O Rio Grande do Sul vive uma tragédia climática, social e econômica sem precedentes. Nem os gaúchos sabem até onde ela chegará, mas todos já têm uma certeza, nunca sofreram, choraram e lutaram como agora. Em um momento tão difícil, não há outro caminho solidário que não seja o de olhar para a vítima e ouví-la.
Temos historicamente o hábito de falarmos (decidirmos) pelos outros. O colonizador pelo colonizado, o branco pelo preto, o rico pelo pobre. Apresentamos o melhor caminho para aquele povo, para o fim do racismo e para mitigar desigualdade. Mas – muitas vezes – esquecemos de ouvir a vítima e ajudar na construção do problema que ela quer resolver.
Tem um livro muito legal – que me ajudou na elaboração do meu livro Direitos Humanos e esporte, como Caso George Floyd ajudou a mudar regras do jogo – que é de uma escritora indiana e o título já é uma provocação “Pode o subalterno falar?
O livro foi escrito pela teórica pós-colonial Gayatri Spivak. Neste livro, a escritora aborda questões relacionadas à representação e à voz dos grupos subalternos na sociedade, especialmente em contextos pós-coloniais. O termo “subalterno” refere-se a grupos sociais marginalizados, muitas vezes silenciados ou ignorados pela hegemonia política e cultural.
Spivak examina como o conhecimento é produzido e transmitido, destacando as complexidades e desafios enfrentados pelos subalternos ao tentarem articular suas próprias experiências e perspectivas dentro de estruturas dominantes. O livro é uma contribuição importante para os estudos pós-coloniais e para o entendimento das dinâmicas de poder e representação na sociedade contemporânea.
E uma lição também para o que acontece no Rio Grande do Sul.
Futebol para?
Entre tantas perdas, dor, sofrimento, o esporte, claro, também aparece como elemento importante entre as várias discussões.
Primeiro, como fator social de mobilização. Atletas se fazendo presente. Jogadores da dupla Grenal e atletas de vários esportes estendendo a mão para quem precisa de um abraço, servindo comida para quem tem fome, carregando nos braços quem já não tem mais força.
Além disso, o esporte também catalisou uma corrente de solidariedade pelo Brasil e mundo, ajudando a apresentar a tragédia e buscar recursos.
Mas, por outro lado, o futebol tem dividido opiniões sobre a paralisação ou não do campeonato. A maioria dos clubes já se posicionou a favor, mas alguns resistem em teimar, alegando que a bola rolando ajudaria mais do que a bola parada. Será?
Acho que não. Parar seria um gesto de efetiva solidariedade, de humanidade do esporte. Não se perderia data, mas apenas se remarcaria. E não se exigira dos atletas que saíssem de onde querem e precisam estar agora.
Mas, mais do que isso, o esporte aprenderia a ouvir a vítima. Daria um exemplo para todos: é preciso ouvir e entender o que quem sofre precisa.
Os times gaúchos pediram a paralisação.
O papel do esporte
Esporte e direitos humanos não se afastam. Além de ser da natureza do esporte, as cartas de FIFA e do COI reforçam esse compromisso. O esporte tem papel importante no mundo, reconhecido inclusive pela Organização das Nações Unidas, a ONU.
O dia 6 de abril é o Dia Internacional do Esporte para Desenvolvimento e pela Paz. A Organização das Nações Unidas criou a data devido a relevância política do esporte e escolheu a data para relembrar a realização dos primeiros Jogos Olímpicos Modernos, em 1896, na Grécia.
O esporte como instrumento de paz e desenvolvimento já tem o reconhecimento da ONU há algum tempo. Em 2003 foi publicada a Resolução 58/5, intitulada “Esporte como um meio para promover educação, saúde, desenvolvimento e paz”.
Em 2005, a Resolução A/60/L.1, seguia essa mesma linha e reconhecia o esporte como promotor de paz e desenvolvimento. Diz a resolução que:
7. Acreditamos que hoje, mais do que nunca, vivemos num mundo global e interdependente. Nenhum Estado pode existir numa situação de total isolamento. Reconhecemos que a segurança colectiva depende de uma cooperação eficaz na luta contra ameaças transnacionais, em conformidade com o direito internacional.”
Os chefes de Estado, através da ONU, reafirmam seu compromisso na construção e manutenção da paz e do respeito aos Direitos Humanos.
Ou seja, o principal órgão mundial de política internacional reconhece a importância do esporte como meio eficaz na busca não somente da consecução dos “Objetivos do Milênio”, mas reforçam o esporte como instrumento da valorização da cultura de paz e a observância dos Direitos Humanos.
Dessa forma, a Resolução da ONU traz o esporte como uma das mais valorizadas medidas a serem promovidas pelos países membros das Nações Unidas:
145. Salientamos que o desporto pode ajudar a promover a paz e o desenvolvimento e contribuir para um clima de tolerância e compreensão, e incentivamos o debate de propostas a utilização do termo “desporto” em vez de “esporte”, o que sobressai nesse ponto 145 da norma da ONU é (1) a importância do esporte na promoção da paz e do desenvolvimento e (2) sua relevância na promoção dos direitos humanos, por meio da construção de um clima de tolerância e compreensão.
O esporte parou guerras, parou por causa de guerras, parou por ajuda humanitária. Ele sabe a força que tem.
O esporte tem o dever de se engajar em causas do mundo, devendo estar a serviço dele. Sempre lembrando que não existe esporte longe dos Direitos Humanos.
Ou seja, ouvir a vítima e entender a força do esporte em causas humanitárias. A receita não é tão complicada assim.
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