Muito se fala sobre compliance no mundo do futebol. Porém, imagine se todos os gestores (diretores e, quando ocorrer no Brasil, acionistas ou cotistas) dos clubes participantes das três primeiras divisões do futebol brasileiro tivessem que, obrigatoriamente, passar por um “teste” antes de sua aprovação para gerenciar o clube.
Isso é o que acontece na Inglaterra. Como já sabemos, a maioria dos clubes na Inglaterra são empresas (assistam ao Lei Em Campo #10, sobre clube-empresa) e, portanto, visam gerar lucro para seus acionistas/cotistas (os donos do clube).
Segundo o Appendix 3 das regras da English Football League (EFL, formada em 1888 e tida como a primeira liga de futebol do mundo), todos os gestores do clube (donos e diretores) têm de passar no chamado Owners’ & Directors’ Test (ODT). Esse “teste” foi iniciado pela FA em 2004 para combater corrupção e melhorar a transparência sobre a real propriedade dos clubes, bem como para proteger a reputação e imagem do esporte. O ODT se aplica a todos os clubes da Premier League e, pelo menos, às duas divisões logo abaixo.
O ODT é tão robusto que vai além do que é requerido de gestores de empresas fora do mundo do futebol, no mundo corporativo. Por meio do Appendix 3, indivíduos que estão sujeitos a “desqualificações” são proibidos de ser pessoas de relevância nos clubes. Exemplos de desqualificações são, dentre outros:
• Proibidos por lei de ser diretores de empresas;
• Ter poder ou influência sobre outro clube de futebol;
• Ter interesse significativo em outro clube de futebol;
• Ter penas em andamento de crimes envolvendo desonestidade, corrupção, ou infração grave da legislação local que versa sobre empresas;
• Ter sido culpado de infração das regras da FA sobre apostas ou corrupção;
• Estar em falência ou insolvência;
• Ter sido diretor de clube de futebol que foi a falência ou que tenha sido expulso de qualquer das ligas; e
• Notificar a entidade sobre informações pessoais em decorrência da Sexual Offences Act 2003.
O Appendix 3 também impõe obrigação aos clubes de notificar a entidade, ou aos indivíduos que são, ou que se propõem a ser, pessoa de relevância no clube, por meio de apresentação de uma declaração confirmando que eles não estão em situação de desqualificação. A FA tem 14 dias para deliberar sobre a declaração e, se apropriado, consentir por escrito antes que o proponente se torne gestor do clube.
Caso os indivíduos entrem em situação de desqualificação, a obrigação é de reportar para o clube em até três dias. O clube, por sua vez, tem mais três dias da data de tal notificação para informar a FA.
Ademais, quando um gestor deixa um clube, a agremiação deve notificar a FA em sete dias úteis.
Infração a qualquer dessas regras, bem como apresentar informação falsa, implica sujeição ao procedimento disciplinar da FA. Isso vale para ambos, clube e/ou gestor.
Com o “incentivo” aos clubes brasileiros para se tornarem empresas, será que com o tempo teremos algo parecido no Brasil?
……….
Foto: Medium.