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Sociedade Anônima de Futebol: notas sobre a nova legislação

Por Carlos Magno Cerqueira

Após longa espera por um marco legal contendo normas regulatórias para estimular a adoção do modelo empresarial por parte dos clubes de futebol, o projeto de lei n. 5.516/2019 acaba de ser sancionado parcialmente pelo Presidente da República. Agora, retorna para deliberação do Congresso Nacional acerca dos vetos presidenciais.

Elaborado no ano de 2016 pelos juristas José Francisco Manssur e Rodrigo Monteiro de Castro, o texto base para criação da Sociedade Anônima do Futebol (“SAF”) foi proposto, em um primeiro momento, através do projeto de lei n. 5.082. Todavia, em virtude das circunstâncias políticas à época, o projeto não prosperou, retornando às pautas de discussão legislativa no ano de 2019, já sob o n. 5.516, no Senado Federal.

Em que pese já ser possível aos clubes se constituírem como empresas – vide o caso do Red Bull Bragantino, constituído como uma sociedade limitada, e o Botafogo de Ribeirão Preto, como sociedade anônima, o projeto busca criar um marco regulatório específico aos clubes, prevendo um tipo societário adequado às especificidades da Indústria do Futebol. Impende ressaltar que a opção pelo modelo previsto no PL é facultativa aos clubes, estando de acordo com o atual entendimento a respeito da autonomia das entidades esportivas prevista pela Constituição Federal.

O projeto apresenta, basicamente, quatro pilares fundamentais da SAF: (i) normas relacionadas ao estímulo à boa governança; (ii) à reestruturação das dívidas; (iii) ao financiamento da SAF e captação de investimentos; e (iv) à questão tributária.

No tocante à governança, o PL prevê a existência obrigatória de determinados órgãos, assim como numa sociedade anônima regulada pela Lei n. 6.404/76, contendo, também, dispositivos com o objetivo de mitigar possíveis casos de conflitos de interesses e garantir transparência aos atos da companhia.

Alguns críticos apontam, com razão, que a mera constituição de uma SAF não garantirá uma boa gestão ao clube. Ademais, entendem que um bom sistema de licenciamento de clubes seria suficiente para incentivar aos clubes a adoção de práticas de boa governança.

De fato, com uma governança bem estruturada, tanto modelos empresariais como associativos podem – e devem – trazer resultados positivos para clubes brasileiros.

Entretanto, os pontos positivos de se tornar uma SAF não se limitam apenas aos incentivos a uma administração eficiente.

Dentre alguns de seus benefícios, as possibilidades de tratamento dos passivos dos clubes devem ser destacados. Neste quesito, tem-se que o clube poderá optar pelo Regime Centralizado de Execuções, concentrando, dessa forma, num Juízo determinado, suas execuções, bem como percentual de suas receitas, destinado especificamente para os pagamentos dos credores, que serão pagos de acordo com uma ordem definida.

A outra opção prevista no texto normativo, é a possibilidade de ajuizamento de um pedido de recuperação judicial por parte do clube associativo, superando, desta forma, um debate doutrinário hercúleo sobre a legitimidade ativa de uma associação, pelo menos no caso de um clube de Futebol, para pleitear o procedimento recuperacional.

Nas duas hipóteses, resolve-se um dos principais desafios suportados pelos clubes, que são os constantes ataques aos seus patrimônios, com bloqueios e penhoras que inviabilizam o regular andamento de suas operações diárias. Com as opções supracitadas, o clube passa a ter fôlego para manter suas operações e quitar seus débitos de forma paulatina.

Ainda com relação às obrigações dos clubes, alguns identificam a possibilidade de falência como uma crítica à opção pelo modelo empresarial. Contudo, a possibilidade não deve ser encarada como um problema, mas como uma eventual solução.

Com o advento da falência, é dada ao clube a chance de ser refundado. Por óbvio, sempre haverá forte resistência a esse tipo de solução por parte dos associados e dirigentes. Todavia, em que pese seja amargo, poderá ser um remédio mais eficaz do que o clube se manter apenas sobrevivendo, numa decadente luta pelo retorno aos tempos de glórias, cada vez mais distantes, enquanto observa sua torcida diminuir a passos largos, ante o domínio de seus rivais.

Casos como do Napoli e da Fiorentina, na Itália, e do Rangers, na Escócia – todos faliram, foram refundados e disputam a primeira divisão de seus países com sucesso –, demonstram como a falência pode ser muito saudável para a indústria do futebol, por conseguir afastar os agentes ineficientes que operavam essas entidades, mantendo vivas marcas valiosas e com milhares de fãs/consumidores.

Outra vantagem de se converter em SAF ou criar uma, é o acesso a diferentes tipos de financiamento e captação de recursos não disponíveis às associações. Além da emissão de uma debênture-fut, prevista no projeto de lei, a SAF poderá emitir qualquer outro valor mobiliário previsto na Lei 6.404/76 ou em regulamentação da Comissão de Valores Mobiliários (“CVM”).

 Cabe destacar o caso recente do clube espanhol Atlético de Madrid, constituído como Sociedade Anônima Desportiva (SAD), que anunciou um aumento de capital que poderá gerar pouco mais de 180 milhões de euros ao clube, para auxiliar no enfrentamento dos desafios impostos pelos efeitos causados pela pandemia de Covid-19.

Ademais, a segurança jurídica proporcionada por uma sociedade empresária com normas de transparência e governança próprias e, ainda, com a regulação da CVM, nos casos de sociedades com valores mobiliários negociados na Bolsa de Valores, é fundamental para que novos investidores, principalmente estrangeiros, possam ser atraídos ao mercado nacional.

Deve-se levar em consideração o recente interesse de fundos de investimentos norte-americanos em adquirir participações em clubes europeus, por exemplo. O enfraquecimento do real frente às principais moedas, como o dólar e o euro, poderá gerar um ótimo ambiente para atrair capital estrangeiro ao mercado brasileiro, que já é mundialmente reconhecido pela grande capacidade de gerar novos talentos, com clubes de marcas centenárias e grandes torcidas

Num mercado extremamente globalizado, no qual os clubes disputam por novos jogadores e fãs/consumidores pelo mundo, o capital de novos investidores é fundamental para inserir os clubes brasileiros no cenário internacional do Futebol.

Ressalta-se também que o investimento externo poderá representar, muitas vezes, mais do que uma mera injeção de dinheiro novo, mas também o acesso a um importante know-how de investidores habituados a atuar na indústria do entretenimento. Trata-se do chamado smart money.

Além disso, atualmente, a disputa por novos fãs/consumidores não se dá apenas entre os times de Futebol, mas contra outras formas de entretenimento, estando, o clube, inserido num mercado muito maior que apenas o esportivo. Com o aumento da exigência por parte das pessoas por um entretenimento de qualidade, um clube de futebol enfrenta a concorrência de empresas como a Netflix, Disney dentre outras.

Na questão tributária, objeto de veto do Presidente da República, reconhecidamente o “calcanhar de aquiles” deste tema, houve uma alteração no projeto original. Em princípio, a ideia era estabelecer um período de transição, no qual a SAF teria benefícios fiscais como forma de adaptação a uma carga tributária superior à das associações, até que passasse a ser tributada como as demais empresas de outros ramos.

Todavia, definiu-se que seria mais atrativo aos clubes definir um modelo permanente, denominado Regime de Tributação Específica do Futebol. Este regime reunirá determinados impostos que serão cobrados de forma conjunta, com alíquota de 5% nos primeiros cinco anos de existência da SAF, a partir de todas as receitas mensais, com exceção dos valores oriundos de transferências de atletas. A partir do sexto ano, a alíquota cairá para 4%, passando a incluir os valores referentes às cessões dos direitos desportivos dos atletas.

Agora, diante do veto presidencial, o projeto de lei retorna ao Congresso Nacional, que poderá, em deliberação, derrubar tal veto.

Assim, é possível observar as vantagens da Sociedade Anônima do Futebol na estrutura futebolística brasileira. Entretanto, essas vantagens não podem ser entendidas como um passe de mágica para sucesso na estrutura das entidades desportivas. A boa gestão será sempre o principal diferencial entre os clubes que irão conseguir competir em alto nível nos tempos atuais, e os demais.

Outrossim, o clube deve ter muito cuidado ao estabelecer parcerias para a formação da SAF, resguardando ao máximo seus interesses, com determinadas cláusulas contratuais. Os casos de insucesso de clube-empresa devem ser usados como aprendizado para traçar um planejamento realista, sem ilusões e com maior chance de sucesso.

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Carlos Magno Cerqueira é pós-graduando em Negócios no Esporte e Direito Desportivo pelo Cedin. Bacharel em Direito pelo Ibmec RJ. Pesquisador do Grupo de Estudos em Direito Desportivo do Ibmec RJ (GEDD Ibmec). Membro filiado do IBDD. Certificado em Governança Corporativa e Compliance no Futebol pela CBF Academy, em Compliance e Governança Corporativa pela ESA OAB/RJ, em Mecanismo de Solidariedade e Indenização por Treinamento da Fifa pelo Hubstage, e Recuperação Judicial e Falência pelo IBDE.

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