Em março deste ano, fui consultado (juntamente com a minha equipe) acerca de uma possível transferência de um jovem futebolista inglês (um garoto de 15 anos) entre clubes londrinos. Ambos os clubes são protagonistas da Premier League, a liga inglesa (responsável pela organização da competição que todos conhecemos, seu regulamento e seus direitos comerciais, incluindo os de transmissão). A família daquele atleta, por meio de seu agente/intermediário, buscava a transferência para um clube rival com o fim de “maximizar os benefícios e vencimentos a serem recebidos pela família sem burlar as regras”.
Por regras, compreendem-se os regulamentos impostos pela Football Association, o equivalente na Inglaterra à CBF, e pela Premier League em relação ao recrutamento de menores. Em suma, tais regulamentos determinam que menores registrados em uma academia de futebol (denominação dada às escolas de futebol dos clubes ingleses) só podem receber reembolso de despesas legitimamente incorridas como resultado direto da participação do atleta em atividades da academia. Os regulamentos também trazem proibição expressa a pagamento de quaisquer outras montas ou benefícios adicionais.
Quando fui consultado, a Premier League já havia feito um pedido de esclarecimento ao clube quanto aos pagamentos feitos à família daquele atleta. Apesar da pronta resposta do clube, a liga entendeu que alguns desses pagamentos infringiam os regulamentos e, portanto, determinou que o clube aderisse à norma imediatamente (a cessação de tais pagamentos). Descontentes com a determinação da Premier League, a família buscava um novo clube que pudesse oferecer mais. Nosso aconselhamento foi categórico e, é claro, de acordo com o que fora estabelecido pelos regulamentos: não há a possibilidade de “maximizar” qualquer vencimento. Os clubes devem obedecer aos regulamentos.
Assim, não foi surpresa quando li a notícia, na semana passada, de que o Everton Football Club, clube sediado em Liverpool (onde atualmente jogam os brasileiros Bernard e Richarlison, bem como o colombiano Yerry Mina), havia sido punido pela Premier League, proibido de contratar jogadores para sua academia por dois anos, após ter sido pego infringindo os regulamentos supramencionados. A punição se deve ao fato de que em 2016 o Everton fez uma oferta a um atleta (e sua família) registrado na academia do Cardiff City Football Club. A oferta incluía benefícios financeiros à família daquele atleta. Quando a transação não vingou, a carreira do atleta ficou em um limbo até que o Manchester City entrou na negociação e o registrou.
A punição, que também inclui uma multa de £ 500.000 (quinhentas mil libras esterlinas), na verdade tem efeito retroativo adicional de 18 meses, e, portanto, o clube não pode registrar nenhum atleta (que já tenha registro na academia de outro clube) entre maio de 2017 e novembro de 2020. Dessa forma, o Everton terá que pagar compensação adicional a outros clubes em relação a outros atletas em situação semelhante.
Esse é um bom exemplo para duas situações: (i) é essencial para os clubes terem um planejamento de longo prazo que inclua observação aos mais variados regulamentos (compliance); e (ii) aos atletas, é importante sempre obter aconselhamento jurídico acerca de suas carreiras e aspectos de cunho pessoal, a fim de evitar qualquer percalço para seus projetos.