O técnico italiano Antonio Conte venceu na Justiça inglesa um processo trabalhista contra o Chelsea. Os Blues demitiram o treinador em julho de 2018. À época, o clube inglês tentou enquadrar a demissão por justa causa, entre outros fatores, em função da dispensa do atacante Diego Costa feita por Conte.
A estratégia do clube era não pagar a multa rescisória de 9 milhões de libras. A proposta não deu certo. O italiano foi à Justiça e obteve êxito na ação. Conte recebeu o que estava acordado em seu contrato. Nada mais natural do que buscar o seu direito. Talvez seja na Europa, não no Brasil.
“O que o Conte fez de processar o Chelsea não é comum no Brasil. Porque apesar de existir uma lei específica de treinador, ela acaba não balizando os contratos dos treinadores. Já fiz muitas ações representando jogadores, intermediários, mas jamais fiz uma ação envolvendo um técnico”, explica o advogado especialista em direito esportivo e presidente do Instituto Iberoamericano de Direito Esportivo, Luiz Marcondes.
A lei específica dos treinadores é a 8.650/93. No artigo 7º, a proteção da legislação trabalhista está assegurada. “Aplicam-se ao Treinador Profissional de Futebol as legislações do trabalho e da previdência social.”
Mas o mercado de trabalho, muitas vezes, regulamenta de maneira extraoficial a conduta dos treinadores nos casos de demissão. Como detalha Gustavo Lopes, advogado especialista em direito esportivo:
“O mercado para o treinador é relativamente restrito. Temos 40 grandes clubes, 20 na Série A e 20 na Série B. Isso é uma análise, e todo trabalhador deve fazer antes de demandar na Justiça. É óbvio que é um direito constitucionalmente garantido buscar em juízo eventual violação do direito. Mas muitas vezes isso pode gerar, sim, um desconforto no mercado de trabalho”.
Luiz Marcondes corrobora a opinião de Lopes. A busca por ações trabalhistas por parte dos treinadores não é vista com bons olhos pelos clubes de futebol. A retaliação é um temor presente entre os técnicos.
“Sim, existe e eu tenho certeza. Já orientei alguns treinadores, mas que tiveram o temor de entrar com ações e, por consequência, perder espaço no mercado. Os treinadores medianos e iniciantes acabam não buscando os seus direitos por conta de um futuro que pode não ser adequado ou esperado.”
Em 2014 o deputado federal José Rocha, hoje do Partido Liberal da Bahia, apresentou o Projeto de Lei 7.640. Popularmente conhecido como Lei Caio Júnior, técnico vítima de acidente aéreo em 2016. O projeto tem como intuito melhorar as relações trabalhistas entre clubes e treinadores.
Dois pontos são tratados como primordiais para a classe. A exigência de uma cláusula de indenização por quebra de contrato (para ambas as partes) e a quitação das pendências. O clube só poderá registrar um novo treinador quando efetuar o pagamento do que deve ao antecessor.
“Se o juiz do TRT reconhecer os requisitos do vínculo empregatício do treinador, ele receberá todas as verbas trabalhistas, além da multa. Os clubes precisam entender que o risco não compensa. Os valores devidos, em caso de condenação, são altos. Além do prejuízo financeiro, uma condenação também mancha a imagem da entidade esportiva”, diz a advogada especializada em direito trabalhista Débora Ferrareze.
A nova legislação protegeria os treinadores, que hoje sofrem com regulação do mercado.
“É comum que os profissionais tenham receio de entrar com processo na Justiça, pois existe risco de não serem contratados posteriormente, e o risco não é exclusivo na carreira de técnico. Mas lesão maior é ter seu direito tolhido. A Justiça é caminho para dizer se uma relação profissional respeitou ou não as leis, e quem não as respeitou precisa aprender com as decisões judiciais”, completa a advogada Ferrareze.
Os clubes podem adotar a postura de “escantear” um treinador que seja um litigante na Justiça do Trabalho. Mas Gustavo Lopes ressalta a ilegalidade do procedimento e o caminho que a classe de treinadores poderia tomar para evitar os abusos.
“Retaliação em razão de demanda trabalhista é crime. O Ministério Público do Trabalho (MPT) é muito atento quanto a isso. Existem casos, não ligados ao futebol, em que empresas declararam abertamente que não contratariam determinado trabalhador por conta de ação trabalhista. Nesses casos, o MPT aplica multa e outras medidas. Um caminho seria uma denúncia nesse órgão.”
Luiz Marcondes mostra uma alternativa para os treinadores se protegerem no momento em que estiverem redigindo o contrato com um clube.
“A ideia é que sempre possam contratar assessoria para negociar e formalizar os seus contratos. Agora, a questão também é se o mercado vê isso com bons olhos. Legislação nós já temos, mas acredito que ela não esteja adequada com a realidade e que proteja efetivamente os treinadores.”
Conversamos com dois técnicos que saíram recentemente de clubes médios do futebol brasileiro, um da série B e outro da C. Eles preferiram não se identificar, mas confirmaram a situação e foram além:
“Estamos reféns de uma relação que não respeita as leis, com clubes não cumprindo o que prometem, e o baile segue do mesmo jeito. Os clubes seguem contratando, e nós, passivos, esperando um chamado, uns contra os outros.”
Por Zeca Cardoso