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Uma conquista histórica: mulheres poderão torcer pelo Irã nas eliminatórias

Não foi só a pressão da FIFA. Foi, principalmente, um movimento antigo, encabeçado pelas próprias iranianas apaixonadas por futebol. E deu certo: mulheres poderão assistir às partidas das eliminatórias para a Copa do Mundo de futebol masculino na República Islâmica em outubro, conforme noticiou a agência de notícias oficial da IRNA.

“As mulheres podem ir ao estádio Azadi, em Teerã, para assistir à partida entre a seleção nacional do Irã e o Camboja, em outubro, para a eliminatória da Copa do Mundo do Catar”, afirmou o vice-ministro do Esporte, Jamshid Taghizadeh, segundo o IRNA.

Em junho destaquei aqui que a FIFA tinha, finalmente, se posicionado com relação à proibição de mulheres nos estádios iranianos. Ela abraçou um movimento que começou no país e ganhou o mundo, pedindo liberdade de escolha às iranianas que querem acompanhar futebol.

É sempre bom destacar que os artigos 3 e 4 do estatuto da FIFA apontam o compromisso da entidade com os direitos humanos e a luta contra discriminação de qualquer tipo – explicitando a questão de gênero –, pela igualdade e neutralidade. Mas nem sempre a entidade olha para o próprio estatuto.

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Vale lembrar a história dessa longa batalha.

No Irã mulheres não podem frequentar estádio em jogos entre homens

No Irã estrangeiras têm acesso limitado aos jogos. Já as iranianas estão proibidas de frequentar as arquibancadas desde a Revolução Islâmica de 1979, que transformou o Irã em uma República baseada nos preceitos religiosos do islamismo e mudou radicalmente a estrutura social do país.

Apesar de o país contar com uma Constituição, o comportamento das pessoas é ditado  pela sharia, o conjunto de normas do Alcorão. As ideias islâmicas acabam retirando direitos das mulheres, como a ida aos estádios. Sob o ponto de vista dessa corrente do islã, o ambiente do futebol causa muita exposição às mulheres, e seria um território “pecaminoso” para elas.

Mas a pressão por mudanças é grande. As mulheres não aceitam passivas essa restrição. Mesmo proibidas, algumas torcedoras vão aos estádios disfarçadas. Outras participam ativamente de movimentos no exterior pedindo a permissão de mulheres nos estádios, como o coletivo “Open Stadiums”, criado em 2005.

A situação das mulheres nos estádios parecia caminhar para uma flexibilização quando, no ano passado, um grupo de mais de mil torcedoras pôde assistir à final da Liga dos Campeões da Ásia, entre Persépolis e Kashima Antlers. Infantino estava presente no Estádio Azadi nesse jogo. Mas depois da final, as torcedoras não tiveram mais acesso a jogos.

As torcedores iranianas fazem campanha há muito tempo para poder assistir ao futebol masculino e, ocasionalmente, um número limitado de mulheres pode entrar no estádio. Em junho, algumas mulheres foram detidas pelas forças de segurança quando foram ao Estádio Azadi para um amistoso contra a Síria. No ano passado, algumas mulheres arriscaram ser presas vestindo barbas e perucas falsas para participar de um grande jogo no estádio.

Depois da proibição que veio com a Revolução de 1979, o futebol feminino voltou com força a partir de 2005, quando uma seleção foi montada para disputar um campeonato da Ásia Ocidental.

Uma briga jurídica que transformou o esporte

Com a seleção iraniana montada a partir de 2005, as mulheres do país começaram a sonhar mais alto: elas queriam disputar os Jogos Olímpicos. A oportunidade viria em 2012, nos Jogos de Londres, mas uma regra imposta pelo Comitê Olímpico Internacional e pela FIFA transformou o sonho em frustração.

As mulheres muçulmanas usam o hijab, um véu islâmico que cobre cabelo e pescoço. No dia a dia e também na prática esportiva. No Irã, por exemplo, o uso do véu pelas mulheres que se expõem publicamente é uma imposição do ordenamento jurídico. E isso já trouxe inúmeros problemas às federações esportivas do país. No futebol, no judô, no basquete, no boxe.

O problema é que regras esportivas de várias modalidades vedavam o uso do hijab em competições, alegando que ele poderia comprometer a saúde dos atletas, aumentando o risco de lesões na cabeça e no pescoço. O cenário ajudava a afastar ainda mais as mulheres muçulmanas de competições esportivas internacionais. De novo, um conflito entre Lex Sportiva e Direitos Humanos.

A aceitação do mundo do esporte

Em 2011 a seleção de futebol feminino do Irã foi eliminada das eliminatórias para os Jogos Olímpicos de Londres 2012 porque as atletas se recusaram a tirar o hijab na partida contra a Jordânia. A decisão da FIFA repercutiu, e várias entidades muçulmanas, além de outras de direitos humanos, como também atletas, se uniram em uma campanha chamada “Let us play”.

Com o auxílio da tecnologia, os véus foram adaptados à prática esportiva, diminuindo a força dos argumentos daqueles que defendiam que ele era perigoso e ameaçava a saúde dos atletas. A FIFA cedeu e, em 2014, anunciou que permitiria o hijab em competições nacionais.

O diálogo venceu. Segundo o advogado, escritor  e colunista do Lei em Campo Vinicius Calixto, no livro “Lex Sportiva e Direitos Humanos”, “a retirada da proibição do uso do hijab é inegavelmente uma ação que tem consequências práticas no caminho da inclusão no esporte e vai ao encontro dos princípios olímpicos de não discriminação e da prática do esporte como um direito humano”.

Ou seja, existe sempre a possibilidade do diálogo. Com bom senso e flexibilidade, é possível conciliar questões religiosas com o esporte, encontrando boas soluções para a sociedade. E esse diálogo só se torna possível com a mobilização de todos, das mulheres do Irã, dos movimentos sociais e das entidades esportivas.

Que bom que a FIFA, finalmente, decidiu falar.

E que bom que o governo iraniano finalmente decidiu ouvir.

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