A tensão política entre Armênia e Azerbaijão fez com que o meia Henrikh Mkhitaryan, do Arsenal, da Inglaterra, optasse por não viajar para Baku, capital do Azerbaijão, para a disputa da final da Liga Europa, no próximo dia 29 de maio.
“É uma situação muito sensível e mostra a falta de tato da Uefa em promover questões de direitos humanos. As entidades que comandam o esporte são muito atrasadas nessas questões de direitos humanos, e o direito de transitar é um direito das pessoas, muito embora a gente trate também da questão da soberania nacional. Promover uma final em um Estado que está em grave conflito com outro mostra total falta de noção, falta de zelo, em detrimento das pessoas que fazem o espetáculo, sejam eles atletas, sejam torcedores. É uma situação bastante incômoda”, afirma o advogado especializado em direito esportivo Américo Espallargas.
Não é a primeira vez que o Azerbaijão está no foco de violações de direitos humanos. Quase todos os anos, o Grande Prêmio de Baku de Fórmula 1 é realizado com protestos em relação a violações de direitos humanos. Manifestantes clamam para que a F1 saia do Azerbaijão e pedem liberdade de imprensa, liberdade de pensamento, fim das prisões arbitrárias.
Esta também não é a primeira vez que Mkhitaryan deixa de atuar no Azerbaijão. Quando ainda defendia as cores do Borussia Dortmund, da Alemanha, deixou de visitar o país pelo mesmo motivo, quando o Arsenal foi até o Azerbaijão e venceu o Qarabag por 3 a 0.
A tensão entre Armênia e Azerbaijão vem desde a década de 1980, com a Guerra de Nagorno-Qarabag, uma disputa territorial que, entre 1988 e 1994, passou por um cessar-fogo, mas que foi reavivada em 2016.
Em comunicado publicado em seu site, o Arsenal afirmou que expressou a preocupação para a Uefa. “Nós exploramos todas as opções para que Micki faça parte da equipe, mas, depois de discutir isso com Micki e sua família, concordamos coletivamente que ele não estará em nosso grupo de viagem. Estamos muito tristes que um jogador perca uma grande final europeia em circunstâncias como essa, já que é algo que surge muito raramente na carreira de um jogador”, declarou o clube.
Para especialistas, tanto a entidade que rege o futebol europeu quanto o país que sediará a final são responsáveis pela ausência de Mkhitaryan na grande decisão diante do rival londrino do Arsenal, o Chelsea.
“O papel [de garantir a segurança de Mkhitaryan] seria tanto da Uefa quanto das autoridades do Azerbaijão, que deveriam prezar pela segurança dele. O papel do Arsenal está correto. Ele tem que preservar o seu atleta, o seu empregado, garantindo a segurança dele. Se não for possível garantir a segurança dele jogando em outro país, ele fez certo, mesmo que ele sofra esportivamente com isso”, ressaltou o especialista em direitos humanos Vinicius Calixto.
“Eu diria [a Mkhitaryan] ‘você é um atleta profissional, você é um jogador de futebol e um jogador de futebol de classe A’, então vamos garantir que este seja um evento de classe A se nosso objetivo é fazer uma grande final”, afirmou o embaixador do Azerbaijão no Reino Unido, Tahir Taghizadeh, em entrevista ao canal de TV Sky Sports.
A porta-voz do Ministério das Relações Exteriores do governo armênio, Anna Naghdalyan, disse que, com esse episódio, o Azerbaijão “[mostra uma] nova manifestação de racismo, e isso põe em dúvida a realização de eventos internacionais similares no país”.
Vinicius Calixto pondera que o Azerbaijão tem tentado de todas as formas dissociar o país dessas questões perante a comunidade internacional, mas que não tem conseguido o resultado esperado.
“É mais um passo que o governo do Azerbaijão tenta de passar uma imagem de tranquilidade e estabilidade de um governo marcadamente violador dos direitos humanos. Eles usam o esporte para se promover internacionalmente como um país estável e teoricamente livre”, explicou.
Mesmo que sofra as consequências de não poder contar com um dos seus principais jogadores, e que venha a perder o título por causa disso, só restará ao Arsenal lamentar que a decisão da Liga Europa, que dá ao vencedor uma vaga na próxima edição da Liga dos Campeões, seja jogada no Azerbaijão.
“O impacto desse tipo de atitude está mais vinculado ao efeito midiático da atitude, expõe o conflito, coloca a questão em cena. Não existe uma questão jurídica em si, porque não há proibição da participação do atleta. O que existe é o reconhecimento do clube da tensão internacional”, explicou Mônica Sapucaia, doutora e mestre em Direito Político e Econômico e coordenadora e autora da obra “Women’s Rights International Studies”.
Esse não é o único caso em que uma tensão política impede um atleta de disputar um jogo em outro país. Em janeiro deste ano, o pivô turco Enes Kanter, então jogador do New York Knicks, deixou de viajar para a Inglaterra. Opositor do presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, a quem ele chama de ditador, Kanter temia ser preso assim que desembarcasse em Londres, o que teria acontecido, já que, enquanto o Knicks viajava, a Turquia emitiu um sinal de alerta para que a Interpol prendesse Kanter, que hoje joga pelo Portland Trail Blazers.