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Transgêneros no esporte: ainda há espaço para a discussão sobre a constitucionalidade da participação destes atletas em competições?

Por Laura Assis Ferreira

Introdução

O tema dos atletas transgêneros no esporte é polêmico e isso não é novidade. Há alguns anos o tema recorrentemente vem à tona, normalmente atrelado ao triunfo de algum atleta que se identifica neste espectro da identidade de gênero. Recentemente, no dia 16 de novembro de 2021, tivemos a publicação de uma diretriz do Comitê Olímpico Internacional – COI, que atribuiu às Federações Internacionais a responsabilidade de desenvolver as pesquisas e regramentos quanto à participação de atletas transgêneros, observando a peculiaridade de cada modalidade. Tal diretriz deixa a decisão nas mãos daqueles que têm – em tese – maior competência técnica: no caso as federações. Entretanto, essa decisão poderá ocasionar um aumento na proibição da participação destes atletas, caso algumas federações optem por seguir o exemplo norte-americano.

Porém, por mais que recaia sobre as federações o poder de definir sobre a participação ou não dos atletas transgêneros em competições esportivas; importante ressaltar que tal poder também teria respaldo jurídico no inciso I, art. 217, da CF/88, que dispões que as entidades desportivas dirigentes e associações tem autonomia quanto à sua organização; caberia ainda avaliar possível inconstitucionalidade da diretriz publicada pelo Comitê Olímpico Internacional, se fixarmos a discussão apenas à legislação brasileira, visto que sua aplicação acarretaria uma contradição no ordenamento previsto na Constituição Federal, tendo em vista o disposto no art. 5°, da CF/88 que determina que todos são iguais perante a lei, independentemente de qualquer de descriminação.

Por outro lado, na prática de atividades desportivas é imprescindível que haja equidade entre os atletas e, diante dos escassos estudos na literatura a respeito das reais condições de desempenho de um atleta “trans”; essa equidade, de fato, não tem como ser garantida. E é sobre esta ambivalência que se debruçará o presente artigo.

Inclusão nos Desportos: Direito à Participação

A participação de atletas transgêneros no esporte de maneira igualitária influência não só na inserção destes atletas, mas também na representatividade de todo um grupo de pessoas que sofrem preconceito todos os dias. Desta forma, a efetivação da inclusão de atletas “trans” nos desportos tem a potencialidade e a possibilidade te tentar sanar preconceitos e inserir a dignidade que lhes é garantida constitucionalmente, fazendo do desporto, também um meio para promover a inclusão social.

A prática desportiva é uma forma de inclusão que sempre estará presente na coletividade, sendo inclusive classificada como um direito, garantido pela Constituição Federal de 1988, nos termos do artigo 217, que trata da regulamentação desportiva como dever do Estado. E, por isso, é necessário que se tenha um ambiente propício o máximo possível para que essa inclusão se torne efetiva e ocorra de maneira eficiente.

O princípio da igualdade, previsto no artigo 5º, caput, da CF/88, descreve que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, in verbis:

“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes” (BRASIL, 1988)

Por meio deste princípio tem-se a afirmação do constituinte de que a Lei não pode servir de condão para privilegiar algumas pessoas e perseguir outras. O princípio da igualdade traz em si a ideia de equidade entre os cidadãos, razão pela qual, os transexuais merecem usufruir dos direitos e garantias trazidos pela Constituição, tanto quanto qualquer outro indivíduo, sem qualquer tipo de distinção.

Existe equidade entre atletas transexuais e demais atletas?

No esporte sempre houve uma divisão de categorias por sexo: masculino e feminino (cisgêneros). Contudo, por óbvio, que esta divisão não engloba as pessoas cuja identidade de gênero independa daquela atribuída social ao sexo biológico. Ou seja: as pessoas transgêneros.

Desde 2015 o Comitê Olímpico Internacional estabelece que não é necessário que o atleta tenha passado por cirurgias de redesignação de gênero, isto porque a cirurgia não vai garantir necessariamente uma competição justa, além de o tema ainda ser contraditório na legislação de alguns países, e ainda estar em discussão no que tange o desenvolvimento dos direitos humanos. Como exemplo destas contradições, temos na transição do sexo masculino para o feminino, a exigência de que as mulheres tenham um nível de testosterona abaixo de 10 nanomols por litro de sangue, por no mínimo um ano antes de sua estreia na competição; já no caso dos atletas “trans” masculinos, não existem estas restrições, uma vez que o entendimento é de que, neste caso, não haveria o ganho de uma vantagem esportiva.

Surge então a grande discussão que gira entorno da questão: há ou não ganho de performance quando se trata de atletas transgêneros? E diante deste questionamento e da ausência de respostas efetivas, foi criado um movimento chamado “Saves Women’s Sports” que enviou ao COI uma carta assinada por mulheres “cis” de mais de 30 países pedindo a suspensão da política de inclusão de mulheres “trans” nos esportes olímpicos. O argumento adotado pelo movimento tinha como fundamento o fato de que os fatores biológicos e a socialização por gênero masculino durante boa parte da vida dariam vantagens fisiológicas a atletas “trans”.

Cumpre ressaltar que, por mais que não exista uma unanimidade na área médica científica quanto às vantagens que pessoas “trans” possam ter, principalmente em esportes individuais; os resultados que alguns atletas vêm demonstrando repercutem de forma a demonstrar que utilizar apenas o parâmetro hormonal não seja o suficiente para garantir uma competição igualitária. Neste sentido, destaca-se o expressivo caso da atleta “trans” Alana McLauhlin, competidora do MMA, que tem derrotado suas adversárias com bastante facilidade. Suas lutas vitorias vêm trazendo preocupação até mesmo por parte dos espectadores, haja vista se tratar de um esporte de contato que poderia expor ao risco a integridade física das atletas que competiram contra ela. Neste caso concreto, seria possível falar entre equidade entre as competidoras?

Conclusão   

A conclusão para este assunto, assim como para todo tema complexo, é que ainda não existe nenhum posicionamento 100% correto (e talvez possa não existir) e que, independentemente do que seja decidido pelas federações, observando a diretriz apontada pelo COI, sempre haverá insatisfeitos com a decisão adotada por sua respectiva federação. Inegável que os transgêneros têm o direito de participar de competições esportivas, porém, ainda faltam estudos e legislações pertinentes que garantam a equidade e igualdade entre os atletas, caso ainda se mantida a adoção da divisão de categorias por sexo.

Ambos os lados têm prerrogativas a serem defendidas justificadas e, nesse caso é difícil querer determinar qual direito deveria se sobrepor ao outro: o direito à prática desportiva; o direito à igualdade; o direito à não discriminação, entre outros. Mas, certamente o que não pode acontecer é deixar que este debate seja baseado apenas no preconceito, na homofobia e na simples vontade de não gostar/querer que atletas transgêneros compitam na mesma categoria que atletas cisgêneros.

Cabe agora às federações definir com muita responsabilidade sobre a participação dos atletas transgêneros em cada uma das modalidades, devendo balizar suas decisões em conhecimento técnico, respectivas particularidades de cada modalidade e ainda, na literatura ainda que breve e escassa sobre o desempenho e atuação dos atletas transgêneros.

Já aos atletas cisgêneros seja possível a abertura de um debate esclarecedor sobre o tema além de tentarem compreender a importância para os atletas “trans” competirem na categoria com a qual se identificam. Contudo, necessário haver um espaço de debate e diálogo entre atletas e federações, para que as questões (muitas ainda sem respostas) possam ser dirimidas, ao ponto de que nenhum atleta se sinta prejudicado tendo em vista possíveis benefícios que o atleta “trans” possa vir a ter.  Por se tratar de um tema global, importante também a participação dos espectadores neste debate, observando as possíveis alterações, vantagens e desvantagens que por ventura surgirão com a inclusão de atletas com identidades de gêneros diversas.

Por fim, respondendo à pergunta do título, é extremamente cabível a discussão sobre participação dos transgêneros no esporte. Isto porque, até o momento não há nenhum estudo eficiente e eficaz, capaz de comprovar e garantir se há, de fato ou não, performance semelhante entre os atletas “cis” e “trans” em suas respectivas modalidades.

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Laura Assis Ferreira é graduanda em Direito pela PUC-MG e em Gestão Pública pela UFMG, além de integrante do GEDD PUC-MG

Referências

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 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília , 5 dez. 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 15 maio 2022.

COELHO, Rafael Torres; LUZ, Edna de Oliveira; IVO, Ivone José; PESSOA, Glauber Andrade; CHAGAS, Silvana Souza das. ATLETAS TRANSGÊNEROS: TABU, REPRESENTATIVIDADE, MINORIAS E CIÊNCIAS DO ESPORTE. Disponível em: http://revista.universo.edu.br/index.php?journal=1reta2&page=article&op=view&path%5B%5D=6667&path%5B%5D=3399. Acesso em: 15 maio 2022.

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FARIA, Bruno Meneses Alves; RIBEIRO, Douglas Sanguinete. PERSPECTIVAS DO DIREITO DESPORTIVO PARA A PARTICIPAÇÃO DOS ATLETAS TRANSEXUAIS NO ESPORTE. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/arquivos/2020/1/1DA3A102E0A944_PERSPECTIVASDODIREITODESPORTIV.pdf. Acesso em: 15 maio 2022.

GLOBO. TRANSGÊNEROS NO ESPORTE: O QUE ESTÁ EM DEBATE?: a participação da primeira pessoa trans nos jogos olímpicos entre a ciência e o preconceito. A participação da primeira pessoa trans nos Jogos Olímpicos entre a ciência e o preconceito. Disponível em: https://gente.globo.com/transgeneros-no-esporte-o-que-esta-em-debate/. Acesso em: 15 maio 2022.

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POTERIKO, Igor Gabriel Krüger. A nova diretriz do COI para inclusão e elegibilidade de atletas transgêneros. Nada diferente do previsto, mas quais as suas problemáticas? 2021. Disponível em: https://leiemcampo.com.br/a-nova-diretriz-do-coi-para-inclusao-e-elegibilidade-de-atletas-transgeneros-nada-diferente-do-previsto-mas-quais-as-suas-problematicas/. Acesso em: 15 maio 2022.

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