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Três “Red Bulls” e um único time

Por Luciano Motta

Já não é novidade que o clube-empresa seja a temática mais discutida no futebol brasileiro e assim o será por algum tempo. Recentemente, o caso Red Bull e Bragantino ganhou as principais manchetes. Contudo, afinal de contas, o que efetivamente ocorreu? O Bragantino é um clube-empresa? O Red Bull é um clube-empresa? São vários clubes-empresas em um só? Quem comprou e quem vendeu?

Definitivamente, a situação é complexa. As operações societárias podem dar nó, mesmo em especialistas, quem dirá no torcedor, este, principal e legítimo interessado. Irei tentar esclarecer, em poucas palavras e didaticamente, o que efetivamente ocorreu e está a ocorrer, pelo menos com os dados que se têm até o momento.

O Clube Atlético Bragantino (a seguir, Bragantino) é um tradicional clube do interior paulista, constituído sob a forma de associação, em 1928. Por vezes chegou a disputar a Série A do Campeonato Brasileiro, contudo, somente em 2018 conseguiu regressar para a Série B da competição nacional.

Por outro lado, o Red Bull Futebol e Entretenimento Ltda. (a seguir, Red Bull Brasil) foi um clube-empresa criado sob a forma de sociedade limitada em novembro de 2007. Por detrás, em alusão ao nome, estava a poderosa e mundialmente conhecida empresa austríaca Red Bull.

Conhecido entre os torcedores por Red Bull Brasil, o clube-empresa chegou à elite do campeonato paulista. Entretanto, no âmbito nacional não consegui o mesmo sucesso, nunca tendo passado da Série D do campeonato nacional.

O destino desses dois clubes se cruzou em 2018, quando em uma operação ainda não totalmente trazida à luz, diante do evidente sigilo que lhes é de direito, ambos estabeleceram uma “parceria”. Em síntese, o Bragantino se aproveitaria da estrutura do Red Bull (atletas, comissão técnica, gestão, etc.), e, em contrapartida, o Red Bull Brasil se aproveitaria da licença desportiva do Bragantino.

Dessa forma, as duas equipes sairiam “ganhando”: o Bragantino, enquanto associação, teria uma equipe mais competitiva e gestão profissional; e a “estrutura” Red Bull Brasil passaria a ter direito a disputar a Série B do Campeonato Nacional no ano de 2019. Pelo menos é dessa forma que comumente se interpreta.

Portanto, as duas equipes, associação (Bragantino) e clube-empresa (Red Bull Brasil), continuaram a existir de forma independente. Em um primeiro momento essa operação pode parecer estranha, mas é utilizada com certa frequência em países latino-americanos e, de maneira excepcional, na Europa, se materializando no mundo jurídico sob a forma de um contrato, geralmente denso e complexo, que pactua os termos das relações entre os dois clubes.

Evidência da coexistência dessas duas agremiações foi o Campeonato Paulista Série A1 de 2020. As duas equipes estavam desportivamente habilitadas para disputar a competição. Todavia, dois clubes, sob a mesma administração (direta/indireta) ou propriedade, não podem disputar a mesma competição, na mesma categoria.

Diversas soluções poderiam ser tomadas: o clube-empresa poderia ser vendido; a parceria desfeita; o clube-empresa poderia ser “encerrado”, enfim. Contudo, os investidores optaram por manter a operação do clube-empresa, abrindo mão de disputar a Série A1 e, automaticamente se inscrever na Série A2. Essa situação não é tão comum no futebol brasileiro, sendo habitual na Europa, principalmente nas competições nacionais, onde a “principal equipe” disputa o primeiro nível e a “equipe B”, o segundo nível (ex.: Real Madrid A/B, Benfica A/B, etc.).

Mas então, é correto afirmar que quem efetivamente disputou e foi campeão da Série B do Campeonato Brasileiro de 2019 foi o Bragantino, enquanto associação? Sim, exato. E, evidentemente, utilizando-se da “estrutura física” do Red Bull Brasil.

Concordo que os nomes e a situação fática podem embaralhar nossa cabeça. A partir do final de 2019, as nomenclaturas começaram a se misturar e a se confundir ainda mais, pois foi justamente nesse período que o Bragantino modificou sua denominação de “Clube Atlético Bragantino” para “Red Bull Bragantino”. Entretanto, continuou a ser uma associação.

Assim, a mesma estrutura se manteve, a saber: o clube associação (Red Bull Bragantino) e o clube-empresa (Red Bull Brasil).

Contudo, foi em março de 2020 que a situação se tornou mais complexa, quando surgiu uma terceira pessoa jurídica, o Red Bull Bragantino Futebol Ltda. Essa sociedade limitada, em verdade, trata-se de uma nova figura no Direito brasileiro, denominada Sociedade Limitada Unipessoal. A espécie societária foi instituída por meio da Lei nº 13.874/2019, que modificou o Código Civil em seu art. 1.052 e possibilitou a constituição de uma sociedade limitada por um único sócio. Atente-se que se assemelha, mas não se confunde com uma outra espécie, a EIRELI.

Com capital social de apenas R$ 100,00 a ser integralizado em 24 (vinte e quatro) meses, o único sócio do Red Bull Bragantino Futebol Ltda. é o Red Bull Bragantino (clube associação).

Pois é, finalmente chegamos às três pessoas jurídicas e um só clube. Em síntese, temos: (I) Red Bull Bragantino (associação); (II) Red Bull Brasil (clube-empresa); e (III) o Red Bull Bragantino Futebol Ltda., que, por hora, é tão simplesmente uma “empresa” (sociedade empresária) cujo único dono é o clube associação. Curiosamente, um outro ponto chama atenção, as mesmas pessoas são os administradores/diretores das três pessoas jurídicas.

Mas, afinal de contas, o time que está disputando o Campeonato Paulista Série A1 2020 é qual? É um clube-empresa ou uma associação? Tecnicamente, é o clube associação Red Bull Bragantino.

Operações societárias desse tipo, envolvendo diversas pessoas jurídicas e sócios são comuns no meio empresarial. É necessário destacar que não são ilegais, mas, não raro, são também utilizadas para camuflar ou obscurecer algumas situações.

O Direito Societário e o Direito Desportivo são, definitivamente, singulares e apaixonantes. Estamos a observar o embrião de um clube-empresa. Daqui para frente, diversas podem ser as possibilidades: fusão, cisão, inclusão de novos sócios, venda, compra, etc., e tudo dependerá da forma como a questão está a ser negociada e configurada. Resta saber se toda essa engenharia jurídica está sendo realizada de forma transparente e clara para os principais interessados, os torcedores. Caso contrário, como em diversos outros exemplos, lá na frente, serão, novamente, os principais prejudicados.

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Luciano Motta é mestre em Direito Empresarial e especialista em Direito Desportivo.

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