Um torcedor ingressou, na noite desta terça-feira (15), com uma Notícia de Infração no Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD) contra o Cruzeiro para denunciar o descumprimento de fair play financeiro e trabalhista ao se tornar rotineiro o atraso salarial de profissionais do clube.
“Famílias estão passando necessidade, já foi noticiado o racionamento de comida para os atletas da base e o DENUNCIADO (Cruzeiro) continua em busca de contratação de atletas para reabilitação em um campeonato. O meu interesse é pela proteção do esporte, do futebol e pelos direitos sociais, amante do futebol, sou acima de tudo humano e o que está acontecendo ultrapassa o limite da falta de humanidade, de cuidado com o próximo e principalmente da família, pilar de nossa sociedade”, cita o torcedor no documento obtido pelo Lei em Campo.
No documento encaminhado à Procuradoria do Tribunal, o torcedor cita sete matérias jornalísticas sobre o atraso salarial de funcionários do Cruzeiro nos últimos meses e um vídeo postado no YouTube na qual os mesmos choram e pedem ajuda.
“O torcedor chama atenção para um cenário que, infelizmente, não ocorre somente no Cruzeiro. É público e notório que os clubes, em geral, possuem dívidas altíssimas e, ainda assim, continuam contratando atletas para reforçar seu plantel. Ainda que o fair play financeiro não esteja completamente implementado no Brasil, há ditames no Regulamento Geral e no Específico da Competição e no próprio Regulamento Nacional de Registro e Transferência de Atletas de Futebol (o RNRTAF) que versam sobre a questão e que devem serobservados por todos os clubes”, afirma Fernanda Soares, advogada especialista em direito desportivo e colunista do Lei em Campo.
O que pode acontecer com o Cruzeiro?
“Uma eventual comprovação sobre o conteúdo da denúncia poderia acarretar em condenação do clube na justiça desportiva por infração ao artigo 191, III, do Código Brasileiro de Justiça Desportiva (CBJD) que pune a entidade que descumpre o regulamento. A punição é uma multa que vai de 100 a 100 mil reais”, avalia Fernanda Soares.
No entanto, Alberto Goldenstein, advogado especializado em direito desportivo, não acredita que a denúncia será aceita pela Procuradoria.
“O pedido do torcedor é feito fundamentado em matérias e notícias que vinculam à uma violação de regras desportivas e regulamentos de competições, o que possibilitaria uma punição. Contudo, se verifica que o torcedor não é legitimo para figurar no polo ativo de procedimentos disciplinares, cabendo essa análise ser feita pela procuradoria do STJD, a qual avaliando as informações, poderá ou não proceder com a denúncia”, analisa o advogado.
Martinho Miranda vai na mesma linha e por considerar que o torcedor “não tenha interesse jurídico e legitimidade para propor a denúncia”, o pedido será arquivado.
Para Fernanda Soares, esse tipo de ação do torcedor pode ser importante “para chamar atenção ao problema e serviria com incentivo para que a CBF tome atitudes mais enérgicas em relação a esse aspecto”.
“Isso porque o artigo 17 do REC Série B prevê perda de pontos para o clube que, por período igual ou superior a 30 dias estiver em atraso com o pagamento de salários. Isso sem falar nas punições que podem ser aplicadas pela CNRD, conforme disposto no art. 64 do RNRTAF”, completa a advogada.
Notícia de Infração
É importante destacar que a ação do torcedor poderá ser avaliada pelo tribunal uma vez que o art.74 do CBJD prevê que “qualquer pessoa natural ou jurídica poderá apresentar por escrito notícia de infração disciplinar desportiva à Procuradoria, desde que haja legítimo interesse, acompanhada da prova de legitimidade”.
“Parece claro o interesse de um torcedor na devida condução das entidades de prática desportiva, mas a questão da legitimidade é mais complicada de se provar. Dito isso, há de se recordar que é a Procuradoria a titular da ação na Justiça Desportiva, ou seja, independente da forma como a Procuradoria tomou conhecimento sobre a suposta infração (por meio do torcedor, por meio de súmula, por meio de comunicação da DCO, ou qualquer outro meio), cabe à Procuradoria fazer o primeiro juízo sobre o cabimento de uma ação e, se entender que é o caso, apresentar a denúncia ao tribunal”, explica Fernanda Soares.
Procurado pelo Lei em Campo, o torcedor revelou o que o levou à procura pela justiça desportiva:
“Vejo na Justiça Desportiva talvez a esperança de que uma punição desportiva possa parar com a injustiça que vem acontecendo com os funcionários do Cruzeiro. Acabar com a falta de fair play financeiro já que execuções judiciais parecem que não são suficientes para uma educação financeira do clube. O Cruzeiro se encontra assim (com salários atrasados) há pelo menos um ano e ninguém da CBF ou do STJD tomaram providências para evitar esse caos financeiro que atrapalham os funcionários e atletas. Isso não é o futebol que eu quero”, declarou.
Condenação na Justiça do Trabalho
Devido à crise financeira, o Cruzeiro é um dos clubes do futebol brasileiro com maior dificuldade em honrar seus compromissos com funcionários. Diante dos recorrentes atrasos salariais, a Justiça do Trabalho condenou a Raposa nesta terça-feira (15) a pagar uma multa de R$ 100 mil por danos morais coletivos e a obrigou quitar as pendências salarias com os colaboradores. A Ação Civil Pública (ACP) foi movida pelo Ministério Público do Trabalho (MPT).
Apesar da proibição de atrasar salários após a determinação judicial, o Cruzeiro segue sem cumprir essa obrigação.
Um inquérito civil foi instaurado pelo MPT em dezembro de 2019 para apurar a denúncia de atraso no vencimento dos funcionários do clube. O Cruzeiro foi intimado mais de uma vez a apresentar documentos, ficando comprovado o atraso na quitação de salários, inclusive de trabalhadores da manutenção.
“O clube atrasava inclusive pagamentos de empregados que recebem os salários mais baixos, que dependem do pagamento em dia para honrar as despesas de seu próprio sustento e de suas respectivas famílias”, ressaltou o MPT na época.
Diante do avanço das investigações, o MPT sugeriu a assinatura de um Termo de Ajuste de Conduta (TAC) entre as partes, mas o clube não se manifestou com relação à proposta e também não conseguiu comprovar por meio de documentação a quitação em dia dos salários.
Em entrevista à ‘Rádio Itatiaia’ nesta terça, o presidente do Cruzeiro, Sérgio Santos Rodrigues, chamou a ação do MPT de “absurda” e citou que mesmo com as adversidades, quem trabalha no clube o faz “por amor” e aceita ser cobrado mesmo com salário atrasado.
“Quem está no Cruzeiro, está por amor, está porque quer. Eu faço analogia, eu não deixo de advogar para empresa que não me paga, para pessoa física que não me paga. A gente tem que ir com carinho e dedicação, porque o meu prazer é advogar. A pessoa está ali, tem o direito de ficar chateado e exigir, mas o que a gente busca é isso, ter transparência dizendo que vai atrasar, a previsão é tanto, isso que estamos fazendo. Eles estão vendo que a gente corta na carne todo dia a despesa (…) Quando eles veem esse esforço nosso, que a gente está buscando acontecer, o tamanho do Cruzeiro e a paixão por estar trabalhando lá, acaba que eles topam entre aspas ser cobrados, mas não deixam (de se) dedicar por isso”, declarou o dirigente.
A Procuradoria do STJD deverá analisar a ação nos próximos dias e assim definir se dá prosseguimento ou não com a denúncia.
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