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Stock Car, Justiça Desportiva e acesso ao Poder Judiciário

Na semana da última etapa do campeonato de Stock Car 2020, o piloto Gabriel Casagrande – então postulante ao título – testou positivo para Covid-19. Mesmo tendo obtido resultado negativo em novo exame realizado poucos dias depois (e ainda antes da data da corrida), sua participação na prova foi vetada pela direção médica do evento.

Diante dessa decisão, o atleta impetrou mandado de garantia junto ao Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD) do Automobilismo, com pedido de liminar visando autorização para disputar o certame. O pleito liminar foi indeferido pelo relator do processo sob o fundamento de que “não havia como se contestar a orientação do médico da CBA, por absoluta incompetência para tanto, especialmente em se tratando de uma pandemia de Covid19”. Irresignado, o piloto imediatamente propôs ação judicial, por meio da qual requereu a concessão de tutela de urgência consistente em autorização judicial para que participasse da corrida.

Para que se tenha clareza do cenário que então se formou: perante a negativa da Justiça Desportiva em sede liminar, buscou-se um novo pleito liminar junto ao Poder Judiciário. Ocorre que, conforme preconiza o art. 217, §1º da Constituição Federal, o Poder Judiciário somente pode admitir “ações relativas à disciplina e às competições desportivas após esgotarem-se as instâncias da justiça desportiva”.

O caso em tela notoriamente atrai a competência da Justiça Desportiva, visto que trata das condições de participação de um atleta em competição esportiva (não sem razão, a primeira medida adotada pelo piloto foi justamente diante do STJD). Nesse sentido, impõe-se a observância do dispositivo constitucional supracitado, pelo que seria de se esperar que a ação judicial proposta fosse inadmitida de plano – visto que, embora se tenha acionado primeiramente o STJD, o indeferimento da liminar pelo relator daquele processo não configura o esgotamento das instâncias da Justiça Desportiva.

Contudo, não foi o que aconteceu. A decisão interlocutória que apreciou o pedido de tutela de urgência no processo judicial considerou atendida essa condição para o processamento da ação estabelecida pelo art. 217, §1º da Carta Magna: “No caso dos autos, como já houve decisão do Superior Tribunal de Justiça Desportiva (fls. 40/44), passo à apreciação do pedido de tutela de urgência”. Admitida a ação, analisou-se o mérito do pleito liminar, que restou indeferido.

O indeferimento fundou-se sobretudo na dúvida causada pela existência de resultados diversos nos exames realizados. Segunda a juíza que proferiu a decisão, “havendo dúvida, deve prevalecer o interesse da coletividade em detrimento do interesse individual do autor da ação de participar da competição”. Na mesma linha, asseverou a magistrada que “é razoável que haja o isolamento do autor que já testou positivo dentro do limite temporal fixado pelo regulamento como forma de preservar a saúde dos demais presentes no certame, bem como a sociedade como um todo”, devendo “prevalecer o entendimento da equipe médica responsável pelo evento, a qual detém conhecimento técnico a respeito do tema”.

A decisão proferida em primeira instância foi objeto de agravo de instrumento – mais uma vez, sem sucesso na tentativa de obtenção da tutela de urgência pretendida. Sem sequer tangenciar a admissibilidade da ação, o relator do recurso indeferiu o pedido liminar também aduzindo que “diante do risco concreto de contaminação, prevalece o direito da coletividade em detrimento das garantias individuais do recorrente”. E, de forma curiosa, chegou inclusive a traçar um paralelo com a Fórmula 1, lembrando que Lewis Hamilton fora “impedido de participar do ‘GP de Sakhir’ por ter testado positivo para a ‘covid 19’”.

Todas essas três decisões rejeitando os pedidos do piloto (uma no âmbito da Justiça Desportiva e as outras duas no âmbito do Poder Judiciário) foram proferidas em menos de 24 horas. No entanto, meses depois, ainda há disputas nos tribunais quanto ao caso – e não apenas pelo fato de o processo judicial seguir seu curso, ainda sem sentença. E disso trataremos na próxima semana, abordando um novo processo que tramita no STJD do Automobilismo em decorrência das medidas judiciais adotadas pelo atleta. Até lá!

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