Compreender a forma jurídica adotada pelas entidades de prática desportiva de um determinado país, e como sucede o mercado do futebol de acordo com esse contexto, contribui no estudo jurídico sobre o tema, além de permitir a comparação de desempenho entre estes e a extração dos pontos exitosos a serem observados em cada local.
Segundo material produzido pela Ernest Young¹, mais de 90% das equipes da primeira e segunda divisão do futebol na Inglaterra, França, Itália, Espanha e Alemanha estabeleceram seu regime jurídico em tipos societários.
Apesar da estampa cultural do futebol no Brasil, há décadas que a valorosa referência do mercado passou a pertencer a determinados clubes europeus, destacados por um crescimento exponencial, servindo de marco global para o setor futebolístico. Contudo, a despeito do citado paradigma do mercado da bola na Europa, registram-se diversos exemplos de insucesso, os quais, de igual forma, oferecem elementos para o presente estudo.
Tendo em vista o encadeamento desta seção do Lei em Campo, será abordado o contexto jurídico em que as entidades de prática desportiva se inserem em alguns dos países Europeus, tendo como base aqueles que possuem equipes destacadas mundialmente, seja pelo seu sucesso ou pela ausência desse, de forma a se considerar os aspectos positivos ou negativos de suas configurações jurídicas.
Iniciando pela Itália, que conta atualmente com a totalidade de suas agremiações desportivas constituídas na forma de Sociedade Desportiva. O país do Juventus FC, AC Milan, Torino FC, SSC Napoli, FC Internazionale Milano, Atalanta BC, AS ROMA, entre outras equipes que já protagonizaram a mídia internacional.
Sob o panorama jurídico desportivo, a sociedade desportiva na Itália possui previsão legal desde 1966. A Federação Italiana de Futebol (Federazione Italiana Gioco Calcio – FIGC), que integra o Comitê Olímpico Nacional Italiano (CONI), órgão que administra as competições de futebol na Itália, assentado no ordenamento jurídico por meio da “Legge 426/42”², passou a determinar que as equipes das divisões A e B deveriam assumir o regime jurídico de Sociedade Anônima.
A constituição da entidade de prática desportiva em sociedade anônima para participação dos campeonatos de futebol oficiais da primeira e segunda divisão alinha-se com a recomendação emitida pelas autoridades governamentais, a fim de assegurar maior transparência na gestão.
A determinação contida no ordenamento desportivo italiano utiliza o termo “società”, ainda que a constituição jurídica seja por associação civil: “società sportive tule le organizzazioni di tipo associativo che hanno come oggetto l´esercizio e come fine la diffusione e il potenziamento dello sport” (os clubes esportivos são associações de tipo associativo que têm por objeto o exercício e por fim a difusão e o fortalecimento do esporte). No entanto pela tecnicidade jurídica, o termo corresponde às organizações desportivas formadas sob formato societário (sociedade por ações ou por quotas).
A citada condição pretendia a dissolução das entidades de práticas desportivas e a “nomeação de comissões extraordinárias para constituição de sociedades anônimas”. Referida deliberação foi declarada ilegal pela Corte di Cassazione, ante a ausência de previsão legal capaz de legitimar a “autoridade externa para definir a dissolução de pessoas coletivas”.
Até 1981, as organizações desportivas italianas sujeitavam-se à regra geral da lei de falências, resignando-se com divergentes entendimentos judiciais sobre o tema, notadamente no que se refere à homologação dos pactos firmados, conferindo incertezas jurídicas quanto aos interesses patrimoniais dos investidores.
A partir da normatização da sociedade desportiva italiana com a Lei 91/81, e a decorrente regulamentação do assunto, passou-se a restringir às sociedades desportivas a possibilidade de assinar contrato com atletas profissionais, servindo de direcionamento indireto para as entidades adotarem a forma societária. A Lei 91/81, além de aprovar o regime das sociedades desportivas, passou a dispor sobre outros setores da atividade que estas se relacionam, regulamentando o quadro normativo do contrato de trabalho desportivo, medicina desportiva, plano previdenciário, a obrigatoriedade de contratos de seguro de vida em favor ao atleta, tratamentos fiscais e normas sobre as federações.
Citado dispositivo legal, instituiu o “socio mecenate”, figura responsável pelo desenvolvimento da atividade desportiva da sociedade, além de definir como profissional “atleti gli allenatori i direttori tecnico sportivi ed i preparatori atletici” (atletas, treinadores, diretores, técnicos e treinadores), desde que exerçam a “atividade desportiva regular, a título oneroso, de uma modalidade qualificada como profissional pela federação respectiva”.
Até então, a distribuição de lucro obtido com o objeto da sociedade, destinava-se integralmente à atividade desportiva por esta desenvolvida; ao acionista assegurava-se o proporcional correspondente ao valor nominal de sua participação em caso de amortização de ações ou liquidação da sociedade, e, neste último caso, o ativo remanescente seria destinado a um fundo de assistência do Comitê Olímpico Nacional Italiano; a sociedade desportiva submetia-se à interferência da federação, ao obrigar as sociedades desportivas obter a validação dos atos firmados, notadamente os que culminariam em compromissos financeiros (“contratos que originavam débitos sobre a sociedade ou oneravam bens sociais”), através de “parecer prévio do organo di revisione”.
Com a promulgação da Lei 586/96 passou a prever a distribuição de dividendos pelos acionistas, além de estabelecer uma mitigação do controle externo perante as entidades desportivas no tocante a constituição, gestão e dissolução, subsistindo o poder de fiscalizar o equilíbrio financeiro da sociedade desportiva pela federação correspondente, como forma de tutelar o “regular desenvolvimento do campeonato” (Lei 586, art. 12º) e a qualidade da competição.
Ainda, em ajuste legislativo sobre o formato conduzido ao longo de décadas, a Lei de 81 atentou em atribuir a legitimidade da federação para requerer judicialmente a dissolução de uma sociedade desportiva em caso de irregularidade grave verificada na gestão, como observância ao interesse público, sendo consideradas tais “decisões corretivas” uma medida para manter o ideal precípuo da modalidade esportiva.
No decorrer da análise jurídica do regime jurídico de outros países, e o contexto em que as equipes se encontram inseridas, observará a importância do reconhecimento do setor e a frente econômica que este representa, a despeito de todas as suas singularidades que devem ser preservadas nas respectivas legislações, como fundamento de êxito para as entidades desportivas.
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Ref. Bibliográfica:
CANDEIAS, Ricardo. Personalização de Equipa e Transformação de Clube em Sociedade Anónima Desportiva (Contributo para um estudo das sociedades desportivas). Coimbra. Coimbra Editora. 2000.