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STJ reforça previsão do Estatuto do Torcedor sobre responsabilidade dos clubes mandantes na proteção dos torcedores

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) condenou o São Paulo e a Federação Paulista de Futebol (FPF) a indenizar os torcedores corintianos que alegaram terem sido pisoteados no Morumbi após a disputa do clássico realizado em 15 de fevereiro de 2009. Na decisão, o ministro relator Ricardo Villas Bôas reforçou que o responsável pelo espetáculo deve proteger os consumidores do evento.

“A decisão de fato observa o artigo 17 do Estatuto do Torcedor. Nela, o STJ entendeu que, no caso concreto, houve falha no plano de segurança já que houve um tempo de espera da torcida visitante muito elevado, e em local não apropriado para tal. Entendeu o STJ que esta falha foi responsabilidade do clube mandante”, explica Fernanda Soares, advogada especialista em direito desportivo e colunista do Lei em Campo.

Para Fernanda Soares, é necessário interpretar essa decisão com cautela. “Não entendo que signifique simplesmente a retirada da responsabilidade do Estado em prover a segurança dos cidadãos e colocá-la nas mãos dos clubes mandantes. Prover a segurança do torcedor é algo que depende de um conjunto de ações (antes, durante e depois da partida); este conjunto de ações é realizado por um conjunto de atores. O Estado não pode ser excluído da responsabilidade segurança pública”.

“A responsabilidade e os danos causados aos torcedores é prevista e objetiva no Estatuto do Torcedor, independente da culpa dos clubes. A única forma dos times se livrarem dessa responsabilização é comprovar culpa exclusiva de terceiro. Em casos morais, por exemplo, isso seria complicado, porque não se vê medidas efetivas dos clubes para impedir atos racistas e homofóbicos dentro dos estádios”, afirma Gustavo Lopes, advogado especialista em direito desportivo e colunista do Lei em Campo.

A decisão foi proferida em 30 de agosto de 2022. A corte fundamentou a decisão utilizando o artigo 13 do Estatuto do Torcedor, na qual prevê que “o torcedor tem direito a segurança nos locais onde são realizados os eventos esportivos antes, durante e após a realização das partidas”. Sendo assim, o responsável pelo espetáculo deverá proteger os consumidores do evento.

“Além disso, o artigo 19 da mesma lei prevê a responsabilidade solidária e objetiva ‘pelos prejuízos causados a torcedor que decorram de falhas de segurança’. Ressalta-se, ainda, que essa lei adota, no tocante à responsabilidade, a aplicação subsidiária do Código de Defesa do Consumidor, notadamente dos seus artigos 12 a 14, que tratam da responsabilidade do fornecedor por fato do serviço ou produto que, como se sabe, é aquele vício grave que gera acidentes de consumo, bem como, em seu artigo 3º, equipara a fornecedor a entidade responsável pela organização da competição e a entidade de prática desportiva detentora do mando de jogo. Não há dúvidas, portanto, de que a teoria de responsabilização no caso concreto é de ordem objetiva, ligada ao fato e ao risco da atividade e desprendida da prova da culpa (teoria subjetiva). Por outro lado, a legislação brasileira citada não adota a teoria do risco integral, admitindo, portanto, a isenção da responsabilidade, caso comprovada a culpa exclusiva da vítima ou de terceiro ou a ausência de dano”, declarou Villas Bôas.

Os torcedores indenizados são Antonia Luiza de Paula e Klayton Thiege Bezerra, que receberão R$ 11.798,97 e R$ 6.355,52, respectivamente. Os valores deverão ser corrigidos, além de sofrerem acréscimo de juros de 1% ao mês desde a data da partida.

O Tricolor ingressou com recurso, alegando haver cumprido os requisitos essenciais de segurança e que as confusões ocorreram a partir de uma bomba caseira arremessada do lado externo do estádio. Desse modo, os policiais acharam que os torcedores do Corinthians estavam em conflito e arremessaram mais bombas ocasionando dano ao público que ali estavam.

No entanto, o STJ entendeu que o sistema de segurança falhou por não proteger os torcedores corintianos desse atentado e permitindo que os torcedores são-paulinos arremessassem as bombas cadeiras. Esse entendimento está previsto no artigo 17 do Estatuto do Torcedor.

Art17. É direito do torcedor a implementação de planos de ação referentes a segurança, transporte e contingências que possam ocorrer durante a realização de eventos esportivos.

§ 1º Os planos de ação de que trata o caput serão elaborados pela entidade responsável pela organização da competição, com a participação das entidades de prática desportiva que a disputarão e dos órgãos responsáveis pela segurança pública, transporte e demais contingências que possam ocorrer, das localidades em que se realizarão as partidas da competição”

Dessa maneira, a corte entendeu que não bastava apenas o São Paulo convocar os policiais militares, eles também deveriam agir e atuar na segurança dos torcedores presentes.

Essa não é a primeira vez que um clube brasileiro é condenado por não garantir segurança no estádio. Em 2020, o Flamengo sofreu condenação pelo mesmo motivo. A partida em questão ocorreu em 2016, em Brasília, quando o Rubro-Negro enfrentou o Palmeiras. Na ocasião, membros de torcidas organizadas dos dois times entraram em confronto dentro do Estádio Mané Garrincha.

Isso reforça a tesa que os tribunais estão decidindo que há responsabilidade dos clubes em falta de segurança que possa ocasionar dano aos torcedores presentes.

Por fim, podemos concluir que essa decisão do STJ abre um importante precedente de que todas as atividades lesivas aos espectadores em eventos esportivos deverão ser indenizadas pelos responsáveis pelo espetáculo e pelas entidades que administram o local.

O acórdão do caso pode ser consultado aqui.

Crédito imagem: STJ

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