A temporada 2020 da Stock Car chega aos seus últimos capítulos com uma intensa disputa pelo campeonato: 11 (isso mesmo, onze!) pilotos disputarão a última etapa no próximo domingo, em Interlagos, com chances matemáticas de título. Numa competição que pode ser decidida nos detalhes, a 11ª etapa, havida em Goiânia, exibiu grandes duelos entre os competidores na pista, inclusive com incidentes que ensejaram punições a alguns pilotos na primeira das duas corridas.
Allam Khodair foi advertido; Bruno Baptista foi penalizado com um drive-through; Ricardo Maurício teve 5 segundos acrescidos ao seu tempo de prova; e ao tempo de Julio Campos foram acrescidos 20 segundos. As duas primeiras sanções curiosamente tiveram como origem uma disputa pela liderança da prova; as duas últimas provocaram alteração no resultado final da corrida, com os respectivos pilotos perdendo posições em função dos acréscimos de tempo. Em outras palavras, a penalização de competidores pode modificar substancialmente os rumos de uma prova ou mesmo de um campeonato.
Esse é o tamanho da responsabilidade dos comissários desportivos, a quem a regra 15 do Regulamento Desportivo 2020 do Campeonato Brasileiro de Stock Car atribui a competência de julgar atitudes antidesportivas. Vale ressaltar que, segundo informado no resultado oficial do evento, das quatro punições aplicadas na 11ª etapa, apenas aquela direcionada ao piloto Julio Campos não teve como fundamento atitude antidesportiva; tratou-se de sobreposição no pit stop, regulada pelo art. 5.20 do mesmo Regulamento (“não será permitido sair da faixa de trabalho para a faixa rápida se neste momento já existir uma sobreposição com outro carro na faixa rápida”).
Nos termos do art. 83 do Código Desportivo do Automobilismo, os comissários desportivos devem julgar “os atos e fatos desportivos e técnicos” no evento, podendo se valer de diferentes meios de prova para tanto. Numa categoria como a Stock Car, em que há câmeras na pista e on board para a transmissão do evento, os vídeos assumem fundamental importância na avaliação dos fatos, sem prejuízo da possibilidade de se tomar depoimentos dos envolvidos e/ou dos oficiais de competição antes de proferir a decisão.
Evidentemente, as deliberações sobre determinados casos requerem a interpretação dos fatos ocorridos. Em outras palavras, nem todos os incidentes são tão claros e objetivos quanto, por exemplo, um caso de excesso de velocidade no pit lane; boa parte deles demanda a análise da conduta dos envolvidos e a interpretação acerca de eventual culpa, e pode gerar diferentes entendimentos. Nesse sentido, pode-se traçar um paralelo em relação ao árbitro de futebol, que também se vê continuamente diante de lances interpretativos – muitos dos quais são temas das mesas redondas no dia seguinte.
No entanto, os comissários atuam como um colegiado e decidem por maioria dos votos (cabendo ao presidente do colegiado eventual voto de desempate). Portanto, ao contrário do futebol, que centraliza no árbitro principal o poder de decisão individual, o Código Desportivo do Automobilismo determina que as deliberações dos comissários desportivos sejam tomadas de forma coletiva.
Isso não impede, evidentemente, que os envolvidos fiquem insatisfeitos com a decisão tomada pelos comissários. Por isso, o art. 12.2 do Regulamento Desportivo da Stock Car e o art. 156 (e seguintes) do Código Desportivo do Automobilismo asseguram aos pilotos e às equipes o direito de recorrer, por escrito, da penalização aplicada. O recurso deve ser dirigido aos próprios comissários e apresentado até 30 (trinta) minutos após a notificação da decisão. Contudo, nem toda punição é recorrível nesses termos: o art. 160 lista as hipóteses nas quais o recurso é inadmissível, incluindo a pena de drive-through (aplicada ao piloto Bruno Baptista na 11ª etapa).
Mas não se esgotam aí as possibilidades recursais. Em linha com o preconizado na Lei Pelé e no Código Brasileiro de Justiça Desportiva, o Código Desportivo do Automobilismo reconhece a jurisdição da Justiça Desportiva para apreciar recursos contra decisões dos comissários desportivos. Não obstante, estabelece como condições para tanto que o recorrente (i) notifique os comissários desportivos, no curto prazo de uma hora, de sua intenção de recorrer, e (ii) no mesmo ato, efetue o pagamento de 30% (trinta por cento) da taxa recursal.
Assim, ainda que a corrida termine, é possível que seu resultado (e mesmo o do campeonato!) venha a ser alterado em caso de sucesso do recorrente em seu pleito diante da Justiça Desportiva (por exemplo, excluindo-se uma penalidade de acréscimo de tempo, o que permite a readequação da classificação final da prova). Daí a importância de se conhecer o direito ao recurso e seus respectivos trâmites, bem como os procedimentos do Superior Tribunal de Justiça Desportiva – e disso trataremos em outro texto.