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Tragédia do Ninho do Urubu continua…

Tema bastante delicado no futebol profissional do Brasil nos últimos anos restou marcado pela tragédia no Ninho do Urubu em 8 de fevereiro de 2019, instalações de categorias de bases do Clube de Regatas Flamengo. Ironicamente, o horror de degradação humana aconteceu logo nas estruturas de uma das maiores entidades desportivas do país, que conta com a maior torcida e das mais elevadas atenções da mídia.

O problema ocorrido no Ninho do Urubu foi apenas um tremendo reflexo da falta de estrutura de grande parte das instituições desportivas que promovem futebol profissional no Brasil, e, já vinha sendo alvo de críticas jurídicas de escritores, como este colunista. Depois desta tragédia, a fiscalização das autoridades públicas competentes cresceu em torno das categorias de bases das entidades desportivas empregadoras.

O que interessa no momento é a notícia do fim desta semana acerca da condenação em primeira instância do Flamengo a quitar uma pensão de sete (7) mil reais por mês a título de pensionamento até a projeção do que seria os quarenta e cinco anos (45) de idade do falecido garoto, mais um (1) milhão quatrocentos e doze (412) mil reais aos pais e cento e vinte (120) mil reais ao irmão.

Em primeiro plano, já se manifestou reiteradamente que conflitos entre menores em formação e as entidades de prática desportiva, nos termos da Lei Pelé/LGE, deve ser competência material da Justiça do Trabalho, jamais da Justiça Comum. Isto porque nesta relação o indivíduo é preparado para se tornar um atleta profissional, caracterizando-se uma espécie de relação de trabalho. As exigências sobre um atleta formando são bem semelhantes as de um jogador profissional, as organizações desportivas formadoras até descrevem em contratos de formação a obrigatoriedade de concentração.

Nesse bojo, não há como se afastar a competência material que deve ser da Justiça do Trabalho neste tipo de conflito, atraindo a convicção da unidade de jurisdição sob os auspícios do art. 114 da CF/88.

Entretanto, diversas decisões recentes do Excelso Supremo Tribunal Federal apontam no enfraquecimento da jurisdição laboral brasileira sobre atividades conhecidas como relação de trabalho, basta acompanhar turvas decisórias recentes sobre representante comercial, motoristas de Uber, etc. Enquanto isto, em Portugal os estafetas de Uber Eats conseguem reconhecer o seu vínculo laboral nos Tribunais portugueses.[1]

No mérito, mas sem acesso aos autos do processo, tão somente a ler as notícias jornalísticas, parece justo estabelecer um pensionamento mensal de sete (7) mil reais em se tratando de um promissor goleiro que teria pontencialidade de ganhar ao logo de sua carreira, em termos de Flamengo, em média, cento e cinquenta mil reais por mês entre os vinte e cinco e quarenta anos de idade (projeção de uma carreira de atleta profissional no auge na posição de goleiro).

A referida aplicação do quantum indenizatório em via de pensão é pacífico no sistema jurídico e jurisprudência brasileiras em vários outros segmentos profissionais, por influência de outras ordens jurídicas, tais como a norteamericana, a alemã e a francesa, não se constituindo nada de absurdo.

Por outra dimensão, já parece extremamente desproporcional, ao constatar-se a morte do atleta formando por acidente estrutural, decorrente das falhas de segurança da entidade desportiva formadora, que apenas três milhões sejam direcionados à indenização pela perda do familiar ser humano.

A responsabilidade das organizações de prática desportiva é máxima sobre as suas categorias de bases, pois alojam seres humanos menores de idade. Esta é uma matéria de manutenção mínima do ambiente de labor, onde se insere as questões de higiene, saúde e segurança no trabalho. Ademais, recorde-se que decisão referência da Subseção Especializada em Dissídios Individuais 1 (SBDI-1) do Colendo Tribunal Suerior do Trabalho, publicada no Informativo n. 156 de 2017, já definiu a atividade trabalhista desportiva de risco a avocar a responsabilidade civil objetiva para a entidade empregadora desportiva.

Qualquer falha de segurança em categorias de bases que provoque dano, com ou sem morte, é de responsabilidade objetiva da entidade formadora. Pelo que se consta das notícias, o ora condenado nunca provou fato de terceiro ou culpa exclusiva de vítimas, únicas hipóteses de exclusão desta espécie de responsabilidade civil.

No mais, ainda que o ocorrido no Ninho do Urubu não seja interligado diretamente com a atividade desportiva, a teoria do risco criado que é substrato dos fatos desencadeadores do acidente mortal do garoto formando não advoga a favor do clube condenado em primeiro grau. Premissa de responsabilidade civil objetiva facilmente apreensível dos requisitos legais dispostos nos arts. 29 e 29-A da Lei Pelé (aprimorados nos arts. 99 a 102 da LGE).

Quanto vale o valor de uma vida ceifada por descuido nas estruturas das categorias de bases daquele que é, muitas vezes, conhecido como “o gigante” do futebol brasileiro? O clube condenado em primeira instância, atualmente, tem um potencial de reparação como nunca teve em sua história, paga remunerações avultadas aos vários atletas empregados, algumas que ultrapassam milhões de reais por mês.

Nesta medida, a morte do menor formando, proveniente dos danos emergentes da tragédia Ninho do Urubu merece a apuração e fixação indenizatória de apenas três milhões aos seus familiares? Não seria uma quantia demasiada diminuta para o tamanho e potencialidade financeira atual do clube responsável pelo dano morte, segundo a condenação da 33a Vara Cível do Rio de Janeiro?[2]

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[1] Medialivre. Tribunal reconhece contrato de trabalho a estafeta da Uber Eats. Disponível em: <https://www.jornaldenegocios.pt/economia/emprego/lei-laboral/detalhe/tribunal-reconhece-contrato-de-trabalho-a-estafeta-da-uber-eats>. Acesso em: 17 fev. 2024.

[2] Lei em campo. Flamengo é condenado pela Justiça a pagar R$ 3 milhões em indenização à família de vítima do incêndio do Ninho do Urubu. Disponível em: <https://leiemcampo.com.br/flamengo-e-condenado-pela-justica-a-pagar-r-3-milhoes-em-indenizacao-a-familia-de-vitima-do-incendio-do-ninho-do-urubu/>. Acesso em: 17 fev. 2024.

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