O recurso do Manchester City ao Tribunal Arbitral do Esporte (TAS) será analisado em junho, entre os dias 8 e 10. O Atual campeão inglês recebeu uma suspensão da UEFA por duas temporadas das competições internacionais por não respeitar as regras do fair play financeiro da entidade. A situação do City é complicada, e o Tribunal é a esperança do clube inglês de não ficar de fora da Champions por duas temporadas.
No sistema jurídico do esporte, depois de esgotadas as instâncias internas da UEFA, o caminho possível é justamente a TAS. Eu conversei sobre o caso com o professor Wladimyr Camargos, uma referência no Brasil nessas disputas internacionais, e ele foi bem objetivo.
“Por ser o Tribunal a última instância do ponto de vista esportivo, dará a palavra final no caso. Restaria ao clube somente um recurso ao Tribunal Federal Suíço, mas com chances muito restritas de êxito. Teria que comprovar que a arbitragem contrariou alguma lei do país.” Wladimyr lembrou também que “se o City optar por levar o caso à justiça estatal, poderá ser novamente punido pela UEFA e até pela FIFA. Seria um desrespeito às normas do Sistema FIFA, que proíbe a judicialização das demandas internas das competições.” Ou seja, o clube de Pep Guardiola correria um risco dobrado.
Além da exclusão de competições continentais pelas próximas duas temporadas, o City também foi condenado a pagar uma multa de 30 milhões de euros.
Não há data para uma sentença. Ela tanto pode ser de manter a punição, de reduzi-la ou mesmo suspendê-la. A ideia é que ela seja dada antes de serem conhecidas as equipes inglesas que disputarão as próximas fases da Liga dos Campeões e da Liga Europa, para evitar o risco de novas disputas jurídicas.
A audiência não será aberta ao público, e o Tribunal Arbitral já disse que “algumas audiências podem ser conduzidas por videoconferência” em função das restrições impostas pela pandemia do novo coronavírus.
Os procedimentos de arbitragem do TAS envolvem uma troca de observações escritas entre as partes enquanto um painel de árbitros é convocado para ouvir a apelação.
O caso
Os campeões da Premier League receberam a punição em fevereiro, depois de terem cometido “sérias violações” dos regulamentos de licenciamento de clubes e fair play financeiro, segundo a UEFA.
O City negou as acusações, dizendo que elas “simplesmente não são verdadeiras”.
O órgão fiscalizador financeiro da Uefa disse que o City havia violado as regras “exagerando sua receita de patrocínio em suas contas e nas informações de equilíbrio enviadas à Uefa entre 2012 e 2016” acrescentando um agravante, quando afirma que o clube “falhou em cooperar na investigação”.
A investigação começou depois da denúncia do jornal alemão Der Spiegel. O jornal publicou documentos vazados em novembro de 2018, mostrando que o City havia inflado o valor de um contrato de patrocínio, enganando o órgão de governo do futebol europeu.
Relatos ao jornal alemão dizem que o City – que sempre negou irregularidades – enganou deliberadamente a Uefa para que ele pudesse cumprir as regras financeiras do fair play, sem ser punido pelo alto valor investido no futebol.
A punição ao time de Pep Guardiola abala o mundo do futebol, mas deixa um recado importantíssimo aos clubes: respeitem as regras.
Caso é exemplo para o Brasil
No Brasil ainda é fácil ver clube endividado, devendo salários e contratando; e raro ver uma punição esportiva eficiente que ataque o problema. A Câmara Nacional de Resolução de Disputas (CNRD) já deu um passo importante no caminho da moralidade na gestão esportiva, impedindo o Vasco no início desse ano de registrar atletas em função de dívidas trabalhistas. Mas ainda é pouco.
O fair play financeiro da CBF, que estava para ser apresentado esse ano, também pode ser um passo importante. Mas é preciso caminhar mais. E mais rapidamente. Bons exemplos existem para serem seguidos.
Vários diretores da Fifa já foram banidos do esporte (e inclusive presos) depois que uma investigação comprovou desvio de dinheiro e corrupção dentro da entidade, provocando um tsunami na entidade, chamado de Fifagate. O COB também passou por uma grande reformulação depois de denúncias de irregularidades.
O esporte não é, nem pode ser território sem leis. Regras e leis existem para serem cumpridas. E elas nascem justamente para preservar o princípio mais caro ao esporte: o da paridade de armas, que preserva a igualdade competitiva. Violar essas regras é acabar com o jogo limpo, é tirar vantagem, é boicotar a essência do esporte. Quem assim o faz, precisa ser punido. Independentemente do tamanho da bandeira que carregue.
Pelos dados apresentados na reportagem fantástica do Der Spiegel, pela dura punição imposta pela Câmara da UEFA, pela análise do caso, e pelas conversas com pessoas que trabalham nessa área, a situação do time de Pep é díficil. E, pelo momento que vivemos, em que transparência e gestão responsável são bandeiras necessárias e cada vez mais cobradas, ela se torna ainda mais complicada.
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