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Trabalho precoce e esporte: a rotina de jovens atletas e as consequências para a escolarização

A entrada precoce no mundo do trabalho esportivo é uma realidade para muitos jovens atletas, especialmente aqueles oriundos de famílias de baixa renda. Enquanto a busca pelo sucesso esportivo é motivada pela promessa de ascensão social e econômica, a jornada para se tornar um atleta profissional é árdua e competitiva, exigindo não apenas talento, mas também um investimento significativo de tempo e recursos. Além disso, o sucesso sugere que o jovem possua alguns atributos necessários para se “transformar”, ou ser transformado em atleta profissional, tais como técnicas, características físicas e o “dom/talento” peculiar a cada modalidade esportiva. Ainda assim, é válido lembrar que muitos jovens buscam esse mesmo objetivo, portanto, a concorrência, mesmo para aqueles que possuem tais atributos e são reconhecidos pelos especialistas do campo (treinadores, dirigentes, empresários etc.), ainda precisam provar, no dia-a-dia, que possuem condições suficientes para se tornar um profissional competente.

O acesso e a permanência para os candidatos a atletas profissionais que se inserem nos clubes exigem uma rotina árdua, e na maior parte das vezes renúncias de determinadas atividades da vida social. No futebol, por exemplo, é por volta dos 12 anos de idade que os jovens iniciam sua rotina mais intensa de treinamentos e viagens, implicando numa dedicação em práticas de atividades corporais específicas ao longo de sua formação, que dura em média uma década. Neste sentido, esssa dedicação ao esporte pode interferir negativamente na educação formal, já que muitas vezes coincide com o período crucial de formação acadêmica. Estudos indicam que jovens atletas chegam a dedicar milhares de horas ao treinamento esportivo durante sua fase de formação, o que pode comprometer seu desempenho escolar e limitar suas oportunidades futuras no mercado de trabalho.

Embora o sucesso no esporte seja uma meta almejada por muitos jovens, é importante reconhecer que a escolaridade desempenha um papel fundamental na empregabilidade futura. Investir excessivamente na carreira esportiva em detrimento da educação pode representar um risco, já que a reconversão profissional pode ser desafiadora caso a carreira esportiva não se concretize como esperado.

Para reforçar o significado desses dados, é válido ressaltar que o aluno de escola pública brasileira permanece em média 4 horas por dia em sala de sala. Portanto, se cada ano possui 200 dias letivos, a formação no Ensino Fundamental terá uma carga média de 7.200 horas ao longo dos seus nove anos de duração, e o Ensino Médio uma carga de 2.400 horas ao longo de três anos. Chama a atenção o fato do possível descumprimento por parte dos clubes em condicionar a rotina de treinos com a frequência à escola. O fato é que, desde cedo, os jovens se inserem num regime disciplinar que regula horários e comportamentos dentro e fora do clube, o qual se assemelha e muito à disciplina do mundo do trabalho. A falta de regulamentação eficaz muitas vezes permite que os clubes esportivos ajam de maneira arbitrária em relação à educação dos jovens atletas. Embora algumas instituições ofereçam estratégias para conciliar a educação e o treinamento esportivo, é comum que esses esforços sejam insuficientes para garantir uma educação de qualidade.

Inseridos neste meio, os jovens passam boa parte do tempo longe de casa, seja pelo tempo gasto na atividade laboral e em sua locomoção, ou pelo fato deles estar vivendo em outras cidades. É comum encontrar jovens de diferentes partes do país morando em alojamentos ou casa de parentes em cidades que possuem grandes clubes esportivos. Para esses jovens, viver longe de casa é ao mesmo tempo um desafio e uma recompensa por ter seu talento reconhecido.

Neste caso, o trabalho aparece também ligado a uma atividade necessária ao próprio sustento ou à ajuda à família. Talvez por isso, do ponto de vista do jovem, haja uma representação positiva do trabalho, pois se associa aos valores morais hegemônicos presentes na sociedade, que reconhece simbolicamente os custos e os ganhos propiciados pela atividade laboral em seu cotidiano. No caso da carreira esportiva, o sucesso implica também numa satisfação de orgulho e reconhecimento pessoal, diferentemente de muitas outras profissões.

O curioso é que as estatísticas mostram o quanto estamos distantes do sonho de riqueza e mobilidade social por meio do esporte, pois, em geral, os salários dos atletas no Brasil são baixos. No futebol profissional, por exemplo, esporte de maior evidência em nosso país, os dados da Confederação Brasileira de Futebol mostram que, em sua grande parte dos atletas no Brasil vivem de contratos temporários, auxílios de patrocinadores, e possuem outras atividades para complementar sua renda. No entanto, esses dados não parecem desestimular a busca pela profissionalização no esporte. Talvez as representações de sucesso que são exploradas pela mídia, ou seja, a construção de ídolos nacionais esportivos proporcione ao imaginário dos jovens uma possibilidade de se colocar no lugar destes ídolos, fato que fortalece essa grande procura que se tem pelas atividades esportivas.

O final do processo de formação, ou seja, a transição da fase amadora para a fase profissional ocorre não apenas em função do nível de desempenho alcançado pelo atleta, pois há uma série de fatores intrínsecos e extrínsecos que pode permitir ou não o acesso aos escassos postos de trabalho. Caso o jovem não seja selecionado, ele pode ter que parar involuntariamente. É neste momento que a escolaridade, a formação esportiva inicial, o tipo de suporte familiar e social e os mecanismos de planejamento da carreira serão fundamentais para uma possível reconversão profissional.

Neste sentido, há uma preocupação referente aos níveis de escolarização dessa população, já que a legislação brasileira permite que os clubes adotem diferentes políticas em relação ao tempo de dedicação ao esporte, qualificação dos profissionais que trabalham diretamente com os jovens e às formas de frequência à escola pelos atletas.

Em geral, os clubes esportivos oferecem diferentes estratégias para proporcionar oportunidades educacionais aos jovens atletas que estão inscritos em suas categorias de base, e além dos já conhecidos problemas de infraestrutura e recursos humanos da escola brasileira e da ausência de significados de parte dos conteúdos escolares em relação ao cotidiano dos jovens, os atletas ainda convivem frequentemente com mecanismos de flexibilização por parte de professores e diretores de escolas que lhe concedem benefícios. Muitos estudam à noite em cursos regulares ou supletivos, e embora os clubes mantenham os jovens matriculados, o acompanhamento do processo de escolarização não parece estar completamente efetivado, pois o abandono escolar, por distintos motivos, faz parte de suas vidas. Outro aspecto limitador, e bastante comum, está presente nas escolas instaladas dentro dos clubes, pois, além de inúmeros outros possíveis problemas, essa estratégia diminui a diversificação dos círculos sociais dos jovens.

Por fim, pode-se dizer que o esporte, de forma geral, apresenta uma situação inversa a do mercado formal de trabalho, visto que os treinamentos intensos e a especialização se iniciam na infância e/ou adolescência. O prazo para a profissionalização é mais rígido, ocorrendo, salvo exceções, entre os 18 e 20 anos de idade. Esta realidade faz com que os jovens invistam desde cedo em seus sonhos, e à medida que o tempo passa fica mais difícil à entrada no mercado de trabalho. A presença de jovens estudantes no mundo do trabalho – dentro e fora do mercado esportivo – traz implicações que se refletem não só na dimensão mais visível do aspecto físico (fadiga, enfermidades, acidentes de trabalho) e escolar (baixo nível de escolaridade, reprovação, repetência e abandono escolar), mas também na dimensão da subjetividade, tendo em vista que de modo ainda mais intenso do que em outras profissões, os atletas sofrem uma maior pressão por resultados em competições, a cobrança diária em treinamentos, o afastamento do convívio familiar, entre outros aspectos.

Além disso, em termos de implicações intelectuais, a escolarização atrelada ao trabalho, sobretudo num período em que a aprendizagem de conteúdos básicos escolares como a leitura, a escrita, a matemática, as noções de ciências naturais, entre outros, se constituem enquanto pré-requisitos importantes para o desenvolvimento de habilidades e competências intelectuais futuras implica em significativas restrições ao desenvolvimento cognitivo dos estudantes-trabalhadores, uma vez que assistem às aulas cansados, sonolentos, e por vez precisam se ausentar. O fato é que esses jovens acabam perdendo uma parcela de oportunidades significativas advindas das vivências escolares, entre elas o contato com o saber científico produzido através da instituição formal, as interações sociais com seus colegas, entre outros. No plano pessoal, os trabalhadores em idade precoce acabam sendo privados das condições fundamentais para o pleno desenvolvimento, como por exemplo, as atividades relacionadas aos momentos de lazer e de brincadeira.

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