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Sociedade Anônima do Futebol e o modelo norte-americano de governança

Por Vitor Rosa

O modelo norte-americano de governança desportiva com certeza é diferente do brasileiro, que segue a lógica europeia de organização – o chamado modelo piramidal. Porém, quando o assunto é espetáculo desportivo, há muito que se aprender com eventos dos Estados Unidos, capazes de maximizar audiência, qualidade e lucros do esporte. O Super Bowl, jogo que encerra a temporada do “futebol americano” é um fenômeno global, e as equipes da NFL angariam cada vez mais torcedores ao redor do globo.

O êxito desse sistema provoca discussões acerca do modelo brasileiro, que vive uma realidade de baixa frequência nos estádios, agremiações endividadas e muito amadorismo, dificuldades presentes em todos os esportes.

Todavia, enquanto os norte-americanos triunfam em vários aspectos, deixam a desejar em diversos outros. O sistema clube-empresa adotado pelas franquias permite o controle quase total da agremiação por um único indivíduo, quase sempre um magnata milionário que pouco contato tem com sua base de fãs. Não raramente, decisões importantes são tomadas sem o apoio do público, ocasionando polêmicas, discussões e frustrações dentre os fissurados pelo esporte.

Nessa linha, são compreensíveis as preocupações de torcedores em relação às SAFs no futebol, que aos poucos vão sendo criadas no Brasil e seguem um formato semelhante aos clubes-empresa dos Estados Unidos. Evidentemente, não está aqui a se falar de uma migração do modelo piramidal para o norte-americano, mas sim de uma confluência teleológica resultante da implementação de alterações sistêmicas que trazem ao desporto brasileiro elementos tradicionalmente associados ao modelo norte-americano.

Nesse sentido, ainda que o clube-empresa seja uma forma de organização também encontrada no sistema europeu, sua adoção pode trazer consigo mudanças com o condão de influenciar a ótica sob a qual o esporte é enxergado e também a relação entre torcedores e entidades, o que permite, sob esse restrito aspecto, traçar um comparativo entre as franquias norte-americanas e a SAF.

Dito isso, é necessário estar atento aos possíveis problemas que podem surgir com a mudança de associações para SAFs, pois talvez nem todas as mudanças sejam positivas.

Fazendo uma pequena digressão, precisamos falar do sucesso desportivo e midiático que é o Super Bowl, o maior triunfo do modelo norte-americano de governança desportiva. Esse espetáculo é capaz de atrair públicos que nem acompanham o futebol americano, além de telespectadores que somente querem ver ao Halftime Show, conhecido por sempre ter em seu palco uma estrela da música.

O Super Bowl pode não ser o evento mais assistido no mundo, pois perde para a Copa do Mundo da FIFA e a final da Liga dos Campões da UEFA. Entretanto, considerando que é o único desses eventos com caráter nacional, os índices de audiência são muito impressionantes. Colocando em números, a transmissão do Super Bowl LVI (cinquenta e seis) atraiu uma audiência televisiva média de cerca de 101 milhões de telespectadores só nos Estados Unidos, segundo dados da Exame.

Porém, como surgiu essa partida, tão emblemática nos dias de hoje? Pois bem, para responder a essa pergunta é preciso voltar no tempo, para o nascimento da NFL, ainda diferente do que é hoje.

A partir da união de donos de clubes profissionais, a National Football League surge em 1920. Ao longo dos anos, a popularidade do esporte foi crescendo vertiginosamente, até que veio a Segunda Guerra Mundial, ocasião que a NFL sofreu com a cessão de muitos de seus jogadores para o conflito. No entanto, ao retornarem dos campos de batalha, os americanos viram uma explosão na popularidade do futebol americano, suficiente para possibilitar a criação de uma nova liga, chamada de AFL ou American Football League.

A AFL foi criada em 1960, por homens bem-sucedidos que tinham interesse em serem proprietários de franquias de futebol americano, mas não conseguiam autorização da NFL. Portanto, decidiram criar sua própria liga, que rapidamente ganhou relevância nacional, iniciando uma rivalidade com a National Football League.

O impacto da nova liga foi tão grande, que, em 1966, as duas ligas decidiram se fundir, mas inicialmente operando separadas. No mesmo ano da fusão, ambas decidiram realizar uma final entre seus respectivos campeões, partida que posteriormente ficaria conhecida como Super Bowl One. Então, em janeiro de 1967, a história começou com o “AFL NFL World Championship Game”, nome oficial daquele jogo, disputado entre Kansas City Chiefs e Green Bay Packers.

Desde então, o Super Bowl nunca mais parou de crescer, colaborando para que o futebol americano se tornasse o esporte mais popular nos Estados Unidos. Naquele mesmo ano iniciou-se outra tradição marcante do Super Bowl, o Halftime Show ou show do intervalo. A primeira apresentação foi de uma banda de marchar, que continuou a dominar o evento por vinte e três anos. Todavia, no ano de 1991, foi escolhida uma boy band, chamada “New kids on the block”, para tocar no evento. Dois anos depois, Michael Jackson, o rei do Pop, foi o escolhido para o Haltime Show, iniciando a era das grandes estrelas no intervalo do Super Bowl.

Todo esse sucesso fez bem ao esporte e o elevou a um novo patamar, colocando o futebol americano à frente das ligas nacionais de basquete, baseball e hóquei.

Por outro lado, por terem uma visão do esporte como “negócio”, os proprietários das franquias norte-americanas não hesitam em ameaçar realocá-las para estados que prometem estádios mais modernos e menores impostos. Existem diversos exemplos de clubes que efetivamente mudaram de sede, além de alterações em escudos, cores e mascotes. Dentre eles está o atual campeão do Super Bowl, o Los Angeles Rams, que foi originalmente fundado em Cleveland, posteriormente alocado para Los Angeles, em seguida para Saint Louis e novamente para Los Angeles.

E como ficam os torcedores desses clubes? Pouco podem fazer para evitar as realocações a não ser protestar, o que costuma ajudar os donos das franquias a pressionarem seus estados sedes por melhores negócios. Nesse contexto, diversas equipes abusam de seus poderes para forçar governantes a firmarem contratos extremamente onerosos aos estados, gastando quantidades vultuosas de verbas públicas.

Trazendo essa realidade para o Brasil, não é difícil imaginar um cenário semelhante, dado que os dirigentes já exercem pressão política nos governantes, mesmo não sendo detentores de poderes equivalentes aos de um proprietário. Difícil imaginar um clube brasileiro mudando de estado, porém, de resto, os problemas parecem passíveis de “importação”.

Isto posto, é necessária uma reflexão profunda acerca dos benefícios e malefícios que as SAFs podem trazer ao futebol. O sucesso meteórico do Super Bowl e da fórmula norte-americana oculta problemáticas, que caso cheguem ao Brasil, se somarão aos demais estorvos que assolam o desenvolvimento do esporte no país.

Crédito imagem: NFL

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Vitor Rosa, acadêmico de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e pesquisador do GEDD-UERJ.

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