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Trabalho desportivo eletrônico (e-sports)

Nos dias atuais não há maturidade na doutrina e jurisprudência brasileiras para considerar desporto (esporte) a prática de jogos eletrônicos promovida em competições nacionais e internacionais, muito menos para defini-los em modalidade profissional ou não profissional.[1]

Estar-se diante de uma nova era, de um Direito do Trabalho chamado 4.0, em que os novos meios tecnológicos criam novas fórmulas de movimentar a economia, novos tipos de serviços, gerando também inovações, restruturações nas relações de trabalho, e, nesse contexto, insere-se também o trabalho desportivo eletrônico.[2]

Segundo Ricardo Miguel, existem três Projetos de Leis tramitando no Congresso Nacional para configurar os jogos eletrônicos como modalidade desportiva: Projeto de Lei n. 3.450/2015, Projeto de Lei do Senado n. 383/2017, Projeto de Lei n. 7.747/2017.[3]

Independente da regulamentação da Lei considerando os jogos eletrônicos como modalidade desportiva, é cediço que o desporto eletrônico já movimenta uma economia de mercado própria, assim como as entidades competidoras contratam verdadeiros trabalhadores para o exercício de competições em videogames. Alguns desses jogadores percebem um montante remuneratório bem elevado em comparação com várias espécies de labor.

Nesse diapasão, por inexistência de Lei Especial regulamentando o trabalho desportivo eletrônico[4], a avença contratual firmada entre entidade empregadora e jogador eletrônico deve seguir os parâmetros legais do art. 28, da Lei n. 9.615/98 (Lei Pelé) – regime jurídico do contrato especial de trabalho desportivo – que firma a relação de emprego desportivo.[5]

Como os jogos eletrônicos podem abranger categoria de competição individual ou em equipe, admite-se a regência contratual por via do art. 28-A, da Lei Pelé, que permite a contratação do atleta sem vínculo empregatício, trabalhador desportivo autônomo, semelhante à nova disposição do art. 442-B, da CLT, introduzido pela Reforma Trabalhista (Lei n. 13.467/17), já fomentado há anos no art. 114, I, da CF/88, acrescentado pela Emenda Constitucional n. 45/2004.[6]

Diante desta lacuna de norma específica para regulamentar uma nova realidade de trabalho, caso haja uma contratação de jogador de jogos eletrônicos sem as solenidades exigidas na Lei Pelé, constituídas as características da relação de emprego, o vínculo do jogador eletrônico com a entidade empregadora passa a ser regida pelos arts. 2⁰ e 3⁰, da CLT.[7]

Todavia, caso haja apenas uma relação de trabalho sem implementação dos elementos fático-jurídicos do enlace empregatício, a regência do vínculo recai subsidiariamente no noviço art. 442-B, da CLT, introduzido pela Reforma Trabalhista (Lei n. 13.467/17), que admite o trabalho autônomo fora dos arts. 2⁰ e 3⁰ do texto celetista.[8]

Entretanto, vale destacar, que não é adequada a regência dessa relação entre jogadores eletrônicos e entidades contratantes pelos arts. 593 a 609, do Código Civil, pois conforme o discorrido acima, existe uma verdadeira relação de trabalho ou relação de emprego nessas contratações, afastando a prestação de serviço da Lei Civil, dotada de autonomia acentuadamente mais forte por parte do prestador de serviço.[9]

Por fim, é inegável que há entre os jogadores eletrônicos e as suas respectivas entidades contratantes uma relação de trabalho desportivo eletrônico ou pelo menos uma relação de trabalho de jogos eletrônicos, independentemente de existir norma que considere os jogos eletrônicos uma modalidade desportiva, pois decorre do art. 5⁰, XIII c/c art. 217, III, da CF/88, que não existe um numerus clausus de relações de trabalho,[10] a primazia da realidade é que demonstra se há ou não uma relação de trabalho ou relação de emprego. Por outras palavras, a constatação de um liame laboral não é adstrito ao reconhecimento de uma atividade econômica como modalidade desportiva, profissional ou não profissional.[11]

……….

[1] Em defesa do reconhecimento da prática de jogos eletrônicos como modalidade desportiva, ainda que de maneira cautelosa, analisar obra pioneira no Brasil de MIGUEL, Ricardo Georges Affonso. O enquadramento jurídico do esporte eletrônico. São Paulo: Quartier Latin, 2019, p. 21-54.

[2] Obra exponencial a respeito da plataforma digital Uber e a possível relação de trabalho criada pelas suas novas ferramentas tecnológicas, pesquisar em LEME, Ana Carolina Reis Paes. Da máquina à nuvem: caminhos para o acesso à justiça pela via de direitos dos motoristas da Uber. São Paulo: LTr, 2019.

[3] MIGUEL, Ricardo Georges Affonso., op. cit., 2019, p. 105-109.

[4] Comunga-se da tese de existência de trabalho desportivo eletrônico de MIGUEL, Ricardo Georges Affonso., op. cit., 2019, p. 105-119.

[5] No mesmo sentido MIGUEL, Ricardo Georges Affonso., op. cit., 2019, p. 109, 112-113.

[6] Apoio de entendimento em MIGUEL, Ricardo Georges Affonso., op. cit., 2019, p. 110-111.

[7] MIGUEL, Ricardo Georges Affonso., op. cit., 2019, p. 109-110.

[8] MIGUEL, Ricardo Georges Affonso., op. cit., 2019, p. 118.

[9] A respeito da necessidade de tutela do Direito do Trabalho sobre as relações entre equipes contratantes e jogadores nos jogos eletrônicos, acompanha-se a posição de MIGUEL, Ricardo Georges Affonso., op. cit., 2019, p. 118-119.

[10] AMADO, João Leal. Contrato de trabalho desportivo: lei n.⁰ 54/2017, de 14 de julho – anotada. Coimbra: Almedina, 2018, p. 13.

[11] Sustentação de entendimento em Id. Ibid., 2018, p. 20-23.

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