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Talibã silencia mulheres e autoriza apedrejamento. Mundo e esporte se calam

Há três anos o Talibã voltou a controlar o Afeganistão. O que todos apostavam acabou se confirmando. A proteção de direitos humanos tem sido a principal vítima do regime, em especial contra as mulheres. Elas foram obrigadas a deixar empregos, salas de aula e o ambiente esportivo. Nesse cenário, o esporte também tem uma missão a cumprir.

O esporte tem um papel social importante, reconhecido inclusive pela Organização das Nações Unidas. Nessa hora em que direitos universais não são respeitados, o movimento esportivo precisa se posicionar de maneira firme.

Desde a volta do Talibã, as atletas do país estão perdendo também a esperança. Depois que o grupo assumiu o controle do Afeganistão em agosto do ano passado, o ministro do Esporte proibiu as mulheres de praticarem qualquer tipo de esporte que exponha seus corpos.

E mais, no último mês o governo tornou a vida das mulheres ainda mais difícil e perigosa. Agora, é exigido delas até o silêncio.

Novas leis e silêncio global

Na lei anunciada em agosto pelo ministro afegão da Promoção da Virtude e Prevenção do Vício, contam-se 114 páginas com 35 artigos que dão o enquadramento legislativo ao que já tem vindo a ser a prática implementada pelo regime desde o regresso ao poder em 2021.

As leis preveem penas de multas ou mesmo de prisão para quem as infringir e o artigo dedicado às mulheres torna obrigatório o uso do véu integral fora de casa, enfatizando que o rosto deve estar sempre coberto para evitar a tentação alheia. As roupas não poderão ser finas, apertadas ou curtas. Mas as regras vão para além do vestuário ao considerar a voz feminina como uma parte íntima e que por isso também deve ser ocultada.

Assim, as mulheres não devem ser ouvidas a cantar, recitar ou ler em voz alta em público. E também não podem olhar para nenhum homem com quem não tenham laços de sangue ou casamento, e vice-versa.

Grupos de direitos humanos afirmaram que a retomada do apedrejamento público de mulheres até a morte foi possibilitado pelo silêncio da comunidade internacional.

Safia Arefi, advogada e líder da organização afegã de direitos humanos Women’s Window of Hope, expressou que esse anúncio condena as mulheres afegãs a reviver os dias mais sombrios do governo talibã na década de 1990.

“Ao proferir este anúncio, o líder talibã abre um novo capítulo de punições privadas, e as mulheres afegãs estão enfrentando as profundezas da solidão”, disse Arefi, segundo o portal The Guardian.

Todas as mulheres atletas estão sofrendo.

No futebol, no vôlei em todos os esportes

“Eu sabia que se ficasse, o Talibã iria me encontrar, me bater e me queimar vivo. Então, pensei que se eu fosse morta por uma bala ou fosse esmagada no aeroporto enquanto esperava para escapar do país, seria mais fácil morte.”

Esse é o devastador relato do Nilofar à revista alemã DW em 2022. O crime dela, jogar futebol e incentivar outras garotas a praticar o esporte. Por causa disso, foi perseguida pelo novo governo afegão.

“Todo ser humano deve ser capaz de realizar essas atividades”, disse Nilofar à DW. “É um direito humano, mas o Talibã não aceita as mulheres como seres humanos.”

Nilofar teva a sorte que muitas não tiveram. Conseguiu fugir junto com 8 meninas do time local de futebol, com a ajuda de um soldado norte-americano que acabou morto.

Assim como ela, jovens atletas afegãs estão espalhadas por todo o mundo, ainda com muito medo de sequer pensar em praticar esportes novamente e constantemente preocupadas com suas famílias que continuam ameaçadas no Afeganistão, simplesmente porque suas filhas participaram de uma atividade esportiva nos últimos 20 anos. As que ficaram no país, abandonaram o esporte. Não existe saída.

“Agora as meninas se odeiam por fazer parte de um time de futebol e ter sido jogadora de futebol. Elas se culpam pela miséria que suas famílias estão sofrendo agora.”

A jogadora de vôlei Muzhgan Sadat também divide uma história de dor. Ela já havia sido forçada a deixar seu país de origem em 2019 devido a ameaças do Talibã por seu papel como capitã da seleção nacional de vôlei.

Logo depois da volta do Talibã, em agosto de 2021, Sadat viu anos de progresso desaparecerem da noite para o dia.

“Perdemos nossos 20 anos de conquistas e esforços no Afeganistão para construir nossa equipe”, disse ela à DW. “Trabalhamos muito para isso, reunindo participantes do sexo feminino, incentivando famílias e meninas a participar da comunidade esportiva no Afeganistão.”

Muitas atletas ainda estão presas e temendo por suas vidas no país.

“Se forem encontrados pelo Talibã, isso significa 100 chicotadas ou até mesmo a morte”, disse a ex-judoca afegã Friba Rezayee à RFI.

Rezayee, que deixou o país, é a primeira atleta olímpica do Afeganistão e está constantemente em contato com mulheres atletas que ainda estão escondidas no país. Muitas mudaram de identidade porque temem ser espancadas, apedrejadas ou mortas a tiros pelo regime talibã.

O Talibã roubou vidas, sonhos e a esperança dessas atletas.

ONU, esporte e direitos humanos

O esporte como instrumento de paz e desenvolvimento já tem o reconhecimento da ONU há algum tempo. Em 2003 foi publicada a Resolução 58/5, intitulada “Esporte como um meio para promover educação, saúde, desenvolvimento e paz”.

Em 2005, a Resolução A/60/L.1, seguia essa mesma linha e reconhecia o esporte como promotor de paz e desenvolvimento. Diz a resolução que:

  1. Acreditamos que hoje, mais do que nunca, vivemos num mundo global e interdependente. Nenhum Estado pode existir numa situação de total isolamento. Reconhecemos que a segurança coletiva depende de uma cooperação eficaz na luta contra ameaças transnacionais, em conformidade com o direito internacional.”

Os chefes de Estado, através da ONU, reafirmam seu compromisso na construção e manutenção da paz e do respeito aos Direitos Humanos.

Ou seja, o principal órgão mundial de política internacional reconhece a importância do esporte como meio eficaz na busca não somente da consecução dos “Objetivos do Milênio”, mas reforçam o esporte como instrumento da valorização da cultura de paz e a observância dos Direitos Humanos.

Dessa forma, a Resolução da ONU traz o esporte como uma das mais valorizadas medidas a serem promovidas pelos países membros das Nações Unidas:

  1. Salientamos que o desporto pode ajudar a promover a paz e o desenvolvimento e contribuir para um clima de tolerância e compreensão, e incentivamos o debate de propostas a utilização do termo “desporto” em vez de “esporte”, o que sobressai nesse ponto 145 da norma da ONU é (1) a importância do esporte na promoção da paz e do desenvolvimento e (2) sua relevância na promoção dos direitos humanos, por meio da construção de um clima de tolerância e compreensão.

Ou seja, não existe esporte longe dos Direitos Humanos.

Papel do esporte no Afeganistão

O pedido de socorro de mulheres – e das mulheres do esporte – no Afeganistão ecoa pelo mundo. Atletas do futebol já pediram ajuda à FIFA, que inclusive participou de uma ação que retirou centenas de jogadoras do país. Em outras modalidades, atletas têm contato com um auxílio do Comitê Olímpico Internacional.

Claro que a religião e a soberania precisam ser sempre defendidas. Agora, elas jamais podem ser usadas como pretexto para uma política de violação a direitos humanos e agressão à igualdade. Nessa hora, todos precisam fazer a sua parte.

É fundamental que a ONU, coletivos globais de direitos humanos e o próprio movimento esportivo exerçam mecanismos de pressão internacional dando atenção especial a vigência, eficiência e vinculação dos direitos da pessoa humana não somente na proteção de Direitos Humanos, como também de Direitos Fundamentais.

Banir o país de competições internacionais é um caminho já tomado em outras situações como contra a África do Sul à época do regime segregacionista do Apartheid.

Ser diferente nem sempre é uma escolha, é uma necessidade. E ela precisa ser protegida. Ajudar mulheres e minorias para que o regime do Talibã respeite a liberdade e o simples direito de escolha – como praticar e viver do esporte – é dever de todos nós.

E quando dirigentes esquecem de fazer a parte deles – e esquecem de banir de seus quadros entidades esportivas de países que violam direitos humanos -, é a pressão organizada de atletas, patrocinadores, opinião pública e coletivos globais que precisa fazer com que eles se lembrem.

Crédito imagem: Wakil Kohsar/AFP

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