Nossa maior instância judicial decidiu no julgamento realizado na data de ontem, quinta-feira (10 de março de 2022), pela impossibilidade de abertura de processos por crime previdenciários antes que se tenha uma decisão final em sede administrativa, ou seja, que a discussão tenha sido esgota no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais – CARF.
Insta constar que tal posicionamento já era esperado, tendo em vista que a Procuradoria Geral da União – PGR, por meio da ADI nº 4980, visando a declaração de Inconstitucionalidade do artigo 83 da Lei n° 9.430/1996, que em seu bojo diz que a representação fiscal para fins penais relativa a crimes contra ordem tributária e contra previdência social seria encaminhado para o Ministério Público somente após decisão final da esfera administrativa no tocante a exigência de crédito tributário correspondente.
Art. 83. A representação fiscal para fins penais relativa aos crimes contra a ordem tributária previstos nos arts. 1o e 2o da Lei no 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e aos crimes contra a Previdência Social, previstos nos arts. 168-A e 337-A do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), será encaminhada ao Ministério Público depois de proferida a decisão final, na esfera administrativa, sobre a exigência fiscal do crédito tributário correspondente.
Extrai-se que o dispositivo consagra um dos mais importantes princípios do direito brasileiro, qual seja, o Principio do Contraditório e da Ampla Defesa, posto de forma expressa em nossa Constituição em seu Art. 5º, inciso LV.
“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;”
Defendia a PGR que tal dispositivo além de prejudicar a persecução penal ainda teria o condão de incentivar o cometimento de tal conduta criminosa, alegando ainda que o tipo penal tem natureza formal não sendo necessário aguardar a discussão em sede administrativa.
Embora o argumento da PGR seja pela natureza formal do crime, não podemos esquecer o teor da Súmula Vinculante de nº 24 do Supremo Tribunal Federal (STF), ao afirmar que não configurar crime contra ordem tributária antes do lançamento definitivo do tributo, “Não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no art. 1º, incisos I a IV, da Lei nº 8.137/90, antes do lançamento definitivo do tributo”.
Se o próprio entendimento sumular da Suprema Corte, quando da leitura da Súmula nº 24, vai no sentido de que não se tipifica crime antes do lançamento definitivo do tributo, presume-se que o respectivo lançamento em discussão, por óbvio, não está definitivamente constituído, logo, não devendo ser tipificado como crime.
Entender que o simples não pagamento seria o suficiente para ensejar e amparar uma persecução penal não me parece razoável, ressalta-se ainda que o Direito Penal é tido em nosso ordenamento jurídico sempre que possível como a ultima ratio.
Nos apegando apenas a estes argumentos, ilustrativamente, poderíamos ver o devedor de boa-fé, em discussão administrativa, em dado momento por se sentir coagido acabar pagando para não se vê no risco do responder criminalmente. Cabe lembrar que uma vez o devedor de boa-fé vindo a pagar a respectiva quantia em discussão, saindo vencedor da respectiva celeuma, somente em momento posterior poderia promover uma ação de repetição de indébito tributário, onde certamente teria tal recebimento via precatório, o que já conhecemos tal deficiência no tocante a sua morosidade.
A respectiva responsabilidade dos administradores dos clubes de futebol no Brasil já foi tratada na presente coluna, onde muita das vezes atuando como responsável tributário acaba por não repassar as respectivas cifras retidas na fonte a quem de direito, ensejando tais condutas delitivas.
Fato é que a respectiva decisão trará um pequeno alento, mas que fique claro, a decisão da Suprema Corte não tem o condão descriminalizar qualquer conduta, permanecendo ainda todo bojo no tocante a responsabilidade do gestor desportivo, inclusive para fins penais, o que muda é que tal responsabilização penal só poderá ser aventada após supera a discussão em sede administrativa.
A discussão em relação a regra muda mas a responsabilidade continua !!!
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REFERÊNCIAS
BRASIL. Lei nº 9.430, de 27 de dezembro de 1996. Dispõe sobre a legislação tributária federal, as contribuições para a seguridade social, o processo administrativo de consulta e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9430.htm. Acesso em: 11 de mar. de 2022.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI nº 4980. Direito Tributário. Reconhecimento da inconstitucionalidade do artigo 83 da Lei 9.430/1996. Relator: Relator: Min. Nunes marques, 10 de março de 2022.