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Trio de ataque contra o racismo no futebol brasileiro

Por Rogério Tavares

O ciclo do racismo no futebol brasileiro é, básica e objetivamente, assim:

O crime acontece, repercute, revolta, discursos acalorados, especialistas e personagens falam, um lado se defende, o outro acusa, penas prováveis, o calor do debate…que diminui, perde lugar nas manchetes, o julgamento acontece, tem recurso, nada de grande, de novo, de diferente.

A banalização venceu.

Faça o teste, pegue os últimos casos. Primeiras páginas, busca-se o criminoso (sim, é crime), se é da torcida x, o clube x se defende e justifica.

O ofendido se revolta. Especialistas aparecem e cravam: artigo 243 G do Código Brasileiro de Justiça Desportiva.

Art. 243-G. Praticar ato discriminatório, desdenhoso ou ultrajante, relacionado a preconceito em razão de origem étnica, raça, sexo, cor, idade, condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência: (Incluído pela Resolução CNE 29 de 2009). PENA: suspensão de cinco a dez partidas, se praticada por atleta, mesmo se suplente, treinador, médico ou membro da comissão técnica, e suspensão pelo prazo de cento e vinte a trezentos e sessenta dias, se praticada por qualquer outra pessoa natural submetida a este Código, além de multa, de R$ 100,00 (cem reais) a R$ 100.000,00 (cem mil reais). (Incluído pela Resolução CNE 29 de 2009). 

§ 1º Caso a infração prevista neste artigo seja praticada simultaneamente por considerável número de pessoas vinculadas a uma mesma entidade de prática desportiva, esta também será punida com a perda do número de pontos atribuídos a uma vitória no regulamento da competição, independentemente do resultado da partida, prova ou equivalente, e, na reincidência, com a perda do dobro do número de pontos atribuídos a uma vitória no regulamento da competição, independentemente do resultado da partida, prova ou equivalente; caso não haja atribuição de pontos pelo regulamento da competição, a entidade de prática desportiva será excluída da competição, torneio ou equivalente. (Incluído pela Resolução CNE 29 de 2009). 

§ 2º A pena de multa prevista neste artigo poderá ser aplicada à entidade de prática desportiva cuja torcida praticar os atos discriminatórios nele tipificados, e os torcedores identificados ficarão proibidos de ingressar na respectiva praça esportiva pelo prazo mínimo de setecentos e vinte dias. (Incluído pela Resolução CNE 29 de 2009). 

§ 3º Quando a infração for considerada de extrema gravidade, o órgão judicante poderá aplicar as penas dos incisos V, VII e XI do art. 170. (Incluído pela Resolução CNE 29 de 2009).

A letra fria da lei está aí. Na prática, tenta-se encontrar o criminoso na torcida, pune-se o clube com a perda de alguns mandos de campo e uma multa (quase que pra inglês ver).

Há, ainda, as pouquíssimas vezes em que o clube é punido com o débito de alguns pontos na competição, mas isso, quase sempre, é só em primeira instância.

No pleno, normalmente, a pena é modificada. Voltam-se os pontos, somam-se alguns reais a mais na multa e segue o baile, ou no caso, o jogo.

Fato é que o diferente disso entra no campo das raríssimas exceções.

É o ciclo da impunidade. O crime acontece, de início a repercussão é grande, a repressão pequena, o caso perde a atratividade para as manchetes, cai no esquecimento e volta a acontecer.

E você deve estar se perguntando. “tá, mas e daí? O que fazer de diferente? A lei não é essa? O artigo não está aí? Não há de se fazer tudo dentro da normatividade legal?”

A resposta é sim. Obviamente que sim. Entretanto é possível alterar o ciclo. Eu diria mais. É possível e fundamental, implodir tal ciclo.

Uma opção e a que vem mais rapidamente à cabeça das pessoas é mudar as leis. Deixar o Código mais rigoroso. Dar menos chance ao criminoso.

Claro que isso é uma alternativa que precisa ser levada em consideração, no entanto, levaria tempo e o desafio aqui é fazer acontecer desde já.

É preciso, com o que temos em mãos, punir exemplarmente para que o fato se torne cada vez mais raro.

Se estamos falando de racismo (e poderíamos estar aqui escrevendo sobre qualquer outro tipo de preconceito), estamos diante de crimes contra a honra. Sendo assim, o atleta ofendido pode ser protegido pelo CBJD e também pelo Código Penal Brasileiro. Uma dupla que precisa estar entrosada.

Façamos as contas. A injuria racial, com a Lei 13.964/19 (pacote anticrime) passa a ter a punição mais dura.  O crime “consiste na utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência”, a pena que é de 1 a 3 anos e multa, agora quando praticado nas redes sociais, passa a ter pena de três a nove anos e multa.

O clube, como já demonstrado acima, de acordo com o artigo 243-G do CBJD, pode receber multa, perder mandos e ponto.

E para aliviar a punição ao clube, temos o artigo 213 do mesmo Código Brasileiro de Justiça Desportiva, que por analogia, pode ser usado aqui. O § 3º fala em “autor da desordem”. O ato de injuria racial pode muito bem se encaixar no termo. Portanto, não vejo exagero em seu uso.

Pronto, temos o tripé para se construir um ciclo bem mais efetivo. Pensemos juntos.

Torcedor (ou torcedores) ofende alguém com gestos, palavras ou barulho. Entra em campo o artigo 243-G do Código Brasileiro de Justiça Desportiva. Usa-se o poder punitivo administrativo. A caneta tem que ser pesada. Penas para RACISTA ver. E quem paga? O clube!

Mas vai sobrar apenas para o clube a irresponsabilidade e insanidade de alguns?

Não. O clube tem como escapar do rigor da lei desportiva.

Aí entra o §3º do artigo 213 do CBJD. Caso identifique o “autor da desordem”, a punição ao time de futebol é diminuída de forma relevante ou até retirada.

Perceba que o clube ficará na responsabilidade de encontrar e buscar criminosos para que a sua própria situação melhore. E quem mais bem equipado e preparado para identificar essas pessoas?

É a garantia de que se alguns dirigentes ainda fazem vistas grossas para esse tipo de segurança nos estádios, começarão a ser obrigados a pensar de forma diferente.

E não acaba por aí, caso contrário voltaríamos ao ciclo vicioso anterior. Identificados os criminosos, hora da terceira parte desse tripé entrar em campo. O Direito Penal.

É de suma importância que o torcedor que ofendeu seja denunciado, enfrente o processo penal e seja punido. Além de um preconceituoso a menos nos estádios, estaríamos diante de casos que serviriam de exemplos práticos para inibir e coibir novos acontecimentos semelhantes.

Pode acontecer do réu se utilizar da conversão da pena privativa de liberdade em restritiva de direito, não ir preso, pagar multa ou/e ter que ficar “apenas” longe dos estádios por um determinado período. Mas percebeu o quanto ele vai se incomodar. Contratar advogado, preparar defesa, colocar a mão no bolso, pagar multa, ir ao fórum, sujar a ficha criminal (se é que não esteja suja) e se defender.

Com essa ofensiva em conjunto, o ciclo da impunidade tende a diminuir. A justiça desportiva tem que punir exemplarmente o clube que precisa buscar aliviar sua situação encontrando o criminoso que denunciado sofre penalmente as consequências.

Não é preciso estar diante dos holofotes para que as leis sejam utilizadas. Como no esporte é importante ter estratégia, estar dentro das regras, ter disposição, tentar, insistir, conseguir, punir, repetir e só assim começar a, de uma vez por todas, com efetividade e eficiência, dar um cartão vermelho ao preconceito dentro do futebol brasileiro.

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