Por Luiz Otávio de Almeida Lima e Silva
Em 1894, Charles Miller foi o responsável por disseminar o futebol no Brasil. Nesse período, somente participavam das partidas pessoas da alta sociedade, sendo proibida a participação de operários e pessoas economicamente vulneráveis. Os negros, mesmo com abolição da escravidão em 1988, também não eram autorizados a participar dos jogos de futebol.
Com a popularização do futebol no país, algumas equipes passaram a permitir que atletas negros integrassem suas equipes. Para participarem dos jogos, alguns jogadores aplicavam pó-de-arroz sobre os corpos (produto utilizado na época como pós-barba), com o objetivo de camuflar a cor de sua pele.
Se por um lado, o futebol evoluiu enquanto modalidade esportiva, por outro, seus dirigentes, torcedores e outras pessoas envolvidas no ramo seguem reproduzindo o racismo enquanto estrutura de opressão.
Chuteiras leves e que se moldam aos pés, bola com chip, uniformes dry-fit, telões em Led, ingressos vendidos pela internet, estádios ultramodernos, VAR… Nada disso pode ser efetivamente comemorado e enaltecido enquanto ainda tivermos que nos deparar com manifestações racistas no futebol.
Em 2019, diante de episódios repugnantes e após consultar seis confederações de futebol, a FIFA e outras entidades relacionadas ao desporto publicaram, no Código Disciplinar da Entidade, regras específicas para enfrentar o racismo.
Instituiu o órgão máximo do futebol que os árbitros teriam o poder de suspender a partida, caso incidentes racistas fossem presenciados, sendo, inclusive, permitido atribuir-se a derrota ao time infrator. Contudo, tal medida só seria colocada em prática após cumpridas algumas etapas, tais como: solicitar anúncio público para exigir que dito comportamento cesse, suspender o jogo até que essas atitudes parem e, finalmente, encerrar a partida definitivamente.
Recentemente ou de forma muito mais acentuada, estamos presenciando demonstrações explícitas de racismo, principalmente nos países sul-americanos, o que é injustificável e inaceitável. As punições são multas em valores irrelevantes e, quando identificado o infrator, a penalidade aplicada é a proibição em comparecer aos estádios de futebol – situação que dificilmente será fiscalizada pelos órgãos públicos locais.
Nesses últimos 4 (quatro) anos, quantas manifestações de racismo presenciamos nos estádios? Quais medidas foram adotadas pela Confederação Sul-Americana de Futebol (Conmebol) ou pela FIFA? Quantas partidas foram encerradas em razão de insultos racistas que ecoavam pelos estádios?
Nas recentes semanas, as sugestões de punições para casos de racismo no futebol tem sido objeto de discussão, tais como advertência, perda de pontos e até desclassificação do time da competição.
O atual presidente da Confederação Brasileira de Futebol, Ednaldo Rodrigues enviará ofício a Conmebol, solicitando penas mais duras para os casos de racismo, propondo a perda “de pelo menos um ponto” dos times cujos torcedores estiverem envolvidos.
Uma comparação simples e que evidencia a total inconsistência e inadequação da atuação da Conmebol é que, recentemente, apenas enviou uma “carta de repúdio” aos clubes envolvidos em casos de racismo e, por outro lado, aplicou uma multa de R$ 40 mil reais ao clube Atlético Mineiro por descumprir um protocolo de início de partida, simplesmente pelo fato de não adentrar ao campo de forma sincronizada com a equipe adversária.
De todo modo, questionamos: seria possível punir um clube de futebol por manifestações racistas promovidas por terceiros, ainda que seus torcedores? É possível atribuir responsabilidade ao clube por uma falta que não cometeu diretamente?
A discussão é um tanto polêmica e gera inúmeras reflexões por parte dos amantes do futebol. Incontestável é que o futebol é um espelho da sociedade e reflete suas dinâmicas de opressão. Assim, precisamos combater de forma veemente o racismo, não apenas no desporto, mas entendendo que se trata de uma estrutura que, há séculos, reproduz desigualdades.
Uma medida razoável e que poderia ser implementada seria a punição dos torcedores, pelos órgãos públicos dos respectivos países, com prestação compulsória de serviços à comunidade, além de penalidades como a proibição de adentrar aos estádios por um período ou de forma permanente.
Não sendo identificado o torcedor ou sendo ele acobertado pela torcida, deveria o clube disputar o resto da temporada de portões fechados. Essa medida atinge diretamente uma fonte de receita importante do clube, que deixaria de arrecadar valores com a venda de ingressos, e a torcida, que ficaria privada de assistir o time nos estádios. Além disso, podem ser consideradas como medidas punitivas a perda de pontos e até exclusão do campeonato.
Ainda que não sejam os infratores diretos, os clubes têm a obrigação de adotar medidas para combater os casos de racismo no futebol. As sanções aplicadas aos times acabam gerando uma corresponsabilização, que possui efeitos de transformação a longo prazo, tanto na adoção de estratégias antirracistas pelos clubes, quanto pela fiscalização entre os próprios torcedores.
Durante a elaboração deste artigo, que se propõe justamente refletir sobre punições mais rígidas para os casos de racismo no futebol, a Conmebol divulgou, em 09 de maio de 2022, que modificará seu Código Disciplinar, para majorar as multas impostas aos clubes, de R$ 30 mil dólares para R$ 100 mil dólares. Além disso, o clube cujo torcedor cometer atos racistas, poderá disputar as partidas de portões parcialmente ou totalmente fechados.
Não é o suficiente, mas já é um começo. Sigamos atentos e vigilantes na construção de uma sociedade livre do racismo!
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