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Sociedade Anônima do Futebol (SAF) não é sucessora das dívidas contraídas pelo clube associativo

De acordo com o artigo 1º da Lei n. 14.193/2021, constitui Sociedade Anônima do Futebol (SAF), a companhia cuja atividade principal consiste na prática do futebol, feminino e masculino, em competição profissional, sujeita às regras específicas da lei e, subsidiariamente, às disposições da Lei nº 6.404/1976 (Lei das SA’s), e da Lei nº 9.615/1998 (Lei Pelé).

A Sociedade Anônima do Futebol pode ser constituída de três formas eleitas pelo legislador: I – pela transformação do clube ou pessoa jurídica original em Sociedade Anônima do Futebol; II – pela cisão do departamento de futebol do clube ou pessoa jurídica original e transferência do seu patrimônio relacionado à atividade futebol; e III – pela iniciativa de pessoa natural ou jurídica ou de fundo de investimento.

Nas hipóteses I e II acima enumeradas, a SAF sucede obrigatoriamente o clube ou pessoa jurídica original nas relações com as entidades de administração, bem como nas relações contratuais, de qualquer natureza, com atletas profissionais do futebol e a SAF terá o direito de participar de campeonatos, copas ou torneios em substituição ao clube ou pessoa jurídica original, nas mesmas condições em que se encontravam no momento da sucessão, competindo às entidades de administração a devida substituição sem quaisquer prejuízos de ordem desportiva.

Além disso, na hipótese do item II acima destacado, os direitos e deveres decorrentes de relações, de qualquer natureza, estabelecidos com o clube, pessoa jurídica original e entidades de administração, inclusive direitos de participação em competições profissionais, bem como contratos de trabalho, de uso de imagem ou quaisquer outros contratos vinculados à atividade do futebol serão obrigatoriamente transferidos à SAF.

Outrossim, o clube ou pessoa jurídica original e a SAF deverão contratar, na data de constituição desta, a utilização e o pagamento de remuneração decorrente da exploração pela SAF de direitos de propriedade intelectual de titularidade do clube ou pessoa jurídica original;

A sucessão trabalhista está disciplinada nos arts. 10, 448 e 448-A da CLT e ocorre quando há transferência de titularidade de empresa ou estabelecimento. Segundo a regra geral, qualquer alteração na estrutura jurídica da empresa não afetará os direitos adquiridos por seus empregados. Outrossim, a mudança na propriedade ou na estrutura jurídica da empresa não afetará os contratos de trabalho dos respectivos empregados e quando caracterizada a sucessão empresarial, as obrigações, ainda que contraídas na época do sucedido, serão de responsabilidade do sucessor.

A questão da sucessão trabalhista desportiva foi bem definida na Lei nº 14.193/2021 e de acordo com o artigo 2º, a Sociedade Anônima do Futebol pode ser constituída de três formas: I – pela transformação do clube ou pessoa jurídica original em Sociedade Anônima do Futebol; II – pela cisão do departamento de futebol do clube ou pessoa jurídica original e transferência do seu patrimônio relacionado à atividade futebol; ou III – pela iniciativa de pessoa natural ou jurídica ou de fundo de investimento.

Na terceira hipótese, não há que se falar em sucessão, na medida em que estaremos diante de um negócio originário.

Contudo, nas duas primeiras hipóteses, a SAF sucede obrigatoriamente o clube ou pessoa jurídica original nas relações com as entidades de administração, bem como nas relações contratuais, de qualquer natureza, com atletas profissionais do futebol e herdará a posição desportiva do clube com a prerrogativa de disputar as mesmas competições que aquele disputava, operando-se, portanto, uma cessão da posição desportiva com permissivo legal (Art. 2º, §, I e II da Lei n.º 14.193/2021).

Ocorre que as dívidas que eram do clube com este permanecem, não havendo que se falar em sucessão, desde que cumpridos os requisitos estabelecidos na própria lei, principalmente no que diz respeito à administração e destinação da receita corrente do clube.

Tal conclusão é extraída da própria interpretação da Lei n.º 14.193/2021, na medida em que o artigo 9º é expresso ao estabelecer que a SAF não responde pelas obrigações do clube ou pessoa jurídica original que a constituiu, anteriores ou posteriores à data de sua constituição, exceto quanto às atividades específicas do seu objeto social, e responde pelas obrigações que lhe forem transferidas conforme disposto no § 2º do art. 2º da Lei n.º 14.193/2021, cujo pagamento aos credores se limitará à forma estabelecida no art. 10 do diploma em comento.

De acordo com Bruno Coaracy e João Marcos Guimarães Siqueira, a lei relativizou a proteção ao direito adquirido, mas com contrapartidas, o que não deixa de ser uma verdadeira inovação no quesito sucessão trabalhista[1].

E de fato esta é a conclusão que se extrai da leitura atenta do art. 10 e os seus incisos. Verbis:

Art. 10.  O clube ou pessoa jurídica original é responsável pelo pagamento das obrigações anteriores à constituição da Sociedade Anônima do Futebol, por meio de receitas próprias e das seguintes receitas que lhe serão transferidas pela Sociedade Anônima do Futebol, quando constituída exclusivamente:

I – por destinação de 20% (vinte por cento) das receitas correntes mensais auferidas pela Sociedade Anônima do Futebol, conforme plano aprovado pelos credores, nos termos do inciso I do caput do art. 13 desta Lei;

II – por destinação de 50% (cinquenta por cento) dos dividendos, dos juros sobre o capital próprio ou de outra remuneração recebida desta, na condição de acionista.

Desta forma, há critérios estabelecidos pela própria lei que demonstram que neste caso há responsabilidade exclusiva do sucedido, não sendo possível estabelecer a responsabilização do sucessor pelas dívidas trabalhistas pretéritas.

A jurisprudência do TST estabelece como premissa a necessidade da continuidade da prestação de trabalho para a caracterização da sucessão, com a possibilidade de responsabilização do sucessor. Verbis:

“ILEGITIMIDADE PASSIVA DE PARTE – DESCARACTERIZADA A HIPÓTESE DE FRANQUIA – ARRENDAMENTO. Configurado o contrato de arrendamento, o arrendatário adquire, ainda que temporariamente, um bem do arrendador, ocorrendo, assim, mesmo que provisoriamente, a substituição do antigo titular passivo da relação empregatícia por outra pessoa. Se houver continuidade da prestação dos serviços do reclamante, configurada estará a sucessão trabalhista, nos moldes estabelecidos nos artigos 10 e 448 da CLT, visto que preenchidos os dois elementos essenciais para sua caracterização, quais sejam, a transferência de um estabelecimento, mesmo que provisoriamente, de um para outro titular e a não ruptura do contrato de trabalho do empregado. No presente caso, o arrendamento constitui, sem dúvida nenhuma, uma das hipóteses de sucessão trabalhista, estando, assim, regulamentado pelos artigos 10 e 448 da CLT. Assim sendo, tendo havido sucessão trabalhista, o arrendatário, que neste caso é a Empresa Latino Americana de Distribuição de Alimentos, responde pelos efeitos passados, presentes e futuros da relação empregatícia havida com o recorrido, não havendo qualquer responsabilidade do arrendador, Companhia Brasileira de Abastecimento. Recurso de revista conhecido e provido”

(RR-485545-02.1998.5.23.5555, 1ª Turma, Relator Juiz Convocado Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, DEJT 08/08/2003).

Portanto, a partir do momento em que houve a ruptura da prestação de serviços, não há que se falar em sucessão.

Este é o entendimento do Magistrado Marcos Ulhoa Dani, que em revelador artigo acadêmico esclarece em quais hipóteses haverá sucessão na seara desportiva[2]. Verbis:

“… em havendo a continuidade da prestação de serviços pelo antigo empregado atleta, sem solução de continuidade, abre-se a possibilidade de configuração da sucessão trabalhista, com a responsabilização da SAF pelas dívidas trabalhistas pretéritas daquele atleta de imediato, eis que se configurou o instituto da sucessão. Seria, em outras palavras, uma novação subjetiva por expromissão, nos termos do art. 362 do CC. Nesta esteira, aplicar-se-ia o disposto no art. 448-A, da CLT. Ou seja, se por um novo ato de vontade da SAF, houve a renovação de um contrato de trabalho anterior à sua constituição, sem solução de continuidade na prestação de serviços, há uma novação, com a assunção de toda a dívida anterior, de maneira direta. Assim não ocorrendo, ou seja, não havendo a renovação de contratos e não havendo a continuidade da prestação de serviços (ausência de solução de continuidade), a dívida trabalhista pregressa permanece com o clube original, com o modo de pagamento na forma específica da SAF. Desta forma, não haveria a possibilidade de cobrança direta da SAF pelas dívidas pretéritas, ao menos nos primeiros 06 ou 10 anos iniciais de pagamento concentrado de execuções, até pela incidência da lei especial como já explicado, em detrimento da lei geral (CLT). Por outro lado, se a SAF entender pela continuidade da prestação de serviços do atleta, membro de comissão técnica ou outro funcionário ligado ao departamento de futebol, sem solução de continuidade, passa-se a um ato de vontade da nova sociedade que se sobrepõe à lei especial, atraindo a figura da sucessão, com todas as suas consequências jurídicas”.

Tem-se, portanto, que para a configuração da sucessão deverá haver a contemporaneidade na prestação de serviços. Outrossim, o clube executado é responsável pelo pagamento das obrigações anteriores à constituição da sociedade anônima do futebol.

Decisão importante e esclarecedora acerca do tema foi proferida pelo TRT da 3ª Região que tem jurisdição em Minas Gerais.

Em processo de execução movido contra o Cruzeiro e a SAF, em Agravo de Petição foi fixada a tese de inexistência de sucessão, conforme consta da ementa a seguir transcrita. Verbis:

SOCIEDADE ANÔNIMA DO FUTEBOL. OBRIGAÇÕES ANTERIORES À SUA CRIAÇÃO. SUCESSÃO TRABALHISTA NÃO CARACTERIZADA. A teor do disposto no art. 10 da Lei 14.193/2021, o clube ou pessoa jurídica original é responsável pelo pagamento das obrigações anteriores à constituição da sociedade anônima do futebol, por meio de receitas próprias e também de receitas que lhe serão transferidas pela sociedade anônima de futebol. Destarte, em relação ao contrato de trabalho do exequente, que se encerrou antes da criação da SAF, não se operou a responsabilidade desta por sucessão trabalhista, tendo em vista o disposto no art. 10 da Lei 14.193/2021, já que o clube executado é responsável pelo pagamento das obrigações anteriores à constituição da sociedade anônima do futebol.

(TRT 3ª Região – AP 10376-66.2020.5.03.0024 – Agravante James Francisco Freitas Iahnke Rel. Des. Oswaldo Tadeu Barbosa Guedes, julgado em 26/04/2022)

No intuito de trazer ao leitor pontos de vista distintos, deve ser destacada decisão proferida nos autos da RT 0010052-44.2022.5.03.0012, pelo Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, em março de 2022, que condenou solidariamente o Cruzeiro SAF e a Associação Cruzeiro a pagar uma dívida ao ex-treinador de goleiros do time feminino do clube, Fábio Anderson Fagundes.

Neste caso, a contrariedade ao dispositivo da lei é manifesta, tendo em vista que a prestação de serviços pelo treinador se deu até 2/12/2021, enquanto que a SAF foi constituída em 6/12/2021. Ou seja, após o término da prestação de serviços.

Infelizmente, de uma forma geral, há uma certa resistência em reconhecer o Direito Desportivo como uma área autônoma que deve ser interpretada com princípios próprios e inerentes a sua especificidade.

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[1] SIQUEIRA, João Marcos Guimarães; COARACY, Bruno. A Sociedade Anônima de Futebol e suas nuances. Reflexões iniciais acerca da entrada em vigor da Lei n. 14.193/2021. In GIORDANI, Francisco Alberto da Motta Peixoto; GIORDANI, Manoel Francisco de Barros da Motta Peixoto. Temas Intrigantes de Direito Desportivo. Ed. Lacier, 2021 – p. 131.

[2] Disponível em: https://www.andd.com.br/artigos-academicos/analise-da-sucessao-trabalhista-ou-nao-pelas-sociedades-anonimas-do-futebol-safs-hipoteses-de-responsabilizacao-pelo-passivo-trabalhista-anterior-a-constituicao-da-saf. Acesso em 03.05.2022.

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