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Um livro, amigos e uma revolução no esporte

Foi um encontro de amigos. O que já é sempre muito bom. Mas dessa vez foi mais do que isso. Foi um encontro de amigos preocupados com a proteção de direitos humanos no esporte. Nesta segunda (17) lancei em São Paulo o livro Direitos Humanos e exporte, como “Caso George Floyd” ajudou a transformar as regras do jogo.

O livro teve como embrião o trabalho de conclusão de mestrado. Nas aulas, fui atropelado como muitos no mundo pelo absurdo da morte covarde de um negro nos Estados Unidos. George Floyd, que nunca entrou numa quadra, pista ou campo como atleta profissional, acabou sendo o estopim para uma revolução humana no ambiente esportivo. A neutralidade precisava ser questionada.

A neutralidade questionada

O esporte busca permanentemente uma neutralidade. Por sua natureza agregadora, ele tenta se distanciar dos problemas do mundo, com o desafio de criar um ambiente neutro no qual a única preocupação seja a competição. Dentro dessa ideia, ele tipifica regras internas. Algumas delas limitam as manifestações dos atletas, negando inclusive direitos fundamentais, como a liberdade de expressão.

Como exemplo temos a Regra 50 da Carta Olímpica, uma espécie de “Constituição” do movimento olímpico. Ela se tornou foco de grandes discussões dentro do esporte às vésperas dos jogos de Tóquio 2021. A regra proíbe “manifestações políticas” de atletas no pódio e nas áreas de evento esportivo. As Federações Internacionais de futebol também têm regras que proíbem “manifestações políticas” nos eventos esportivos.

Historicamente, essas regras geraram questionamentos e protestos individuais de atletas. E eles foram punidos por essas manifestações. Um caso que repercutiu mundialmente foi o dos atletas norte-americanos que levantaram o punho no pódio num gesto antirracista nas Olimpíadas de 1968, no México. Thommy Smith e John Carlos, com base em regulamentos internos e nas sanções previstas, foram expulsos da delegação olímpica e banidos do esporte pelo Comitê Olímpico Internacional.

Muitos outros foram punidos no futebol, no futebol americano e em outros esportes, com base em regulamentos internos, por levantarem a bandeira dos direitos humanos, que são protegidos — inclusive — pela Carta Olímpica, que prevê nos princípios 2 e 4, o combate ao preconceito, a proteção da igualdade e da dignidade humana.

Ou seja, para garantir essa neutralidade desejada, o esporte se utiliza de mecanismos coercitivos apresentados nos regulamentos internos. Esses funcionam também como freios para participação política de atletas, inclusive na proteção de Direitos Humanos.

Através da força coercitiva, o esporte vinha encontrando uma aparente calmaria, com poucos atletas dispostos a se manifestar em defesa de Direitos Humanos, correndo o risco de enfrentar uma provável sanção. Isso, até 25 de maio de 2020.

Foi nessa data que morreu George Floyd, um negro, assassinado por um policial branco nos EUA. As imagens correram o planeta e rapidamente uma grande onda de protestos tomou conta do mundo. E, claro, chegou no esporte.

Floyd e a transformação

De maneira espontânea, vários atletas esqueceram os regulamentos internos, a força coercitiva do direito e começaram a se manifestar contra o racismo e pela igualdade, na contramão do interesse do movimento esportivo. Pela proporção que a mobilização ganhou, com o reforço da opinião pública e de patrocinadores, o esporte teve que ceder.

Houve a quebra de um paradigma, do histórico déficit de participação dos atletas nas discussões sobre o esporte foi vencido. O esporte passou a viver a experiência dessa ruptura com um passado de silêncio e punições.

Com pressão interna e externa, a força coercitiva dos regulamentos não foi mais capaz de manter o esporte em “território neutro” e ele cedeu. A irritação provocando aprendizados no movimento autônomo do esporte. Atletas reforçando que direitos humanos são um autolimite do próprio movimento esportivo.

A mudança esta em curso. O próprio Tribunal Arbitral do Esporte (TAS) tem apresentado decisões que vão muito além dos regramentos privados do esporte, analisando leis e tratados de direitos humanos, reconhecendo a natureza do esporte de proteção de direitos inegociáveis.

A mudança está em curso

O livro fala sobre o episódio, sobre a participação dos atletas nas decisões do esporte, liberdade de expressão, vigilância do Estado sobre o esporte. Fala sobre direitos humanos.

E ver no lançamento do livro da Editoria Almedina, na Livraria da Travessa em São Paulo, tantos amigos interessados pelo tema, ver como a pauta esportiva começou a tratar desse tema, ver como a sociedade se posicionou e passou a exigir mais direitos, me deixa feliz. Feliz por ajudar a propor reflexões sobre um dos temas mais urgentes no mundo esportivo.

Crédito imagem: Getty Images

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