Na última sexta-feira (30), a 3ª Comissão Disciplinar do Tribunal de Justiça Desportiva de Minas Gerais (TJD-MG) puniu o North Esporte Clube, time da terceira divisão do Campeonato Mineiro, com a perda de três pontos por conta de manifestações homofóbicas de seus torcedores contra o goleiro do Contagem, em partida disputada no dia 3 de setembro. A punição pode atrapalhar o clube na luta pelo acesso e é a primeira nesse sentido, abrindo um precedente para casos futuros.
“Esse é o primeiro caso que temos notícia de que um clube tenha sido punido por perda de pontos em virtude de cantos homofóbicos de sua torcida. Os casos de homofobia no esporte, infelizmente, têm sido recorrentes, de modo que a FIFA vem assumindo a liderança no processo de combate a tais atitudes, exigindo que as federações filiadas repliquem suas normas e recomendações, especialmente aquela que autoriza os árbitros a parar, suspender ou abandonar partidas por conta de ofensas externas. Sob o ponto de vista exclusivamente legal, a punição aplicada é possível. A CBF passou a considerar, no art. 54 do RGC de 2022, como de elevada gravidade as infrações de cunho discriminatório praticadas em suas competições. Já o art. 243-G (e seus parágrafos) do CBJD prevê que os clubes podem ser punidos com pena de multa por atos discriminatórios de seus torcedores e, considerada como infração grave, o órgão da Justiça Desportiva pode aplicar as sanções adicionais de perda de perda de pontos, perda de mando de campo e exclusão de competição”, conta o advogado Carlos Henrique Ramos, especialista em direito desportivo.
“Essa decisão não está, a princípio, alinhada com o histórico de decisões do STJD e, se chegar lá em grau de recurso, tende a ser reformada. No entanto, é importante mesmo se for reformada, pela sinalização que traz e pode inclusive ser um ponto de inflexão na tendência. As análises relativas ao artigo 243-G são complexas e qualquer comentário sem pleno conhecimento das provas é perigoso, mas somando isso à recente manifestação da Procuradoria do STJD e uma série de outros movimentos mostram que, em um futuro não muito distante, a perda de pontos em casos de discriminação pode se tornar mais frequente”, avalia Vinicius Loureiro, advogado especializado em direito desportivo e colunista do Lei em Campo.
“Embora o combate ao preconceito seja fundamental, ainda mais no esporte, que parte do reconhecimento do outro, o problema é de ordem social. Embora punições nesses moldes tenham sua importância simbólica, os Tribunais Desportivos, a meu ver, não devem ser arvorar em assumir, eles próprios, uma solução por meio de uma atuação mais estrutural, sob pena de extrapolar suas funções e interferir demasiadamente no mérito das competições. Tenho defendido uma atuação minimalista da Justiça Desportiva nesses casos. Diferentemente dos casos de violência e de arremesso de objetos em campo, em que o clube pode tomar providências preventivas, não há como controlar o que as pessoas falam. Punir os clubes com sanções extremas cria uma espécie de responsabilidade sem nexo causal”, acrescenta Carlos Henrique Ramos.
O advogado ressalta que “a Justiça Desportiva tende a criar precedentes que depois não terá como administrar. Sua intervenção deveria respeitar o princípio da pró-competição.
“Me parece que, ainda dentro do arcabouço legal, a Justiça Desportiva deveria aplicar inicialmente sanções como a perda de mando de campo, deixando a perda de pontos para último caso, diante de eventual reincidência, por exemplo. Assim, o clube e os torcedores são punidos, mas as equipes ainda podem performar e superar em campo a dificuldade trazida. Caso contrário, como já é possível visualizar neste caso que agora comentamos, haverá mudanças de tabela, alteração de jogos, concessão de efeito suspensivo e muita insegurança jurídica, o que afeta a atratividade do produto. Fora o risco de instauração de uma guerra de denúncias entre os clubes, especialmente aqueles que podem enxergar sua salvação desportiva nessas punições”, complementa Carlos Henrique Ramos.
No julgamento, o tribunal levou em consideração a súmula da partida da árbitra Francielly Fernanda Lima de Castro.
“Informo que, aos 51 minutos do segundo tempo, torcedores não identificados da equipe do North Esporte Clube, que se encontravam atrás do gol da equipe do Contagem Esporte Clube, proferiram em direção ao goleiro do Contagem, Sr. Marlon Reis Alves Mota, os seguintes gritos: “viado, viado, viado”, diz a súmula.
Em posse do documento, a Procuradoria do TJD-MG decidiu denunciar o North Minas no artigo 243-G do Código Brasileiro de Justiça Desportiva (CBJD), que prevê punição para quem praticar ato discriminatório.
O que diz o artigo 243-G?
Art. 243-G. Praticar ato discriminatório, desdenhoso ou ultrajante, relacionado a preconceito em razão de origem étnica, raça, sexo, cor, idade, condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência:
PENA: suspensão de cinco a dez partidas, se praticada por atleta, mesmo se suplente, treinador, médico ou membro da comissão técnica, e suspensão pelo prazo de cento e vinte a trezentos e sessenta dias, se praticada por qualquer outra pessoa natural submetida a este Código, além de multa, de R$ 100,00 (cem reais) a R$ 100.000,00 (cem mil reais).
§ 1º Caso a infração prevista neste artigo seja praticada simultaneamente por considerável número de pessoas vinculadas a uma mesma entidade de prática desportiva, esta também será punida com a perda do número de pontos atribuídos a uma vitória no regulamento da competição, independentemente do resultado da partida, prova ou equivalente, e, na reincidência, com a perda do dobro do número de pontos atribuídos a uma vitória no regulamento da competição, independentemente do resultado da partida, prova ou equivalente; caso não haja atribuição de pontos pelo regulamento da competição, a entidade de prática desportiva será excluída da competição, torneio ou equivalente.
§ 2º A pena de multa prevista neste artigo poderá ser aplicada à entidade de prática desportiva cuja torcida praticar os atos discriminatórios nele tipificados, e os torcedores identificados ficarão proibidos de ingressar na respectiva praça esportiva pelo prazo mínimo de setecentos e vinte dias.
§ 3º Quando a infração for considerada de extrema gravidade, o órgão judicante poderá aplicar as penas dos incisos V, VII e XI do art. 170.
A punição tem efeito imediato, o que impacta diretamente nas oitavas de final da competição. Porém, o clube conseguiu efeito suspensivo e um novo julgamento será marcado, dessa vez no Pleno do TJD-MG. Com 13 pontos ao invés dos 16 conquistados dentro de campo, o Norte Minas perderia a vaga direta entre os oito finalistas do torneio, cedendo seu lugar ao América, de Teófilo Otoni, que disputa com o Atlético, de Três Corações, um lugar nas quartas de final.
Caso a punição seja mantida, a Diretoria de Competições da Federação Mineira de Futebol (FMF) terá que anular todas as partidas disputadas e voltar a competição à fase de oitavas de final sem o North Minas.
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