Há não muito tempo, teve quem dissesse que evento esportivo não é lugar pra causas pessoais, e erra o jogador que aproveita a exposição do manto em rede nacional pra falar o que pensa (ou o que sente). Segundo esse mesmo pensamento, quando o atleta assim o faz, rouba pra si um momento que não lhe pertence. Hackeia a atenção de câmeras e microfones que só lhe estão apontados por causa da camisa. Pratica estelionato, porque engana o torcedor, e se apropria de forma indevida de uma situação que não é dele, é do clube.
Não sei se é o caso. Se não é justamente o miolo humano que dá vida aos escudos?
Aliás, quando o Mário Filho fala dessa história, desde lá de trás, de atleta roubar cena de clube, fala justamente o contrário. Lembra que tinha clube que só existia por causa do jogador.
Em 1928, por exemplo, quando o Brasil ganhava de 5 a 0 da Escócia, o Feitiço marcou 4 e virou herói. O mulato voltou pro Santos como o dono do time. Diferente de ser “o Feitiço do Santos”, conta, era o Santos quem era o “Time do Feitiço”. O “Imperador do Futebol”, como foi coroado pela crônica esportiva, tinha tanta confiança no trono que sabia que, lá embaixo, no tapete verde, mandava era ele. Falou isso pro Washington Luís, algum tempo antes. O presidente da República, desavisado, pensou que mandava também em campo de futebol.
A história conta que foi em um match Rio-São Paulo. Jogo parado. Um pênalti marcado contra os paulistas fazia com que esses ameaçassem deixar o gramado. Coisa inaceitável. Washington Luís, da tribuna de honra, mandou um oficial levar o recado lá pra baixo: “é uma ordem para o jogo continuar”.
Feitiço, que ainda nem era “imperador”, sabia que ali mandava mais que presidente. Sem constrangimentos, ele que nem sequer usava a faixa de capitão, devolveu o recado pro oficial. Mandou dizer que o presidente “mandava lá em cima – lá em cima sendo tribuna de honra; cá embaixo – cá embaixo sendo o campo –, quem mandava era ele”. Os jogadores deixaram o campo, e Washington Luís também. Todo mundo deu razão pro Feitiço.
Por histórias como essa, há quem defenda que quem joga é o jogador, e não a camisa. Aquele pedaço de pano. Também não é pra tanto. É claro que não é de todo errado dizer que, às vezes, o escudo joga mais que os pés. Mas, afinal, o jogador dá vida à camisa ou existe por causa dela?
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Referências
FILHO, Mário. O negro no futebol brasileiro. Rio de Janeiro. Mauad, 2003.