de Nuzman) e até o Congresso Nacional resolveu ajudar.

Depois de 4 anos estacionado no Senado, o PLS 68/17 – que, além de unificar a legislação esportiva, tipifica o crime de corrupção privada – voltou a avançar no Congresso. Rebatizado de PL 1153/19, está no Senado e de lá deve ir para sanção presidencial.

O fato é que esse caminho que o esporte está tomando – inserindo regras que auxiliam na gestão responsável e no combate aos absurdos do negócio – transformará não só a administração esportiva, mas também o próprio direito.

No esporte não há mais espaço para amadores, irresponsáveis e/ou criminosos. E o caminho mostrado na série em cartaz no Prime Video já anda mais complicado.

Série é entretenimento, não resgate histórico

Se em El Presidente a série contou sobre o maior escândalo do futebol – o Fifagate – de maneira divertida e impactante, dessa vez a ideia é seguir a mesma receita para contar a história de como um brasileiro dominou e transformou o mundo do futebol.

Havelange sempre foi uma figura polêmica. Mas é inegável o papel que ele teve para transformar o futebol na indústria econômica que é hoje. O dirigente teve um papel fundamental na ascensão da CBF, da seleção brasileira e da FIFA no mundo.

A trajetória do dirigente envolve todos os elementos para uma grande história: vida conturbada, emoção do esporte, reviravoltas, estratégias, corrupção e suspense.

Como escrevi ali em cima, a série avisa desde o início que não tem um compromisso histórico. Exageros e alterações para deixar o “produto” mais atraente estão no pacote. Ao assistir é preciso ser leve, relevando erros de roteiro e a artificialidade do jogo em nome do “entretenimento”.

Por exemplo, não desligue o aplicativo quando Castor fala que a escola de samba dele é a Imperatriz Leopoldinense (em nome da história, era a Mocidade Independente). .

A cena da reunião entre Havelange, o bicheiro Castor de Andrade (Eduardo Moscovis, gigante) e um general da ditadura brasileira para confirmar a escolha de João Saldanha como técnico da seleção – chutando autonomia esportiva para o espaço – é antológica. Mas tem muito mais.

Entenda, a série é entretenimento na veia, com resgates históricos importantes, fotografia muito bem feita, trilha sonora caprichada e grandes atuações. Uma diversão, tendo o bônus de ser também uma aula para os dirigentes esportivos.

Crédito imagem: Divulgação

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