Por Higor Maffei Bellini
Olá a todos, espero que estejam todos bem.
Em razão da boa repercussão do último artigo publicado aqui no Lei em Campo: “Breves considerações sob a ótica trabalhistas da suspensão do time amazonense acusado de estar envolvido com manipulação de resultados envolvendo apostas” voltamos para complementar aquele pensamento, desta vez focado, na parte da responsabilização pessoal, do presidente de um clube associativo, pelas dívidas trabalhistas, da entidade esportiva criadas durante a sua gestão, que foi a mais comentada, pelas pessoas que buscaram contato comigo.
Infelizmente, para a justiça trabalhista brasileira, não é nada comum, ainda, a responsabilização pessoal do presidente de um clube de futebol, não se conseguindo ultrapassar o véu da personalidade jurídica do clube, que por ser uma entidade jurídica, sem fins lucrativos, equiparas às ongs, hospitais e demais entidades, destinadas a promover o bem-estar comum.
Porém, um clube de futebol, por mais que a atividade esportiva, em sentido amplo, tenha sem dúvidas características de inclusão e de assistência social, estas características somente existem, de fato, quando se trata de esportes recreativos, ou amadores, aqui entendidos aqueles nos quais os praticantes pagam para desempenhar aquela atividade, em razão de receberem por aquela atividade desportiva, menos do que gastam para realizar a sua atividade. Mas, quando se trata de clubes com equipes profissionais, seja de que modalidade esportiva for, este está desenvolvendo uma atividade que traz receitas e lucro para a entidade, apesar desta não ser a sua principal meta, que devem ser revertidos para as próprias atividades, daquela entidade.
E, falando especificamente, no caso do futebol, que é o tema do nosso artigo, em que depois da entrada em vigor, da lei que permitiu a criação das SAFs, que são empresas com todas as responsabilidades e obrigações empresariais já que visam lucros, sim. Mantém a impossibilidade da responsabilização do presidente, bem como da diretoria, pelas dívidas trabalhista, do clube social, permite uma concorrência, até mesmo desleal, já que o clube social pode ofertar salários e condições de trabalho, que sabe que não será possível de serem atendidas, mas, o fazem para contratar determinado atleta, sabendo que a sua pessoa física não responde pelas dívidas, ao passo que o dono da SAF, não deveria fazer a mesma manobra, pois sabe que será chamado a responder pelas dívidas trabalhistas, por ele criada ou recebida dos antecessores.
Essa dicotomia no tratamento da responsabilização das dívidas trabalhistas, dos clubes de futebol, em relação ás SAF, que é injusta, poderá no futuro afetar a competitividade das equipes no campeonato, em razão do tratamento diferente que cada modalidade de criação e de administração da equipe traz, para a pessoa do dono, presidente ou do administrador da SAF, em relação aos presidente e membro de conselhos deliberativos dos clubes associativos.
Porém, é extremamente importante ter em mente que a responsabilidade da responsabilização pessoal, do administrador ou presidente, de clubes associativos que tenham uma equipe profissional de futebol, já existisse quando este age desvirtuando os atos de gestão, deixando de serem destinados, a promover o melhor resultado possível para a equipe, para trazer benefícios para si ou para terceiros. Segundo o disposto no artigo 27 da lei Pelé, que assim estabelece:
Art. 27. As entidades de prática desportiva participantes de competições profissionais e as entidades de administração de desporto ou ligas em que se organizarem, independentemente da forma jurídica adotada, sujeitam os bens particulares de seus dirigentes ao disposto no art. 50 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002, além das sanções e responsabilidades previstas no caput do art. 1.017 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002, na hipótese de aplicarem créditos ou bens sociais da entidade desportiva em proveito próprio ou de terceiros.
Como existe referência ao artigo 50 do Código Civil (Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002) vale a transcrição deste artigo, também:
Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, pode o juiz, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, desconsiderá-la para que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares de administradores ou de sócios da pessoa jurídica beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso.
§ 1º Para os fins do disposto neste artigo, desvio de finalidade é a utilização da pessoa jurídica com o propósito de lesar credores e para a prática de atos ilícitos de qualquer natureza.
§ 2º Entende-se por confusão patrimonial a ausência de separação de fato entre os patrimônios, caracterizada por:
I – cumprimento repetitivo pela sociedade de obrigações do sócio ou do administrador ou vice-versa;
II – transferência de ativos ou de passivos sem efetivas contraprestações, exceto os de valor proporcionalmente insignificante; e
III – outros atos de descumprimento da autonomia patrimonial.
Desta forma, quando a administração do clube de futebol, como foi no caso que deu origem ao texto anterior, em que foi acusada, ainda sem decisão criminal transita em julgado, por isso são acusados, para todos os efeitos legais, em razão do princípio constitucional da presunção de inocência, apesar da condenação da justiça desportiva, esta deve responder pelas dívidas trabalhistas do clube, posto que usou do clube, para benefícios pessoais ou de terceiros, além do que a alegada manipulação de resultado para beneficiar apostadores, ser um ato ilegal.
No caso do clube do Amazonas, amplamente divulgado pela imprensa, mesmo ainda não existindo a decisão criminal, transitada em julgado, o que pode demorar alguns anos para acontecer, infelizmente, a decisão da justiça desportiva, pode servir de prova não da conduta ilícita, mas, sim, de indício fortíssimo desta conduta, até porque se for aguardar o trânsito em julgado da criminal, poderá acontecer a prescrição intercorrente dos créditos dos atletas. E não há problemas de usar esta decisão como indício da conduta, posto que, no transcorrer do incidente de desconsideração da personalidade jurídica, outras provas, desta conduta, podem ser produzidas, confirmando assim a ocorrência de tal fato, justificando desta forma o levantamento da personalidade jurídica.
Como também pode acontecer a responsabilização pessoal do presidente do clube, quando este ao longo de sua gestão vem dando aval em operações de crédito, do clube com instituições financeiras, já que o clube não possui mais crédito no mercado, quando este presidente pede o empréstimo em seu nome pessoal, para o repassar ao clube para que este quite as suas obrigações, ou ainda quando presidente usa de seu dinheiro pessoal, para pagar os salários e demais verbas trabalhistas, dos empregados enquanto estes estão jogando a competição, mas, que deixam de fazer o pagamento quando o clube é desclassificado. Mandando o atleta ir cobrar do clube e não dele, presidente o seu crédito.
Já tivemos casos, infelizmente, no escritório como este em que enquanto o clube disputava a competição o presidente paga, as atletas, com o seu próprio dinheiro, quando saíram da competição era para cobrar do clube, revelando assim a confusão patrimonial.
Uma maneira de demonstrar essa confusão patrimonial é fazer a juntada do extrato bancário do atleta, demonstrando que a transferência relativa ao pagamento do salário, registrado na CTPS, do atleta ou as demais verbas extrafolhas, como o caso do valor do aluguel, da refeição ou do bicho, veio da conta corrente do presidente, ou de outro membro da diretoria e não do clube.
Outra prova da confusão, patrimonial ou ainda entre a pessoa do presidente e do clube, pode ser as notícias divulgadas, pela imprensa de que, a presidência do clube emprestou valores próprios seus ao clube, sem juros ou em condições que não existem no mercado, para mascarar uma doação de valores ao clube, feita desta forma também, para não pagar o imposto de doações, a permissão de uso de bens do presidente ou de diretores, a título gratuita para o clube, treinar, se hospedar ou fazer o seu deslocamento.
Sendo esta infelizmente a realidade de alguns clubes futebolísticos, de menor representatividade de torcedores, bem como de sócios, em que o presidente se sente um “presidono” aquele que ocupa o cargo de presidente, porque ninguém mais deseja o cargo, até porque não tem associados em número suficiente para ter a alternância de poder, ou os demais sócios, que existem são parentes do presidente, e, por isso mesmo sente-se dono do clube.
Desta feita precisamos, começar a utilizar destes mecanismos legais: lei Pelé e Código Civil, para buscar a responsabilidade pessoal do presidente do clube de futebol, pelas dívidas trabalhistas com os integrantes das equipes de futebol, bem como também dos demais funcionários, já que a proteção legal, não pode diferenciar o atleta profissional, do porteiro, nas ferramentas destinadas a tentar garantir a possibilidade de receberam os valores que lhe são devidos.
Quanto mais pedidos de desconstituição da personalidade jurídica, dos clubes de futebol, sejam das associações ou das SAFs, forem apresentados com a devida fundamentação, dos pedidos, mais teremos decisões que baseadas em mecanismos legais, deferindo a desconstituição, para responsabilizar os presidentes, o que trará, possivelmente, dois efeitos: o primeiro um pedagógico fazendo com que os presidentes deixem de fazer, dívidas e contratações, sem a necessária capacidade de efetuar o pagamento destas obrigações, em razão do receio de serem responsabilizados pessoalmente e o segundo é a diminuição dos pedidos de recuperação judicial das equipes, que para os credores trabalhistas, são o pior castigo, posto que além de não terem recebido quando lhe era devido o salário, ou verbas rescisórias, entra em uma fila de credores, sem saber quando e quanto irão receber.
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