O futebol europeu escreveu uma nova página de sua história neste domingo (19). Após meses de rumores, a Superliga Europeia enfim saiu do papel e foi oficializada. Sob comando de Florentino Pérez, atual presidente do Real Madrid, a competição certamente aumentará a guerra entre grandes clubes e a Uefa e a Fifa, além de trazer diversos impactos econômicos.
“Em qualquer campo, a entrada de um novo concorrente e que, nesse caso, já nasce com tanto peso, tende a transformar o mercado. Na natação e na patinação de velocidade o surgimento de competições concorrentes foram, em princípio, benéficas para o expectador e os atletas. No caso do futebol, algumas das queixas que motivaram a criação de ligas concorrentes na natação e na patinação não estão presentes. Provavelmente nenhum dos jogadores dos doze clubes envolvidos na Superliga possa dizer que compete pouco, que tem pouca visibilidade, ou mesmo que ganhem baixos salários”, afirma Tiago Gomes, advogado especialista em direito comercial.
Para Brice Beaumont, advogado especialista em direito esportivo na França, a criação da competição poderá trazer impactos econômicos negativos: “haveria uma provável queda de audiência dos campeonatos em cada país. O espectador europeu não vai assistir mais jogos do que o habitual, já que as estatísticas mostram que a maioria não vai mudar a quantidade de jogos assistido por semana. A tendência é que ele mude seus hábitos, privilegiando a Superliga, em demérito dos campeonatos de cada país. Os clubes que querem criar a liga estão cientes disso”.
“Também terá um risco de evasão dos grandes patrocinadores nos campeonatos locais para essa Superliga, seguindo a tendência das audiências. Sendo assim somente com patrocínios menores ficando no nível nacional, haverá uma redução na arrecadação dos clubes menores. Politicamente, se essa competição realmente viesse a existir, seria um sinal que a FIFA e a UEFA não são tão poderosas e que uma união de grandes clubes pode coloca-las em grande dificuldade”, completa Brice.
Os 12 clubes que concordaram com a criação da Superliga Europeia e que a tornaram oficial são: Manchester United, Liverpool, Manchester City, Arsenal, Chelsea, Tottenham, Barcelona, Real Madrid, Atlético de Madrid, Inter de Milão, Milan e Juventus. Outros três clubes deverão ser anunciados em breve. A princípio, a primeira edição da competição não contará com equipes francesas, alemãs e holandesas que preferem ficar próximas das posições da Uefa.
Os primeiros detalhes divulgados apontam que a Superliga Europeia contará com 20 clubes (com 15 membros fixos) divididos em 2 grupos de 10 times. Há também o desejo de se criar a competição na modalidade feminina.
“Sobretudo no caso das ligas espanhola e italiana, talvez a queixa seja a de que que competem contra concorrentes de nível muito inferior e isso torna o espetáculo menos atraente. Seja o que for, é provável que as ligas tradicionais se movam para entender o que está gerando insatisfação e tentem, de alguma forma, se adequar a isso. Por outro lado, há um risco de acentuar ainda mais o abismo financeiro e técnico que já existe entre esses 12 clubes, além de PSG e Bayern – que se opõem à criação da liga – e o resto do mundo”, avalia Tiago Gomes.
Nesta segunda-feira (19), a Uefa provavelmente deve anunciar uma grande reforma na Champions League justamente após os clubes manifestaram o desejo de se criar uma Superliga Europeia. As mudanças serviriam como uma resposta às intenções da criação da nova competição. Entre as novidades, estariam o aumento do número de times participantes, de 32 para 36, e o maior valor econômico conquistado para cada equipe.
Diante dos rumores sobre a oficialização da Superliga, a Uefa divulgou ainda neste domingo (18), um comunicado em conjunto com federações e ligas da Inglaterra, Espanha e Itália para reafirmar que os clubes que tentarem viabilizar a criação da competição serão excluídos de torneios com aval da confederação europeia. A entidade também disse que “o projeto se baseia no interesse de alguns clubes em um momento em que a sociedade precisa mais do que nunca de solidariedade”.
No dia 21 de janeiro, a Fifa se manifestou pela primeira vez sobre as especulações. Em nota, a entidade que comanda o futebol mundial criticou a ideia dos clubes e deixou claro que não reconhecerá a criação do novo campeonato.
“À luz das recentes especulações da imprensa sobre a criação de uma ‘Superliga’ Europeia por parte de alguns clubes europeus, a Fifa e as seis confederações gostariam de reiterar e enfatizar, mais uma vez, que tal competição não será reconhecida pela Fifa nem pelas suas seis confederações”, disse a Fifa em conjunto com as seis principais confederações do futebol europeu.
A entidade também afirmou que “qualquer clube ou jogador envolvido em tal competição estariam, consequentemente, proibidos de participar em qualquer competição organizada pela Fifa ou suas respectivas confederações”.
O Lei em Campo já contou como a união de clubes poderosos ameaça o monopólio da Fifa e que juridicamente a criação de uma nova competição é possível.
Apesar da resistência, o projeto da Superliga é juridicamente autorizado. Isso porque, em 2018, o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJCE) deu ganho de causa a dois patinadores, Mark Tuitert e Niels Kerstholt, que pleiteavam a participação em competições não oficiais, apesar da proibição da União Internacional de Patinagem (ISU).
Tiago Gomes explica que “a exclusão e eventuais punições a atletas e clubes tende a ser considerada nula e abusiva, e sujeitar quem as aplicar a punições econômicas bastante severas”.
“Sob uma perspectiva de direito concorrencial, eventuais medidas da FIFA, UEFA e Federações Nacionais tendem a seguir o mesmo destino do precedente da ISU, no qual a autoridade concorrencial europeia entendeu que havia um abuso de posição dominante na imposição de sanções a atletas que participassem de competições concorrentes”, completa o advogado.
Andrei Kampff, jornalista e advogado especializado em direito desportivo, já escreveu no Lei em Campo sobre o entendimento inédito de que as regras adotadas por uma federação esportiva violam o direito da concorrência da União Europeia.
“A decisão diz respeito a federação de patinação, mas assustou os gigantes FIFA e Comitê Olímpico Internacional. Eles também têm regras rígidas de elegibilidade, dentro da cadeia associativa do esporte, chamada Ein Platz Prinzip”, esclarece Andrei.
“O caso da Superliga é um pouco diferente, porém, a lógica jurídica é a mesma. Há na Europa uma livre concorrência que não justifica o monopólio das federações internacionais em termos de organização de eventos”, completa Brice Beaumont.
Para tirar o projeto do papel é importante uma grande adesão. No momento atual, parece que ela existe, e que por conta disso, a Superliga segue como uma ameaça para a Fifa.
“A ideia da competição é uma ferramenta utilizada pelos clubes para negociar com a UEFA mais garantias ou benefícios. Talvez todos os envolvidos hoje irão para uma terceira opção, uma liga semifechada, que já seria mais vantajosa”, acrescenta Beaumont.
“O esporte é transnacional, mas não independente. O que garante a estabilidade jurídica dele é a adesão de todos os participantes dessa cadeia às regras determinadas pelas entidades esportivas. Com o se fosse um contrato de adesão. Quando a entidade não entende o que o movimento esportivo quer, ele corre um risco e sofre irritações. As pessoas (atletas) sempre estão livres a procurar a Justiça. No Brasil este direito é assegurado pelo artigo 5º da Constituição Federal. E se a Justiça entender que eles têm razão, o sistema jurídico do movimento esportivo sofre um baque gigante. E precisa ser revisto”, finaliza Andrei Kampff.
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