O Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) proferiu, nesta sexta-feira (4), uma decisão impactante que pode revolucionar as transações no futebol internacional. O Tribunal, com sede em Luxemburgo, considerou que as regras de transferências da FIFA violam a legislação europeia, uma vez que impõem restrições à liberdade de circulação de trabalhadores e à livre concorrência. O veredito foi dado ao julgar o caso do ex-jogador Lassana Diarra.
O Regulamento sobre o Status e Transferência de Jogadores (RSTP) da FIFA, mais precisamente em seu artigo 17, determina que um jogador que rescinde um contrato antes de seu término “sem justa causa” é responsável pelo pagamento de uma indenização ao clube, e, quando o atleta se junta a um novo clube, este será solidariamente responsável pelo pagamento da indenização.
De acordo com o TJUE, essas regras visam à “restrição da concorrência” e “não parecem ser indispensáveis ou necessárias”.
“Essas regras impõem riscos legais consideráveis, riscos financeiros imprevisíveis e potencialmente muito altos, além de grandes riscos esportivos para os jogadores e clubes que desejam contratá-los. Isso, em conjunto, impede as transferências internacionais desses jogadores”, afirmou o Tribunal Europeu.
Após o parecer do Tribunal Europeu, os tribunais da Bélgica, onde o caso se iniciou, investigarão mais a fundo o caso para novas decisões.
O sindicato internacional de jogadores profissionais de futebol (FIFPro) se manifestou sobre a decisão do caso. A entidade elogiou a decisão da corte, ao compreender “obstáculos e empecilhos” desse mercado, e pode beneficiar milhares de atletas, em atividade ou já aposentados.
“O Tribunal deixou claro que a carreira de jogador é curta, e esse sistema abusivo pode levar à aposentadoria prematura de um atleta. As atuais regras, afirma o tribunal, não contribuem para a proteção dos direitos dos trabalhadores. Graças ao julgamento de hoje, a Fifa vai ser forçada a atacar isso. O julgamento revoluciona a governança do futebol na Europa”, declarou a FIFPro, em nota.
Especialistas analisam os impactos da decisão do Tribunal Europeu
O advogado João Paulo Di Carlo afirma que a decisão desconstrói o conceito de clube indutor.
“A decisão do Tribunal Europeu considerou que o RSTP da FIFA, mais precisamente o artigo 17, não respeita o Tratado de Funcionamento da União Europeia, pois estaria violando a livre concorrência e a livre circulação dos trabalhadores. A decisão desconstrói o conceito de clube indutor, onde havia presunção de que um terceiro clube teria estimulado uma quebra contratual do atleta com o clube anterior, colocando, assim, o atleta e o novo clube como responsáveis solidários ao pagamento ao ex-clube do atleta que teria quebrado o contrato sem justa causa. Além disso, o novo clube e o atleta estariam sujeitos a sanções desportivas, assim como à não emissão do Certificado Internacional de Transferência pela Associação Membro do ex-clube”, explica o especialista em direito desportivo, que abordou anteriormente o tema em sua coluna no Lei em Campo.
“Ainda é cedo para afirmar as consequências para o mercado e como a FIFA tratará de alterar sua normativa. Mas, ao meu ver, a decisão ignorou a proteção que o dispositivo dava, sobretudo ao clube com o qual o atleta tinha contrato, assegurando a estabilidade contratual e, principalmente, o desejo das partes ao celebrarem o contrato de trabalho. Por outro lado, pode aumentar o assédio de outros clubes aos atletas sob contrato e causar extrema instabilidade no mercado, desprotegendo, ainda mais, o jogador, que tem poder aquisitivo infinitamente menor que o clube, não podendo, na sua grande maioria, arcar com os valores. Além disso, os jogadores são a parte mais vulnerável no que diz respeito ao conhecimento jurídico. Aguardaremos os próximos movimentos do mercado”, acrescenta o advogado.
Higor Maffei Bellini, advogado especializado em direito desportivo, diz que a decisão do Tribunal Europeu serve para lembrar que a FIFA é apenas uma entidade privada e que seus regulamentos não podem se sobrepor às leis dos países em que atua.
“A FIFA, assim como qualquer outra entidade esportiva, precisa entender que seus regulamentos são apenas normas internas, não leis. E, por terem apenas validade interna, qualquer um por ela prejudicado pode buscar a justiça do país. A decisão também é importante porque garante o direito do atleta de se transferir para qualquer outro empregador, além de evitar que tenha de pagar multas absurdas e desproporcionais que servem apenas para impedir a livre troca de empregadores”, avalia.
O “caso Lassana Diarra”
Em 2014, Lassana Diarra, ex-volante do Real Madrid, Chelsea e PSG, teve seu contrato rescindido pelo Lokomotiv Moscou, da Rússia, quando ainda tinha mais um ano de vínculo. O jogador não reconheceu a rescisão, mas, mesmo assim, foi condenado a pagar uma indenização.
O Lokomotiv afirmou que Diarra não cumpriu seu contrato e exigia 20 milhões de euros (R$ 124 milhões) perante a Câmara de Resolução de Disputas (DRC) da FIFA e a Corte Arbitral do Esporte (CAS).
A Câmara de Resolução de Disputas da FIFA condenou Diarra a pagar 10,5 milhões de euros ao Lokomotiv. Após a decisão, o ex-jogador recorreu ao TJUE.
Por conta do imbróglio com o clube russo, Diarra ficou um ano longe dos gramados. O ex-jogador alega que a situação prejudicou sua carreira, uma vez que possíveis equipes interessadas se afastaram de um acerto com o francês por conta da indenização devida ao Lokomotiv Moscou, conforme previsão no RSTP.
Crédito imagem: Imago
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