Por Pedro Mattei[1]
Desde a publicação da Lei Pelé em 24 de março de 1998, o legislador brasileiro previu dois sistemas públicos esportivos, o Sistema Brasileiro do Desporto e o Sistema Nacional do Desporto.
Cada um destes sistemas possuía uma configuração típica, e serviria para diferenciar os tipos de manifestações por eles englobadas, de modo a auxiliar o poder público a criar políticas públicas específicas para desenvolver o esporte brasileiro.
Com a publicação da Nova Lei Geral do Esporte[2] em 14 de junho de 2023, houve uma mudança na configuração no sistema esportivo federal, e este artigo se dedica a analisar e identificar as diferenças entre eles e qual é a nova configuração do Sistema Nacional do Esporte.
De início, cabe analisar o contexto legislativo brasileiro quando da edição da Lei Pelé, uma vez que em 1998 acabava de ser revogada a Lei Zico, até então a nossa lei geral do esporte, para dar lugar à Lei Pelé, em homenagem ao nosso saudoso rei do futebol que naquele ano ocupava o cargo de ministro da pasta esportiva federal em nosso país durante o mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso.
Ao revogar a Lei Zico, a Lei Pelé aproveitou muitos dos seus dispositivos e trouxe atualizações necessárias, atendendo ao anseio do mercado esportivo brasileiro, dando uma nova feição ao regramento jurídico esportivo no nosso país, obviamente respeitando o princípio constitucional da autonomia esportiva, consagrado em nossa Carta Magna desde 1988, através de inciso I de seu art. 217[3].
O Sistema Brasileiro do Desporto – SBD, previso na Lei Pelé, em sua definição traz uma perspectiva ampla de abrangência, traduzido na incorporação de toda e qualquer prática esportiva que pudesse ocorrer em nosso país, nos seus mais diversos tipos de manifestação.
O art. 4º da Lei Pelé nos traz a diretriz do Sistema Brasileiro do Desporto, a qual compreende o Ministério do Esporte, o Conselho Nacional do Esporte, o Sistema Nacional do Desporto e o sistema do desporto dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, organizados de forma autônoma e em regime de colaboração, integrados por vínculos de natureza técnica específicos de cada modalidade[4].
Por objetivo, o Sistema Brasileiro do Desporto deveria garantir a prática esportiva regular e melhorar-lhe o padrão de qualidade, além de prever que a organização esportiva do país integra o patrimônio cultural brasileiro, considerada de elevado interesse nacional.
Neste sistema, ainda, poderiam ser incluídas as pessoas jurídicas que desenvolvessem práticas esportivas não-formais, promovessem a cultura e as ciências do desporto, e formassem e aprimorassem especialistas.
Esta última previsão nos dá a clareza sobre a ampla abrangência deste sistema, incluindo desde os órgãos máximos de controle público esportivo, quais sejam, Ministério do Esporte e Conselho Nacional do Esporte, até entidades que desenvolvem práticas esportivas não- formais, incluídas aquelas que promovessem a cultura e as ciências do desporto. Não ficou ninguém de fora, a atividade física em todas as suas formas e manifestações foi abrangida neste sistema.
Já ao Sistema Nacional do Esporte, de forma clara, tem por finalidade promover e aprimorar as práticas esportivas de rendimento, e congrega pessoas físicas e jurídicas de direito privado, com ou sem fins lucrativos, encarregadas da coordenação, administração, normatização, apoio e prática do desporto, bem como as incumbidas da Justiça desportiva.
O rol de incisos do art. 13 da Lei Pelé[5] é taxativo e prevê quais organizações compõem o SND. Vejam:
Art. 13
(…)
I – o Comitê Olímpico Brasileiro-COB;
II – o Comitê Paraolímpico Brasileiro;
III – as entidades nacionais de administração do desporto;
IV – as entidades regionais de administração do desporto;
V – as ligas regionais e nacionais;
VI – as entidades de prática desportiva filiadas ou não àquelas referidas nos incisos anteriores.
VII – o Comitê Brasileiro de Clubes (CBC); e
VIII – o Comitê Brasileiro de Clubes Paralímpicos (CBCP).
Existe a previsão de um subsistema específico do Sistema Nacional do Desporto, o qual compreende o COB, o CPB, o CBC e o CBCP, além das entidades nacionais de administração e de prática desportivas, a elas filiadas.
O Sistema Nacional do Desporto, de forma suscinta, possui previsão desde o art. 13 da Lei Pelé até o art. 22. Estes artigos carregam obrigações legais às entidades que desenvolvem o desporto de alto rendimento em nosso país, sejam clubes, confederações, ligas, federações ou associações.
Este sistema, na opinião deste autor, representa o setor do esporte brasileiro que conta, e muito, com o financiamento público, através de recursos públicos, seja na forma de fomento, incentivo ou cooperação, para desenvolver o alto rendimento esportivo em nosso país.
Valeria citar a o papel institucional de cada uma das entidades citadas no rol do art. 13, de forma a visualizar qual é a função de cada uma delas na formação da política esportiva nacional, entretanto, este assunto será tratado em outra oportunidade, pela complexidade e volume de informações imprescindíveis para caracterizar cada uma delas e trazer clareza[6] ao leitor desta coluna, que busca boas informações do mercado esportivo.
De todo modo, algumas previsões merecem destaque, como aquelas que trazem não apenas conceitos, mas obrigações à todas as entidades esportivas que buscam se valer de recursos públicos.
Para gerir recursos públicos em nosso país, cada uma das entidades precisa demonstrar que possui experiência prévia e capacidade técnica para executar recursos que compõem o erário público.
Os arts. 18 e 18-A trazem essas obrigações, vistas como requisitos para adquirir uma certificação específica, concedida pelo Ministério do Esporte, que dá a essas entidades o direito de usufruir de recursos vindos dos cofres públicos para executar seus projetos esportivos, bem como políticas institucionais de manutenção das atividades das entidades esportivas.
Regras de boa governança, transparência, viabilidade e autonomia financeiras, regular situação diante das obrigações fiscais e trabalhistas, mandato de no máximo 4 (quatro) anos permitida uma recondução aos presidentes de entidades esportivas, representação da categoria de atletas em órgãos incumbidos de assuntos esportivos, existência e autonomia do conselho fiscal em entidades esportivas, prestar de contas, são alguns dos exemplos de obrigações das entidades esportivas que pretendem compor o Sistema Nacional do Desporto.
Desta forma, desde o SBD até o SND previstos na Lei Pelé, percebemos o ponto de partida do legislador, até a linha de chegada, sendo o SBD um sistema amplo e genérico, e o SND, um sistema seletivo e específico. Pode-se dizer que o Sistema Brasileiro do Desporto é gênero, enquanto o SND é espécie.
O legislador brasileiro previu, desde 1998, um sistema que abrangesse toda e qualquer tipo de atividade física e prática esportiva, até aquele que se dedica ao fomento e incentivo alto rendimento esportivo, que atrai maior interesse no mercado privado e da sociedade brasileira. Afinal, o esporte é considerado um patrimônio cultural do nosso país, vide § 2º do art. 4º da Lei Pelé.[7]
A Nova Lei Geral do Esporte, publicada em 14 de junho de 2023, traz uma nova configuração para o sistema esportivo nacional. Objetivamente, a previsão do Sistema Nacional do Esporte – Sinesp, está no capítulo II da lei, e está compreendido do art. 11 ao 38 da nova lei, apesar de todos os vetos[8].
O art. 11 da Nova Lei Geral do Esporte[9] traz em seus incisos as previsões dos objetivos deste sistema, que entre os 23 (vinte três) objetivos elencados, traz previsões muito semelhantes ao que já havia na Lei Pelé, tanto do Sistema Brasileiro do Desporto quanto do Sistema Nacional do Desporto.
Realizam-se por meio do Sistema Nacional do Esporte (Sinesp) o planejamento, a formulação, a implementação e a avaliação de políticas públicas, de programas, de ações para o esporte, nas diferentes esferas governamentais, de forma descentralizada, democrática e participativa. Eis o que prevê, em suma, o caput do artigo 11. Nos furtaremos de trazer todas as previsões contidas nos incisos deste artigo, dado o grande número de objetivos, e ser de fácil consulta por parte dos leitores.
O art. 12, por sua vez, traz em seus 9 (nove) incisos previsão de quais são os princípios e diretrizes do Sinesp, e de forma objetiva, mostra o ponto de partida para elaboração de políticas públicas na área do esporte, a partir desta nova lei.
Por fim, importante citar a criação de um novo sistema que caracterizará a configuração da atuação estatal na criação de políticas e atividades voltadas ao esporte nas suas mais diversas manifestações.
O Sistema Nacional de Informações e Indicadores Esportivos – SNIIE, tem uma função de extrema importância e árdua missão a realizar. Coletar, sistematizar e interpretar dados, fornecer metodologias e estabelecer parâmetros à mensuração da atividade esportiva e das necessidades sociais do nosso país, como forma de avaliar as políticas públicas voltadas ao esporte em nosso país, principalmente aquelas formuladas e executadas a partir do Plano Nacional do Esporte – PNEsporte, que até o presente momento é um Projeto de Lei (nº 409/22) e se encontra no Senado Federal, aguardando ser pautado e votado, conforme determina o regimento interno daquela casa legisladora.
Além do mais, a configuração no novo Sistema Nacional do Esporte prevê atribuições e composição de órgãos públicos, tendo a União Federal como sua integrante, além de outros entes federativos que a ele aderirem, bem como seus conselhos, fundos de esporte e pelas organizações que atuam na área esportiva, de modo a formar subsistemas de acordo com cada nível de prática esportiva.
Os estados e municípios têm suas competências claras e definidas pelos arts. 17 e 18 da nova lei, respectivamente, e ao Distrito Federal, compete realizar as mesmas atividades, que lhe sejam correlatas.
A título exemplificativo, vale citar as subseções deste capítulo da lei que caracterizam o Sinesp, como aquela que institui as conferências de esporte, a interação entre entes públicos e privados do esporte, a autonomia esportiva, as representações olímpicas e paralímpicas brasileiras, o subsistema nacional do esporte militar, as fontes de recursos das organizações esportivas privadas, as contrapartidas na gestão esportiva, e por fim, os pactos para os ciclos olímpicos.
Em conclusão, a nova configuração do Sistema Nacional do Esporte, pensada e instituída pelo legislador federal, congrega em um mesmo sistema o que a lei pelé dividiu em dois. Entre um sistema genérico e um específico previstos naquela lei, agora, em um único sistema, instituiu a ordem esportiva nacional através do Sinesp.
Importante dizer que o Sinesp é fundamental para desenvolver as diretrizes da política pública esportiva em nosso país, só que, inexoravelmente, precisa estabelecer conexão com o Plano Nacional do Esporte, que ainda aguarda análise pelo Senado para ser votado, aprovado, sancionado, e produzir os efeitos esperados.
Com a nova configuração do Sinesp e a edição do PNEsporte, o aparato público dedicado ao esporte, tende a aumentar, assim como o volume de investimento. O esporte educacional, universitário, participativo, militar, e de formação terão mais atividade e mais investimentos vindos dos cofres públicos, ao passo que o esporte de alto desempenho, também continuará amparado.
O que se percebe com essa nova configuração do Sistema Nacional do Esporte, é um maior equilíbrio entre investimentos no esporte brasileiro, em todas as suas manifestações, incluído o esporte de alto desempenho, que naturalmente atrai investimento privado com mais facilidade que as demais manifestações esportivas em nosso país.
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[1] Advogado inscrito na OAB/DF. Pós-graduado em Direito Material e Processual do Trabalho pelo IDP. Presidente da União dos Esportes Brasileiros – UEB. Vice-Presidente do laboratório de pesquisas da Academia Nacional de Direito Desportivo – ANDD-Lab.
[2] Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2023-2026/2023/Lei/L14597.htm
[3] Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm
[4] Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9615consol.htm;
[5] Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9615consol.htm
[6] A análise do papel de cada uma das entidades que compõem o referido subsistema do SND parte da análise de seus estatutos sociais, que além de extensos, possuem informações específicas acerca de suas finalidades e missões institucionais, motivo pelo qual nos furtamos neste momento analisá-los, por fugir da proposta do artigo, por mais relevantes que sejam.
[7] Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9615consol.htm;
[8] Sobre a diferença dos tipos de veto: https://www.congressonacional.leg.br/materias/vetos/entenda-a-tramitacao-do-veto
[9] Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2023-2026/2023/Lei/L14597.