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Sucessivos contratos de trabalho não geram unicidade contratual

Em julgamento ocorrido no final do ano de 2020, a SBDI-I do Tribunal Superior do Trabalho, órgão responsável pela uniformização da jurisprudência trabalhista no Brasil, afirmou que sucessivos contratos por prazo determinado não configuram unicidade contratual[1].

Com efeito, o contrato de trabalho do atleta profissional possui características especiais e por esta razão deve ser interpretado à luz da legislação desportiva, tendo em vista que a legislação trabalhista não contempla tais especificidades.

O “Caso Bosman” – que recentemente completou 25 anos – inspirou sobremaneira a Lei Pelé (Lei n.º 9.615/98), que assegurou a plena liberdade profissional ao atleta ao romper com o sistema anterior que se desenvolvia sob o sistema do “passe”.

Na obra Direito do Desporto Profissional, Ed. Almedina, p. 15, assevera o professor J.J. Gomes Canotilho que o “Caso Bosman” oportunizou uma profunda suspensão reflexiva em torno dos problemas de qualificação jurídica ao nível das normas jurídico-contratuais do trabalho, na medida em que, antes deste episódio o contrato do atleta não era reconhecido nem como um contrato de trabalho e nem como um contrato de emprego.

Nos dias atuais não há dúvidas de que o contrato do atleta é um contrato de trabalho, estabelecido com a agremiação esportiva na qual está vinculado, havendo estipulação legal de duração deste contrato, cuja previsão encontra-se no artigo 30 da Lei Pelé.

Nota-se, portanto, a estipulação de um período mínimo e de um período máximo de duração do contrato de trabalho do atleta, com previsão expressa de não aplicação dos arts. 445 e 451 da CLT, o que a princípio pode parecer redundante, pois se trata de lei especial e que prevê prazo de duração maior do que o estipulado na CLT. Todavia, é importante a afirmação legal para demonstrar a autoridade e supremacia da lei especial em detrimento da CLT que é aplicada ao trabalhador comum.

As características dessa relação de emprego justificam a existência de um contrato por prazo determinado, assegurando vantagens tanto para o clube quanto para o atleta. O clube saberá que o atleta não irá se desligar no meio do campeonato (poderá fazê-lo se pagar a cláusula indenizatória), enquanto que o atleta não permanecerá vinculado eternamente com o mesmo clube, salvo se assim o desejar.

O cerne da questão em saber a situação daquele jogador que, findo o contrato de trabalho, assina novo contrato de trabalho com a mesma agremiação esportiva.

Neste caso, para efeito de contagem de marco inicial de prescrição, haveria um único contrato ou contratos distintos?

No livro Manual de Direito do Trabalho Desportivo[2], explico que a jurisprudência do TST oscilou até o ano de 2016, quando do julgamento do recurso de Embargos do Cruzeiro Vs. Marquinhos Paraná, sendo que à época prevalecia o entendimento no qual o artigo 30 da Lei Pelé não vedava o reconhecimento da unicidade contratual em casos de contratos de trabalho sucessivos, mas tão somente em relação à impossibilidade de transformação desses contratos por prazo determinado em contrato por prazo indeterminado.

No julgamento do Recurso de Revista n.º 1571-50.2012.5.04.0001, esta foi a tese prevalecente, tendo sido consignado que o primeiro contrato de trabalho foi sucedido por outro no mesmo dia em que foi rescindido, permanecendo a vinculação das partes de forma ininterrupta no período compreendido entre 10/7/2008 a 5/1/2011, prazo inferior ao máximo de cinco anos autorizado pela lei especial.

Contudo, leitura atenta do art. 30 da Lei Pelé demonstra que é assegurada a autonomia de cada contrato de trabalho. Outrossim, não há como se aplicar a disposição contida no artigo 453 da CLT ao atleta profissional, em razão de manifesta incompatibilidade com a Lex Desportiva.

Findo o primeiro contrato de trabalho, em tese, o jogador está livre para assinar com o clube de sua preferência. Manifestada a opção por assinar novo contrato com o mesmo clube, tal circunstância se deu porque o jogador entendeu que seria mais proveitosa para ele.

Por fim, nada impede que o jogador de futebol firme novo contrato de trabalho com o mesmo clube ao qual estava vinculado (vide exemplo do jogador Rogério Ceni, ex-atleta do São Paulo). Todavia, se o jogador se julga credor de determinada verba trabalhista, deve ajuizar a competente ação judicial, dentro do prazo previsto no art. 7º, XXIX, ou seja, dentro do período de dois anos após a ruptura do contrato de trabalho.

E nem se diga que tal fato poderá inibir o ajuizamento de demanda trabalhista em face de seu atual – e ao mesmo tempo antigo – empregador.

Repita-se, o atleta profissional não é um trabalhador comum e como tal não pode ser tratado.

O ajuizamento de processo trabalhista contra o clube não importará necessariamente em represália ou rescisão do contrato por iniciativa do empregador, pois tal fato, na maioria das vezes é danoso para o próprio clube, que correrá o risco de não mais contar com aquele atleta.

O que não pode ocorrer é uma presunção de fraude a ensejar a aplicação da unicidade contratual quando a Lex Desportiva fala expressamente em autonomia dos contratos de trabalho.

Desta forma, a prescrição aplicável será a bienal e terá o seu termo inicial contado a partir da extinção de cada contrato de trabalho desportivo, pois, nada obstante os contratos serem firmados sucessivamente, os pactos são autônomos.

Tal situação demonstra que em razão das especificidades que envolvem o contrato especial de trabalho desportivo, não há como se aplicar os princípios de direito do trabalho inerentes ao trabalhador comum. A própria Lei Pelé contempla esta assertiva ao estabelecer no parágrafo 4º do artigo 28 que ao atleta profissional aplicam-se as normas gerais da legislação trabalhista e da Seguridade Social, ressalvadas as peculiaridades constantes na Lei 9.615/98.

……….

[1] A decisão foi proferida nos autos do E-RR 2212-36.2012.5.18.0005, em que são partes o Atlético Clube Goianiense e Francisco Gomes de Andrade Júnior, mais conhecido como “Chiquinho Baiano” e teve como relator o Ministro Breno Medeiros.

[2] VEIGA, Mauricio de Figueiredo Corrêa da. Manual de Direito do Trabalho Desportivo, 3ªedição – LTr 2020. p. 235.

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