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Todos pelo Flamengo?

Ontem a Justiça Desportiva se colocou mais uma vez sob os holofotes. Em ação iniciada pela Procuradoria do TJD-RJ, o vice-presidente do órgão, José Jayme Santoro, decidiu, contrariamente ao que disposto expressamente no regulamento da competição, que o mando de jogo da final deveria ser dividido entre as duas equipes participantes.

Nesse momento devem ser analisadas uma série de questões, a começar pela atuação da Procuradoria, que na pessoa do procurador André Valentim iniciou todo o debate jurídico. Nesse momento, cabe a frase dita por Júlio César quando de seu divórcio de Pompeia, em 62 a.C., e que ficou amplamente conhecida: “À mulher de César não basta ser honesta, deve parecer honesta”. Ainda que formalmente a Procuradoria não precise ser imparcial, como os auditores, o fato de a manifestação inicial ter ocorrido apenas após o sorteio do mando de jogo da final levantou uma série de dúvidas, não apenas da atuação da Procuradoria, mas de todo tribunal.

Vale destacar que, juridicamente, nada impedia a Procuradoria de postular, com base nos princípios do Direito Desportivo, que o regulamento fosse interpretado de maneira diversa em razão da edição da MP 984/20. Caso essa análise tivesse ocorrido antes do sorteio do mando, nada disso estaria sendo discutido. No entanto, ainda que com a melhor das intenções, a temporalidade da manifestação tornou-a desastrosa, levantando inúmeros questionamentos sobre a credibilidade da Justiça Desportiva e da competição em si. De qualquer forma, legalmente não é questionável a atuação da Procuradoria.

O mesmo podemos dizer da decisão tomada pelo auditor relator. Legalmente, o tribunal poderia se manifestar sobre o mando de jogo definido em regulamento. No entanto, quando o embasamento para a decisão é exclusivamente comercial, não sendo levantada qualquer relação com a disciplina e a competição, a validade da decisão da Justiça Desportiva passa a ser contestável. E essa validade expõe as partes envolvidas a um grande risco jurídico.

Finalmente, é fundamental deixar claro que a decisão da Justiça Desportiva apenas alterou a compreensão sobre o mando de jogo, que passou, em razão da liminar concedida, a ser compartilhado entre as duas equipes. Essa decisão, no entanto, não autoriza nenhuma das duas equipes a transmitir a partida, uma vez que a MP é clara ao dizer que “Na hipótese de eventos desportivos sem definição do mando de jogo, a captação, a fixação, a emissão, a transmissão, a retransmissão ou a reprodução de imagens, por qualquer meio ou processo, dependerá da anuência de ambas as entidades de prática desportiva participantes”.

No caso da decisão da Justiça Desportiva, a final passou a ter dois mandantes, ou seja, não há efetivamente um mandante. Desta forma, para que o jogo pudesse ser transmitido, era indispensável a anuência das duas equipes. Caso essa anuência não tenha ocorrido de maneira formal e expressa, as duas equipes podem acabar punidas mas, nesse caso, a exposição ao risco do Flamengo é sensivelmente maior que a do Fluminense, que em matéria civil possui embasamento no regulamento da competição.

Longe de acabar, a discussão sobre a transmissão da final do carioca é só mais um exemplo de protagonismo jurídico em questões que não deveriam ser definidas por julgadores, um reflexo do que observamos no Brasil como um todo.

E ainda que as intenções tenham sido as melhores, afetam a credibilidade dos envolvidos e deixam margem para que as pessoas se perguntem: “estão todos pelo Flamengo?”.

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