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Uma vez repatriado e punido, poderia Lucas Paquetá atuar pelo Flamengo?

Na última semana, explodiu como uma bomba no noticiário esportivo a especulação envolvendo a possibilidade de o atleta Lucas Paquetá, atualmente em atividade no West Ham, da Inglaterra, ser repatriado e contratado pelo Flamengo. Seria uma notícia absolutamente banal não estivesse o jogador no centro da polêmica envolvendo a denúncia da Federação Inglesa (FA) por suposta violação das regras envolvendo apostas em quatro partidas da Premier League. A grande questão que se coloca é: caso punido na Inglaterra, poderia o atleta atuar normalmente no Brasil? Vale frisar que nosso ensaio não pretende perquirir sobre a responsabilidade do jogador no(s) episódio(s), até porque há um processo em curso (que é sigiloso) e há que se resguardar o legítimo direito de defesa do acusado. Nossa análise ocorre no condicional, com a proposta exclusiva de analisar a viabilidade da operação no plano do direito desportivo na hipótese da imposição de punição.

Após investigações que duraram quase um ano (razão pela qual o jogador teria perdido a oportunidade de se transferir o Manchester City na última temporada e chegou a ser desconvocado da Seleção Brasileira), a FA denunciou formalmente o atleta em maio passado por má conduta em relação a apostas em quatro partidas disputadas na temporada 2022/2023 da Premier League, por ter supostamente forçado cartões amarelos nas referidas pelejas. Atualmente, o processo está em fase de apresentação da defesa do atleta, já que lhe foi conferida uma dilação de prazo para tal. Ainda não há a possibilidade de prever quando haverá uma decisão sobre o caso, daí que, em homenagem ao princípio da presunção de inocência, o atleta está totalmente liberado para jogar, tanto que atuou normalmente na Copa América pela Seleção Brasileira.

Na Inglaterra, há grande preocupação envolvendo a participação de futebolistas em apostas esportivas, especialmente por conta do risco de ferimento da integridade das competições, da imprevisibilidade do resultado, da imagem do esporte e do mérito esportivo diante do problema da manipulação de resultados que, arriscamos dizer, talvez seja o maior desafio da história do esporte. A fiscalização tem sido ferrenha e vários atletas já foram punidos com suspensões longas e pesadas. Pelas regras em vigor, os atletas são expressamente proibidos de apostar, mesmo que não estejam atuando nas partidas objeto das apostas. Protege-se não apenas a integridade em si, mas também a aparência de integridade. O próximo passo será a restrição à publicidade. A liga inglesa proibiu, a partir da temporada 2026/2027, que as bets figurem como patrocinadores masters das equipes.

Neste momento, cabe ao atleta apresentar sua defesa, como forma de preservação do contraditório e da ampla defesa. O julgamento será feito por um colegiado ou comitê independente da federação e da liga inglesa. Da decisão cabe recurso voluntário em grau de apelação a outro painel, também independente. Desta última decisão “doméstica”, ainda cabe recurso ao Tribunal Arbitral do Esporte (TAS), na Suíça. Em última análise, ainda seria possível um último recurso excepcional da decisão do TAS ao Tribunal Federal Suíço (o STF suíço) em caso de violação às garantias fundamentais do processo, conforme prevê o Código Federal Suíço de Direito Internacional Privado – PILA. Caso comprovada a responsabilidade do jogador, fica o mesmo sujeito a uma longa suspensão e, até mesmo, ao banimento. Não obstante, como o atleta é primário, esta última possibilidade nos parece mais remota.

Como o atleta está em um momento de baixa por contas pesadas acusações, a investida do Flamengo poderia fazer sentido sob o ponto de vista puramente negocial e desportivo, desconsiderando a questão moral subjacente. Em primeiro lugar, seria uma bela uma oportunidade de contar com o jogador, de nível internacional e formado em suas categorias de base, por um montante bem abaixo daquele que seria o valor de mercado regular de seus direitos econômicos. Em segundo plano, é provável que o julgamento ainda demore muitos meses para ser finalizado, o que poderia viabilizar a operação por empréstimo, por exemplo. Por mais, eventual punição, em tese, ficaria restrita ao futebol inglês, o que viabilizaria sua atuação no futebol brasileiro mesmo em caso de punição. Ocorre que o clube brasileiro, certamente bem assessorado juridicamente, sabe que esta última possibilidade pode cair por terra caso a Federação Inglesa acione a previsão do art. 70 do Código Disciplinar da FIFA, que possibilita que as punições aplicadas por tribunais desportivos nacionais por conta de infrações disciplinares consideradas graves sejam comunicadas à entidade máxima do futebol para que as sanções sejam estendidas a nível mundial, regra criada exatamente para evitar que os atletas punidos transformem as punições domésticas em letra morta ao serem negociados com clubes do exterior. Dado o rigor na questão das apostas, é possível assumir o mecanismo de internacionalização da eventual punição será acionado.

Desta maneira, caso punido, poderia Paquetá atuar pelo Flamengo ou em qualquer outra liga que não a inglesa? Não há uma resposta definitiva, tudo dependerá da dinâmica do processo em curso e, especialmente, da cadeia recursal que provavelmente será acionada em caso de condenação. Como há a possibilidade de três instâncias recursais após uma eventual condenação de primeira instância, basicamente o efeito suspensivo que poderá ser atribuído aos recursos interpostos é que funcionará como chave da questão, mesmo com a possível internacionalização da eventual sanção. Como o efeito suspensivo impede a produção de efeitos da decisão recorrida durante a tramitação do recurso no qual foi concedido e, considerando que a tramitação recursal costuma ser relativamente lenta, caso o atleta tenha sucesso nos requerimentos de concessão daquele efeito, isto o tornaria apto a atuar, ainda que provisoriamente. Como o pedido de efeito suspensivo é, em verdade, um pedido de medida urgente, o jogador, na qualidade de recorrente, teria o ônus de comprovar a alta probabilidade de provimento de seus recursos (fumus boni iuris) e o risco de dano de difícil ou impossível reparação caso a punição seja cumprida de imediato (periculum in mora), os quais, em verdade, figuram como requisitos genéricos da tutela provisória de urgência no sistema comum.

A operação é alto risco. Caberá ao Flamengo ou qualquer outro clube interessado analisar a relação custo-benefício da transação, assim como o staff do atleta, que legitimamente precisará encontrar um caminho para revigorar sua carreira em caso de punição.

Crédito imagem: West Ham

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