A mídia noticia provável manipulação de resultados no campeonato cearense de futebol profissional – série A 2022. Essa não a primeira vez que há investigação de corrupção na competição futebolística do Ceará envolvendo venda e compra de resultados associadas a sites de apostas.
Há aproximadamento dois anos o clube central de apuração, seus dirigentes e jogadores era o Barbalha Futebol Clube, que todos sabem como terminou. O Barbalha hoje nem se encontra na série A do campeonato cearense de futebol. Atulamente, a persecução da esfera penal e desportiva recai sobre o clube do Crato Esporte Clube, seus dirigentes e jogadores.
Desta vez, o mais estarrecedor foi o pedido liminar de suspensão do Crato Esporte Clube do campeonato cearense pela própria Federação Cearense de Futebol (FCF) que também requereu abertura de inquérito no Tribunal de Justiça Desportiva do Futebol local (TJDFCE) para persecução de indícios de autoria e materialidade das infrações de venda e compra de resultados.
Ressalte-se que, os indícios de autoria e materialidade de condutas antidesportivas já foram confirmadas pela própria concessão liminar da presidência do TJDFCE em medida inominada, pois com tal decisão se atestou nos termos do art. 119, caput, do Código Brasileito de Justiça Desportiva (CBJD), a verossimilhança das alegações e o fundado receio de dano irreparável.
Além de tais medidas jurídico-desportivas perante a Justiça Desportiva do Futebol cearense, a FCF enviou documentos para investigação criminal do Ministério Público local e pertinentes aos processos no TJDFCE a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) a viabilizar perquirições em seu Tribunal de Ética.
O receio a respeito de prováveis corrupções abrangendo manipulações de resultados por associação do Crato Esporte Clube com apostas e cassinos on line é tanta, que na última quinta-feira (17 de fevereiro de 2022) o presidente do TJDFCE e os diretores jurídicos da FCF realizaram uma entrevista coletiva em canal da entidade reafirmando a concessão liminar, a suspensão da entidade de prática desportiva investigada e todos os detalhes relatados até o momento neste texto.
Os resultados dos jogos envolvendo o Crato Esporte Clube com fortes indícios de corrupção, manipulação de resultados são:
- Caucaia 3 x 1 Crato;
- Iguatu 7 x 0 Crato;
- Ferroviário 4 x 0 Crato;
- Crato 0 x 2 Atlético-CE;
- Caucaia 3 x 1 Crato;
- Atlético-CE 9 x 2 Crato.
Como se verifica há dois resultados bastante incomuns entre os seis acima, com uma quantidade de gols extremamente elevadas para competições profissionais atuais, sem contar com um outro de 4×0 que nesta fase do cearense em que os times se equivalem muito, também se torna raro.
Antes de uma abordagem jurídica mais detida sobre o caso, assevere-se que este colunista não tem acesso aos processos em tramitação no TJDFCE, nem aos documentos remetidos ao Núcleo de Defesa do Torcedor (NUDTOR) vinculado ao Ministério Público do Estado do Ceará (MPCE) e nem aos que foram encaminhados a CBF. Esta breve exposição se baseia na entrevista do presidente do TJDFCE e dos diretores jurídicos da FCF mencionada alhures e nas notícias jornalísticas.
Primacialmente, o art. 48, § 2o da Lei n. 9.615/98 (Lei Pelé) ao prever que as sanções de “suspensão”, “desfiliação” ou “desvinculação” somente serão aplicadas após “decisão definitiva” da Justiça Desportiva, se refere a uma decisão precária ou final que seja tomada exclusivamente pelos Tribunais Desportivos, o que possibilita a existência no processo desportivo da simples homologação de decisão administrativa das entidades desportivas (art. 111, § 1°, do CBJD), movimentação de medidas inominadas liminares (art. 119, caput, do CBJD) e liminares em mandado de garantia (arts. 88 e 93 do CBJD). Portanto, a concessão de liminar da presidência do TJDFCE no caso em pauta é juridicamente válida e consistente.
Em relação a abertura de inquérito requerida pela FCF no TJDFCE, compreende-se interessante para a formação de acervo probatório a ensejar uma futura denúncia da Procuradoria de Justiça Desportiva.
Entretanto, como a própria presidência do TJDFCE já concedeu liminar suspendendo o Crato Esporte Clube da competição, ocorreu uma avaliação de mérito, ainda que precária, sobre haver indícios de autoria e infração desportiva. Então, entende-se que seria mais célere remeter a medida inominada com todos os documentos a Procuradoria Geral do TJDFCE para complementar provas com requisições e iniciar a análise do intento de denúncia. Dessa forma o processo desportivo tramitaria de maneira muito mais célere, bem como coerente aos fatos já perquiridos até o momento (arts. 21, I, III, IV, 73, 74, 80, do CBJD).
Recorde-se que a persecução da Procuradoria de Justiça Desportiva seria facilitada por um conjunto de provas que a mídia e os próprios terceiros interessados (clubes adversários) já possuem, podendo os Procuradores requisitarem tais documentos e avaliarem mais celeremente se proporiam uma denúncia desportiva em paralelo a medida inominada movimentada pela FCF.
Em derredor do mérito na concessão liminar da medidade inominada, acertadamente ela pode se fundamentar no art. 111, § 1o, do CBJD aplicando subsidiariamente os arts. 1o, 3o, 56, § 2o, do Regulamento Geral de Competições (RGC) da CBF, que permite a sanção de “exclusão da competição”, aplicada liminarmente neste momento significa praticamente uma suspensão por se estar na última rodada (jogo Crato x Ferroviário).
Ressalve-se, o art. 49 do Regulamento Geral de Competições (RGC) da FCF normatiza como conduta ilícita a manipulação de resultado, mas desafortunadamente não prescreve nenhuma sanção, e o Regulamento Específico da Competição Campeonato Cearense da Série A 2022 (REC) sequer dispõe sobre manipulação, corrupção de resultados, devendo-se incidir subsdiariamente o art. 56, § 2o, por via do art. 3o do RGC/CBF, sustentador da sanção de exclusão de competições.
Outra via que fundamenta a decisão liminar inominada em tela é a aplicação conjugada dos arts. 191 e 239 do CBJD pelo descumprimento dos regulamentos federativos com interesses escusos, que tipificam apenações de multa cumulada com suspensão.
Vale destacar, há um dissenso jurisprudencial sobre a possibilidade de aplicação “das infrações contra a ética desportiva” do CBJD às pessoas jurídicas (clubes), decisão do pleno do TJDFSP de 2020 sancionou o clube Paulista em suspensão por participação em manipulação de resultados no cameponato paulista. Todavia, em grau recursal do mesmo processo, o pleno do STJD do Futebol decidiu ser inaplicável o dispositivo 239 do CBJD ao denunciado, sendo possível apenas o art. 191 do CBJD, procedendo a manutenção da multa decidida pelo Tribunal Desportivo paulista a quo.
Os dirigentes que porventura sejam partícipes de manipulação de resultados estão sujeitos as severas sanções dos arts. 238, 239, 241, 242, que dentre as suas tipificações, preveem a apenação de elimnação na reincidência.
Os jogadores, treinadores, médicos, demais membros de comissão técnica que possam ter relação de coautoria no caso sub judice são submetidos às tipificações do art. 243-A do CBJD, garantidor da sanção de eliminação na reincidência, e se restar provada a manipulação de resultado pretendido, o TJDFCE pode anular a partida.
A equipe de arbitragem, incluindo os árbitros de vídeo (VAR), se forem coautores das infrações expostas anteriormente, podem ser sancionados em multa e eliminação se reincidentes (art. 241, II, do CBJD), com a consequente anulação da partida se o resultado for manipulado a partir das intervenções da arbitragem (art. 259, § 1o, do CBJD). Existiu um exemplo histórico no Brasil: caso de um árbitro que auxiliou na manipulação de resultados do campeonato brasileiro da série A, réu confesso, causando anulação de várias partidas da competição na época.
Nada impediria os terceiros interessados (clubes, jogadores, membros de comissão técnica, dirigentes, etc.), que tenham disputado as partidas contra os corrompidos, a movimentação da “ação de impugnação de partida, prova ou equivalente”, observado-se o seu prazo decadencial de dois (2) dias após a entrada da súmula das partidas na federação (arts. 84 a 87 do CBJD).
Todos os clubes participantes da competição que tenham jogado contra o suposto clube corrompido, prejudicados ou beneficiados, são considerados terceiros interessados, legitimados a ingressarem em processos iniciados por meio da intervenção de terceiro (art. 55 do CBJD), a promoverem procedimentos especiais cabíveis ou a apresentarem notícia delito esportiva (notitia delicti sportive) que podem iniciar processos pela Procuradoria Desportiva perante o TJDFCE (arts. 74 e 80 do CBJD).
O disposto no parágrafo anterior, se motiva pelos atos de corrupção afrontarem os princípios básicos da atividade desportiva profissional, a incerteza dos resultados (pureza dos resultados) e o equilíbrio competitivo (par conditio, igualdade de condições na disputas competitivas), que devem ser rigidamente acautelados (princípio da preservação das competições desportivas), ou seja, a competição deve sempre ser protegida, a menos que cause reflexos extremamente corrosivos aos direitos humanos fundamentais dos jogadores, profissionais do esporte, clubes, etc., mas não é o caso.
Por fim, tal principiologia do Direito Material Desportivo reproduz no Direito Processual Desportivo o princípo da prevalência, continuidade e estabilidade das competições (pro competitione) previsto no art. 2o, XVII, do CBJD, sendo copletamente maculada a competição se o seu resultado parcial ou total sofre intervenção ilegal daqueles que não são atores legítimos do evento esportivo (jogadores, membros de comissão técnica, e indiretamente dentro das suas funções legais os dirigentes e clubes).
Crédito imagem: Crato
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