O instituto do Training Compensation (Compensação por Treinamento) é regulado pelo RSTP da FIFA, em seu artigo 20, que possui por premissa compensar os clubes que tenham participado da formação dos atletas dentro de determinado lapso temporal, para aqueles que por circunstâncias desfavoráveis do mercado não tenham colhido os frutos desejados frente a todo investimento dispendido na formação dos atletas.
Nesses termos, tal ferramenta se mostra justa e essencial para os clubes formadores, principalmente, para os clubes do continente Sulamericano por seu protagonismo e relevância para o futebol mundial, sendo o nosso país reconhecido por possuir inegável relevância quando o assunto é matéria-prima para o futebol.
A formação de atletas de alto rendimento exige muitos investimentos. Desse modo, o que se almeja com investimento nas categorias de base é um resultado financeiro positivo, melhoria no desempenho esportivo dos atletas, conquistas desportivas, apelo midiático, venda de produtos e serviços etc.
Logo, visando mitigar possíveis reflexos negativos e de justiça aos clubes formadores – que lapidam a matéria-prima do futebol mais apaixonante do mundo – o respectivo instituto resguarda os clubes em duas situações: (1) assinatura do primeiro contrato profissional; e nas (2) respectivas transferênc0ias do atleta que se sucederem, com o prazo final fixado no término da temporada do seu 23° (vigésimo terceiro) aniversário.
Vale ressaltar que o lapso temporal que atribui o respectivo direito aos clubes citado no item 2 não se confunde com o lapso temporal da constituição do respectivo direito, sendo este compreendido entre o 12º ao 21º aniversário do atleta.
Recentemente, foi incorporado ao ordenamento jurídico brasileiro a Lei n° 14.193/2021, que institui a figura da Sociedade Anônima do Futebol (SAF). No respectivo diploma, o artigo 32 caput e seu §2º,estabelecem que os clubes estarão sujeito a uma alíquota de 5% nos primeiros 5 anos e a partir do 6º ano a respectiva alíquota sofrerá redução para 4%, incluindo na base de cálculo para fins de incidência tributária as receitas oriundas dos direitos de atletas. Em uma primeira análise, muitos discursam que o respectivo comando só poderia gerar impactos nas receitas oriundas de transferências nacionais e internacionais.
Embora o fato gerador de algumas cifras seja oriundo das transferências, como o Mecanismo de Solidariedade e do Training Compensation, precisamos estar atentos devido ao tratamento tributário no Brasil, que será aplicado de forma distinta a depender da natureza da receita.
Na presente contribuição abordarei o tratamento tributário no tocante a receita percebida pelos clubes brasileiros quando da ocorrência de fatos geradores que deram ensejo ao direito de pleitear a respectiva indenização.
A novel Lei da SAF estabelece que a base de cálculo para fins de incidência tributária será as receitas mensais recebidas, bem assim considera-se receita mensal a totalidade das receitas recebidas pela Sociedade Anônima do Futebol, inclusive aquelas referentes a prêmios e programas de sócio-torcedor, excetuadas as relativas à cessão dos direitos desportivos dos atletas nos 5 primeiros anos sendo esta base de calculo a partir do 6 º ano como dito anteriormente (art. 32 caput e §1º da Lei n° 14.193/2021).
Fato é que aplicar esta definição para todas as receitas não me parece razoável. Para fins de tributação do Imposto de Renda, o Art.43 do Código tributário Nacional estabelece que o fato gerador do IR será a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica da renda entendido como produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos ou de proventos de qualquer natureza assim entendidos os acréscimos patrimoniais.
Art. 43. O imposto, de competência da União, sobre a renda e proventos de qualquer natureza tem como fato gerador a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica:
I – de renda, assim entendido o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos;
II – de proventos de qualquer natureza, assim entendidos os acréscimos patrimoniais não compreendidos no inciso anterior.
Em apertada análise, percebe-se que as receitas recebidas pelos clubes a título de “Training Compensation” não têm o condão de gerar acréscimo patrimonial, mas de natureza indenizatória por todo o investido pelos esforços empreendidos na formação dos atletas de alto rendimento ainda em estágio germinal, mas que por um infortúnio do mercado fez com o clube formador não aproveitasse todo o beneficio financeiro gerado pelo atleta por este formado.
É inegável que estamos diante de uma receita com total caráter indenizatório que para fins tributários, i.e., não há ocorrência de fato gerador para incidência de tributação como dispõe a Súmula 498 do Superior Tribunal de Justiça – STJ: “Súmula 498 – Não incide imposto de renda sobre a indenização por danos morais”.
Embora o texto da Lei n° 14.193/2021 venha estabelecer que a base de cálculo para incidência tributária é a totalidade das receitas, precisamos estar também atentos quanto a natureza de cada uma delas, o que no meu sentir, entendo que as receitas oriundas de indenização por formação (Training Compensation) não poderão compor a base de cálculo para fins de incidência tributária.
A importância da gestão tributária dos clubes sempre foi vista pelos profissionais atuantes na advocacia tributária como essencial, apenas acentuada a respectiva necessidade pelo regramento posto pela Lei n° 14.193/2021, que tem como premissa maior regular de forma profissional o ambiente de gestão do futebol, que demanda por profissionais cada vez mais qualificados em seus campos de atuação, deixando para trás o amadorismo passional.
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REFERÊNCIAS
BRASIL. Lei n° 5.172, de 05 de outubro de 1966. Dispõe sobre o Sistema Tributário Nacional e institui normas gerais de direito tributário aplicáveis à União, Estados e Municípios. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5172compilado.htm. Acesso em: 13 de maio de 2022.
BRASIL. Lei n° 14.193, de 06 de agosto de 2022. Institui a Sociedade Anônima do Futebol e dispõe sobre normas de constituição, governança, controle e transparência, meios de financiamento da atividade futebolística, tratamento dos passivos das entidades de práticas desportivas e regime tributário específico; e altera as Leis n.º 9.615, de 24 de março de 1998, e 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil). Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2021/lei/L14193. Acesso em: 13 de maio de 2022.
FIFA. Regulations on the Status and Transfer of Players. March 2022 edition. Disponível em: https://digitalhub.fifa.com/m/1b47c74a7d44a9b5/original/Regulations-on-the-Status-and-Transfer-of-Players-March-2022.pdf. Acesso em: 28 de abr. de 2022.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Súmula 498. COAD: Soluções Confiáveis. Disponível em: https://www.coad.com.br/busca/detalhe_16/2425/Sumulas_e_enunciados. Acesso em: 13 de maio de 2022.