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Uma única entidade acumulava os papéis de comitê olímpico e confederação esportiva no Brasil

Pauso um pouco a série acerca dos primórdios da justiça esportiva brasileira, como venho fazendo por meio da análise das primeiras atividades do Conselho Nacional de Desportos, para repercutir um fato que transparece nos documentos históricos que estou revelando.

Vocês já devem ter percebido, nos artigos anteriores, que, durante todas as primeiras reuniões do CND, em 1941, o ministro Gustavo Capanema, presidente do órgão, e Luiz Aranha, que, além de também ser seu membro, presidia a Confederação Brasileira de Desportos (CBD), não se encontraram. Enquanto Capanema fez questão de participar e presidir as sessões iniciais do CND, Luiz Aranha se absteve. E quando ele resolveu enfim tomar posse no colegiado e ir às suas reuniões, o ministro deixou de participar, deixando a presidência a cargo de um interino.

Não me parece ser somente coincidência, sobretudo se jogarmos luz sobre os fatos que antecederam a criação do CND e que envolvem esses dois poderosíssimos personagens históricos.

Proponho, para tanto, começar por um pequeno resumo sobre os primeiros anos de organização esportiva no Brasil.

Vamos lá.

Em 1914, por iniciativa de Raul do Rio Branco, filho do Barão homônimo, foi criado o Comitê Olímpico Nacional, depois renomeado para Comitê Olímpico do Brasil (COB). Contudo, na mesma solenidade ocorrida na sede da Federação Brasileira das Federações de Remo, no Rio, também foi criada a Federação Brasileira de Sports (FBS), que depois viria a ser denominada por Confederação Brasileira de Desportos, a CBD.

Explico. Como na época ainda se estruturava o Movimento Olímpico sob comando do Comitê Olímpico Internacional (COI), não havia obrigatoriedade de que cada país mantivesse seu comitê olímpico nacional. Assim, o COB nasceu para representar o país nas atividades internacionais, enquanto a CBD, para organizar o esporte nacional. Porém, a confederação também já surgiu com funções na representação esportiva no exterior. E assim, o Brasil seguiu em 1920 para Antuérpia, na Bélgica, para sua estreia em Jogos Olímpicos.

Todas as outras edições até 1938 tiveram delegações brasileiras comandadas diretamente pela CBD. O COB caía em desestruturação e só se reorganizaria em 1935, já sob influência de uma das alas que se digladiavam no chamado “Dissídio Esportivo”.

Aqui, portanto, está a chave para que se entenda o distanciamento entre Luiz Aranha e Gustavo Capanema após da intervenção do Estado Novo na organização esportiva nacional no início dos anos 1940.

A CBD nasce já sob o comado de Arnaldo Guinle, representante de uma das mais ricas e influentes famílias brasileiras. Ainda que sediados no Rio de Janeiro, os Guinle tinham projeção nacional, comandando, por exemplo, o Porto de Santos, em SP.

Ocorre que, logo depois da consolidação da Revolução de 1930, com a vitória sobre a contrarrevolução ocorrida em 1932 em território paulista, um grupo de oposição a Arnaldo Guinle toma a direção da CBD.

O contexto era o seguinte, como já contei em edições passadas: como a CBD não permitia a profissionalização de atletas, um grupo dissidente se formou sob a liderança dos botafoguenses, sob comando de Rivadavia Meyer.

Iniciou-se uma fragmentação das organizações esportivas fluminenses e paulistas, sobretudo do futebol, culminando com a criação, em 1933, da Federação Brasileira de Futebol (FBT), rival da CBD.

O que estava ocorrendo era uma investida do grupo profissionalista contra a unidade representativa que a CBD incorporara. Isso porque a organização esportiva brasileira à época (anos 1930) era totalmente diferente da atual. A CBD, com a abstenção do COB, fazia as vezes tanto de comitê olímpico nacional do país como de confederação de cada uma das modalidades esportivas existentes então, incluído o futebol.

Entenda: a CBD tanto se filiava diretamente ao COI como, ao mesmo tempo, tinha assento em cada uma das federações internacionais esportivas das modalidades que representava, como na FIFA.

O que Rivadavia Meyer e seu grupo conseguiram foi quebrar essa unidade, seja no futebol seja em outros esportes (atletismo e natação, por exemplo).

Assim foi evoluindo a disputa até que, em 1933, em uma assembleia geral da CBD, o grupo de Meyer forma maioria e dá um “golpe branco” em Arnaldo Guinle. O fato se deu com a aprovação pelos membros da assembleia pela criação de um Conselho Administrativo que sobreporia as funções do presidente da própria entidade (que à época era Renato Pacheco, aliado de Guinle). Mais inteligente ainda, Rivadavia Meyer convidaria um dos mais influentes líderes nacionais da Revolução de 1930, o gaúcho Luiz Aranha, para assumir a presidência do Conselho Administrativo e, assim, a presidência de fato da CBD.

Já contei aqui algumas vezes quem era Luiz Aranha, mas, para ajudar aos que não leram os artigos mais antigos, recorro-me deste breve resumo do relevo político do líder gaúcho muito bem redigido por Denaldo Alchorne de Souza:

“Luiz Aranha era irmão de Oswaldo Aranha, figura proeminente da política nacional e que teve grande influência em sua formação política. Na década de 1920 lutou ao lado do irmão contra os “tenentes”. Em 1930 participou ativamente das articulações que levaram ao movimento armado de outubro. Foi um dos fundadores do Clube 3 de Outubro e do Partido Autonomista do Distrito Federal. Recusou, em dois momentos distintos, o convite feito por Getúlio Vargas para disputar a prefeitura do então Distrito Federal. Também lhe ofereceram o cargo de chefe da polícia do Distrito Federal e o de Chefe da Casa Civil da Presidência, recusando sempre.” (ALCHORNE DE SOUZA, Denaldo. O Brasil entra em ação! Construções e reconstruções da identidade nacional (1930-1947). São Paulo: Annablume, 2008. p. 47)

Com esse golpe de mestre, o grupo botafoguense, do qual também fazia parte João Lyra Filho, o pai-fundador do Direito Esportivo brasileiro, não apenas vence a batalha do profissionalismo, como também desaloja o poderoso Arnaldo Guinle do comando da CBD.

Entretanto, Guinle não se deu por vencido e inverte os papéis com Rivadavia Meyer, comandando uma forte oposição de federações e confederações especializadas não pertencentes aos quadros da CBD. Também acaba por recriar o COB, como já disse acima.

Luiz Aranha, portanto, toma as rédeas do movimento esportivo brasileiro sem a intervenção do Estado, mas conduz a CBD em um ambiente de divisão e fragmentação generalizada, regional e nacionalmente. Esse quadro só se encerraria em 1941, justamente quando a maior ameaça ao seu poderio passa a ser o ministro da Educação e Saúde, Gustavo Capanema.

Continuo esta história na próxima edição.

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