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Tributação de Prêmios em Apostas: mudanças promovidas pela IN 2.191/24, sua Inconstitucionalidade e ilegalidade

Entenda como a recente Instrução Normativa 2.191/24 da Receita Federal do Brasil alterou a base de cálculo para a tributação de prêmios em apostas, criando controvérsias jurídicas e gerando debates sobre a ilegalidade e a inconstitucionalidade da medida. A nova interpretação da lei traz custos adicionais para os apostadores, uma mecânica mais onerosa e viola o princípio da legalidade tributária, colocando em risco a segurança jurídica e a arrecadação esperada pelo governo. Este artigo analisa essas alterações e seus potenciais impactos no setor de jogos e apostas no Brasil.

  1. Contexto Geral

O artigo 31 da Lei 14.790/23 estabeleceu a forma de tributação dos prêmios pagos aos apostadores na modalidade lotérica de apostas de quota fixa.

Segundo o caput do artigo, a tributação pelo Imposto sobre a Renda será a uma alíquota fixa, no valor de 15%, sobre o prêmio líquido pago ao apostador:

“Art. 31. Os prêmios líquidos obtidos em apostas na loteria de apostas de quota fixa serão tributados pelo Imposto sobre a Renda das Pessoas Físicas (IRPF) à alíquota de 15% (quinze por cento).”

Os parágrafos do artigo explicavam o que se considerava ganho líquido, o período de apuração e forneciam indicações sobre a forma de recolhimento do imposto:

“§ 1º Para os efeitos do disposto neste artigo, considera-se prêmio líquido o resultado positivo auferido nas apostas de quota fixa realizadas a cada ano, após a dedução das perdas incorridas com apostas da mesma natureza.

§ 2º O imposto de que trata o caput deste artigo incidirá sobre os prêmios líquidos que excederem o valor da primeira faixa da tabela progressiva anual do IRPF.

§ 3º O imposto de que trata o caput deste artigo será apurado anualmente e pago até o último dia útil do mês subsequente ao da apuração.”

Em síntese, o Imposto sobre a Renda incidente sobre os prêmios seria calculado após a compensação de todas as perdas e ganhos que cada apostador tivesse durante o ano, nas diferentes plataformas em que jogou. Pela sistemática proposta, o recolhimento do imposto seria feito pelo próprio apostador, via carnê-leão.

Os vetos presidenciais esvaziaram essa abordagem, deixando uma grande lacuna legislativa. A Receita Federal do Brasil, para tentar suprir esse vazio legislativo, editou a Instrução Normativa 2.191/2024.

  1. Ganho Líquido

A referida normativa indicou que o ganho líquido previsto no artigo 31 da Lei 14.790/23 deve ser interpretado como “a diferença entre o valor do prêmio e o valor apostado, apurado para cada aposta, após o encerramento de evento real de temática esportiva, ou para cada sessão de evento virtual de jogo online”.

A Instrução Normativa 2.191/24 ainda enfatiza que “são indedutíveis as perdas incorridas em outras apostas ou sessões”.

Ou seja, diferentemente do que previam os dispositivos vetados da Lei 14.790/23, a compensação de perdas e ganhos em diferentes plataformas não foi permitida, e o período a ser considerado para apuração do ganho líquido foi drasticamente reduzido de um ano para uma aposta, no caso das apostas esportivas, ou uma sessão, no caso de jogo online.

Em termos práticos, se uma pessoa apostar no dia 1 do mês R$ 200,00 em um evento e ganhar R$ 3.000,00; no dia 2 apostar R$ 300,00 e perder toda a quantia; no dia 5 apostar R$ 500,00 e também perder tudo, ela teria a seguinte sistemática de tributação:

No texto original da Lei 14.790/23 (antes dos vetos), do total de prêmios recebidos no período (R$ 3.000,00), seria subtraído o valor da entrada vencedora (R$ 200,00) e o valor de todas as perdas (R$ 300,00 + R$ 500,00). Ou seja, o apostador teria tido um ganho de R$ 2.000,00. Como esse ganho seria inferior à primeira faixa de isenção da tabela do Imposto sobre a Renda, não haveria pagamento do tributo.

Agora, pela sistemática proposta pela Instrução Normativa 2.191/24, no mesmo exemplo, a tributação seria assim: do prêmio de R$ 3.000,00 ganho no dia 1, o apostador só poderia abater o valor da entrada, ou seja, R$ 200,00, obtendo um prêmio líquido de R$ 2.800,00. As perdas de R$ 300,00 e R$ 500,00 não seriam computadas. Desse modo, o apostador teria que pagar o Imposto sobre a Renda sobre qualquer valor dos R$ 2.800,00 que excedesse a faixa de isenção da tabela progressiva do Imposto sobre a Renda.

A mecânica proposta pela Receita Federal do Brasil por meio da Instrução Normativa 2.191/24 é muito mais onerosa do que o modelo originalmente previsto na Lei 14.790/23, o que pode afastar parte dos jogadores para o mercado paralelo, reduzindo a própria arrecadação estimada pelo Governo Federal.

  1. Aplicação da Faixa de Isenção

Por um lado, a Instrução Normativa 2.191/24 altera a mecânica de apuração do ganho líquido, mas por outro ela preserva a aplicação da isenção para os prêmios recebidos que não superem o teto da faixa de isenção da tabela progressiva do Imposto sobre a Renda.

Isso porque, mesmo que o veto tenha recaído sobre o dispositivo que previa a aplicação da referida isenção para apostas de quota fixa, já existia uma norma geral que tratava das loterias (art. 56 da Lei 11.941/09), que é aplicável às apostas de quota fixa e assegura o referido benefício fiscal.

Ou seja, a Instrução Normativa 2.191/24 tratou de apenas observar o disposto na Lei 11.941/09, que já previa que “o imposto de renda sobre prêmios obtidos em loterias incidirá apenas sobre o valor do prêmio em dinheiro que exceder ao valor da primeira faixa da tabela de incidência mensal do Imposto de Renda da Pessoa Física – IRPF”.

  1. Recolhimento na Fonte

Um último ponto relacionado ao recolhimento do imposto incidente sobre os prêmios pagos refere-se à forma de recolhimento.

Pela sistemática prevista originalmente na Lei 14.790/23, o recolhimento seria feito pelo apostador por meio do carnê-leão.

Já na Instrução Normativa 2.191/24, indica-se que o recolhimento do imposto será feito mediante “tributação exclusiva na fonte”, cabendo ao agente operador de apostas a responsabilidade pela apuração e pelo recolhimento do IRRF relativo às operações por ele realizadas.

Essa mecânica prevista na Instrução Normativa 2.191/24 reforça, pela sua natureza, o impedimento à realização de compensações de perdas e ganhos. Contudo, segue o racional previsto no artigo 732 do Regulamento do Imposto sobre a Renda (RIR/18).

  1. A Ilegalidade e a Inconstitucionalidade da Instrução Normativa 2.191/24

A Lei 14.790/23, no caput do seu artigo 31, define a base de cálculo do Imposto sobre a Renda incidente nos prêmios pagos aos apostadores como “ganho líquido”.

A base de cálculo de um tributo é um elemento integrante e basilar do seu fato gerador.

A Instrução Normativa 2.191/24, ao conceituar o que vem a ser prêmio líquido, avançou em uma seara de competência do legislador ordinário, apropriando-se, indevidamente, de atribuições que não lhe cabem. O correto seria haver uma lei ordinária definindo o que é “prêmio líquido”, o que não aconteceu devido ao veto presidencial ao parágrafo 2 do artigo 31 da Lei 14.790/23. Agora é necessária uma nova lei ordinária para tratar do assunto, para que o Imposto sobre a Renda incidente sobre prêmios possa ser adequadamente cobrado.

A lei ordinária ficaria dispensada de conceituar o “ganho líquido” apenas se essa fosse uma figura cuja definição já estivesse consolidada no âmbito do direito privado, conforme determina o artigo 110 do Código Tributário Nacional. Mas esse não é o caso; existem definições de “ganho líquido” provenientes do mercado financeiro, mas para “prêmio líquido” não há, sendo imprescindível uma lei ordinária para tratar do assunto.

Legislar por meio de ato executivo (por exemplo, instrução normativa) sobre a base de cálculo, que é um elemento integrante do fato gerador de tributo, fere frontalmente o princípio da legalidade tributária, previsto no artigo 150, inciso I, da Constituição Federal. Este princípio estabelece que a criação e a alteração de tributos, bem como a definição de seus elementos fundamentais, devem ser feitas por meio de lei formal, ou seja, lei aprovada pelo Poder Legislativo. A legislação tributária, portanto, requer processo legislativo regular, sem interferência de atos administrativos ou executivos.

Essa exigência é reiterada pelo Código Tributário Nacional, que em seu artigo 97, inciso III, afirma que “somente a lei pode estabelecer (…) a definição do fato gerador da obrigação tributária principal”, reforçando no inciso IV que a lei é o único veículo apropriado para a “fixação da alíquota do tributo e sua base de cálculo”.

O princípio da legalidade está inserido na Constituição Federal e no Código Tributário Nacional, exigindo, em matéria tributária, lei para instituir ou aumentar tributos. Assim, qualquer tentativa de regular fatos geradores de tributo ou elementos correlatos (como sua base de cálculo) por meio de atos executivos (como portarias, instruções normativas, etc.) é considerada ilegal e inconstitucional, por clara violação a este princípio.

O Supremo Tribunal Federal tem decisões que reforçam o princípio da legalidade tributária. Um caso significativo é o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 429, que invalidou um decreto do governo federal por entender que a determinação de requisitos para a incidência de tributos deve ser feita por lei e não por decreto.

Em outras decisões, como no Recurso Extraordinário (RE) 566621, o STF reiterou que o governo não pode criar ou aumentar tributos por meio de atos normativos inferiores à lei ordinária, reforçando a necessidade de respeito ao processo legislativo para a criação de obrigações tributárias.

O Superior Tribunal de Justiça também tem decisões que seguem a mesma linha da Suprema Corte. No Recurso Especial (REsp) 948963, o Tribunal reafirmou a impossibilidade de definir critérios ou elementos de tributos por meio de atos infralegais, sob pena de violação do princípio da legalidade.

  1. Conclusão

Portanto, qualquer ato administrativo que tente definir, alterar ou interferir no fato gerador ou em seus elementos relacionados a tributos é susceptível de ser considerado inconstitucional por violar o princípio da legalidade tributária. Os tribunais superiores brasileiros têm uma posição clara sobre o tema, mantendo a obrigatoriedade de definir tributos e seus elementos essenciais por meio de legislação formal aprovada pelo Poder Legislativo. Logo, a posição firmada pela Receita Federal do Brasil na Instrução Normativa 2.191/24, se desafiada e levada ao Judiciário, tende a ser derrotada, a menos que haja uma reviravolta jurisprudencial, o que é incomum e pouco provável.

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