Uma triste história de preconceito teima em se repetir nos estádios pelo mundo, em especial na América do Sul. Atos de injúria racial se repetem a cada rodada, principalmente direcionados a torcedores brasileiros. Foi assim contra a torcida do Inter, do Flamengo, Athletico e por aí vai. Mesmo com a possibilidade de sanções mais duras desde o ano passado, o imaginário da impunidade reina solto no ambiente esportivo sul-americano.
Nem seria preciso mudar o regulamento Conmebol para aplicar sanções mais duras contra injúria racial e racismo no futebol. Bastaria aplicar a regra, analisando princípios gerais e a proteção de direitos humanos, entendendo que futebol e direito não se separam. Mesmo assim…
Pressionada – inclusive pelo presidente da CBF, Ednaldo Rodrigues, que pediu penas mais duras contra o racismo -, a Confederação Sulamericana de Futebol endureceu o combate ao preconceito. Em maio do ano passado (há um ano), ela mudou o Código Disciplinar, tornando mais pesadas as sanções contra atos de discriminação em todas as competições da entidade “por motivação de cor de pele, raça, sexo ou orientação sexual, etnia, idioma, credo ou origem”.
Segundo a entidade, a multa mínima a ser aplicada a clubes ou associação em que o torcedor infringir a regra, passou a ser de US$ 100 mil – anteriormente era de US$ 30 mil. Além disso, a Unidade Disciplinar que julga os casos dentro do Tribunal privado da entidade pode impor a pena de o clube jogar um ou várias partidas sem torcida, ou até o fechamento parcial do estádio do clube.
Mas o que se vê nos estádios mostra que da regra para a prática ainda há uma distância. O futebol ainda não conseguiu criar um um ambiente livre do preconceito.
A mudança passa a ser importante para combater uma realidade preocupante.
Atos de injúria racial se multiplicaram nos estádios do continente, o que gerou uma onda de protestos pelo sentimento coletivo de impunidade e a Conmebol foi muito cobrada recentemente.
A verdade é que as penas brandas, com valores financeiros pequenos e sem punição desportiva ajudam a alimentar o imaginário da impunidade que catalisa ações discriminatórias.
O Código Disciplinar da Conmebol trazia até maio do ano passado punições leves para casos de racismo. O art. 17 previa sanção para o clube quando sua torcida fizer manifestação que possa “agredir a dignidade humana de outra pessoa ou grupo de pessoas, por qualquer meio, por motivos de cor da pele, raça, sexo ou orientação sexual, etnia, idioma, credo ou origem”.
Mas a sanção prevista só tratava de valores financeiros, não previa penas como perda de pontos e de mando de campo.
Na maioria das vezes, a entidade sul-americana aplicava uma multa mínima de US$ 30 mil (R$ 150 mil) aos clubes, como foi feito com o River Plate no caso que terá que pagar o valor por conta que um de seus torcedores arremessou uma banana em direção à torcida do Fortaleza no Monumental de Núñez.
Isso não ajudava a combater o problema. Alimentava o sentimento de impunidade.
A regra mudou e – mesmo assim – 2023 apresenta os mesmos problemas de anos anteriores.
Por que?
Falta efetividade na aplicação de direitos.
Políticas só funcionam quando aplicadas
Na proteção de direitos humanos, os julgadores do movimento esportivo devem ir além do regulamento de uma entidade. Eles podem, inclusive, buscar o que prevê o estatuto da entidade-mor do futebol mundial.
O art. 3, traz o compromisso de que a “FIFA está comprometida com o respeito aos direitos humanos internacionalmente reconhecidos e deverá empreender esforços para promover a proteção desses direitos”.
Em 2019, o Código Disciplinar da FIFA se posicionou de maneira firme, apresentando caminho para punições à violação de Direitos Humanos, como injúria racial e homofobia. E previa penas duras.
Diz o art 13, em tradução livre:
13 Discriminação – Qualquer pessoa que ofenda a dignidade ou integridade de um país, uma pessoa ou grupo de pessoas por meio de palavras ou ações desdenhosas, discriminatórias ou depreciativas (por qualquer meio) em razão da raça, cor da pele, etnia, nacional ou social origem, gênero, deficiência, orientação sexual, idioma, religião, opinião política, riqueza, nascimento ou qualquer outra condição ou qualquer outro motivo, serão punidos com uma suspensão de pelo menos dez jogos ou um período específico, ou qualquer outra medida disciplinar apropriada .
Lembrando que todos que fazem parte da cadeia associativa do futebol e aderem às regras da Fifa.
Mas além dos regramentos esportivos, é importante lembrar que o direito vai muito além daquilo que está tipificado de maneira geral e abstrata. No caso concreto, princípios, direitos humanos e peculiaridades precisam ser analisados.
Esporte não se separa do direito, nem da proteção de direitos humanos. Existe caminho para se punir o preconceito. Além de campanhas que conscientizam, é preciso punir. A força coercitiva do direito também tem papel educativo.
Direitos humanos vão além de políticas. Eles precisam ser práticas permanentes.
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