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VAR: as polêmicas continuam…

Por Ana Cristina Mizutori e Eric Alves Azeredo

Em junho de 2016, a International Football Association Board (IFAB), órgão que determina as Regras de Futebol, aprovou a utilização do VAR (do inglês, Video Assistant Referee), o popular árbitro de vídeo. Desde então, tem sido alvo de intensas críticas em vários locais do mundo.

Usado no Brasil pela primeira vez em 2017, em um jogo do Campeonato Pernambucano, essa tecnologia se firmou e ganhou visibilidade quando foi implementada em todas as partidas da Copa do Mundo da Rússia em 2018 quando o VAR alterou 17 vezes uma decisão do árbitro de campo, a principal delas na final quando o árbitro reviu e marcou um pênalti para a França quando a partida estava 1 a 1.

O VAR atua em 4 situações: no lance de gol, na marcação de pênalti, na aplicação do cartão vermelho e no erro de identificação de jogadores.

No lance de gol, o VAR auxilia na identificação de alguma infração que possa invalidar o gol, incluindo o impedimento que por ser basear em decisão tomada em linhas traçadas, não cabe, em princípio, maiores interpretações. Porém, ainda é frequente se ouvir comentários contrários à marcação de impedimentos. Por esse motivo, o Chefe de Arbitragem da Premier League, Mike Riley anunciou, recentemente, que as linhas que traçam os impedimentos serão mais grossas.

Atualmente, as linhas do VAR têm um pixel de largura e indicam impedimentos milimétricos. Segundo Riley, a Premier League passará a usar a grafia das transmissões por TV, com linhas mais grossas. Se os traços que indicam as posições do atacante e do defensor se confundirem, o atacante será considerado em posição legal. É o antigo conceito de “mesma linha” fazendo com que as “unhas dos pés” e o “nariz dos jogadores” deixem de estar em posição de impedimento.

Nos demais casos como marcação de pênalti, aplicação de cartão vermelho e erro na identificação dos jogadores, em que há o envolvimento de muitos atletas, as visões serão meramente interpretativas cabendo ao árbitro do jogo a decisão final o que vem a ser um dos dois princípios básicos para que sejam tomadas decisões baseadas no VAR. O outro princípio é que uma partida não será anulada por motivo de mal funcionamento da tecnologia, nem por decisões incorretas relacionadas ao VAR, ou por uma decisão de não revisar o incidente.

Com esse propósito, o VAR veio para “auxiliar” os clubes a serem menos injustiçados no futebol, mas desde que foi criado, tem sido alvo de muitas polêmicas. O que era para ser um coadjuvante de luxo, se tornou no futebol brasileiro um protagonista egocêntrico, por muitas vezes interferindo em lances que, na regra, sequer deveria ser acionado.

O último caso de tentativa de anular uma partida de futebol aconteceu em 03 de novembro, em jogo válido pelo Campeonato Brasileiro 2021 entre o Grêmio Foot-Ball Porto Alegrense e o Clube Atlético Mineiro, realizado no Mineirão.

O clube gaúcho chegou a analisar a possibilidade de entrar com o pedido de impugnação da derrota pois, segundo os dirigentes gremistas, houve um erro de direito na não marcação de irregularidade no lance que originou o pênalti convertido pelo atleta Eduardo Vargas que garantiu a vitória do time mineiro.

Na história do futebol mundial, são raríssimos os casos em que uma partida foi anulada em razão de alguma decisão equivocada da arbitragem.    Desconsiderando-se as 11 partidas do Campeonato Brasileiro de 2005 anuladas pelo Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD), em razão do envolvimento manipulavam fabricavam resultados, é preciso recorrer a casos em outras partes do mundo para tentar encontrar situações que guardem alguma semelhança com o fato ocorrido no jogo do Grêmio contra o Atlético Mineiro.

Em março de 2018, o jogo entre PAOK e AEK, pelo campeonato grego, teve destino idêntico quando o presidente do PAOK, supostamente com uma pistola na cintura, entrou em campo para tomar satisfações com o árbitro, inconformado com um gol invalidado a favor do seu time. Sem condições adequadas de segurança, a arbitragem não deu sequência à partida e dias depois, ela foi anulada.

No Livro de “Regras de Futebol 2019/2020”, publicado pela Confederação Brasileira de Futebol, devidamente atualizado, consta na página 71, item 2 o seguinte texto sobre a Regra 5: “ o árbitro deve tomar as decisões do jogo com o máximo de sua capacidade, de acordo com as regras e o “espírito do jogo”, segundo sua opinião (grifo nosso)”.

A frase “segundo sua opinião” mostra que a regra é interpretativa, o que dá origem a opiniões diferentes e divergentes. Essa é a essência do direito e que o torna admirável para os que labutam nessa profissão.

A legislação desportiva prevê a possibilidade de anulação de uma partida quando ocorrer, comprovadamente, erro de direito (error iuris) que consiste no desconhecimento das regras ou na aplicação dessas regras de maneira errônea diante desse desconhecimento. Ou seja, no erro de direito, há um grave equívoco na interpretação da regra do jogo, havendo uma ofensa direta à norma proibitiva. É matéria exata e não interpretativa. Por exemplo, validar um gol feito após uma cobrança de pênalti onde a bola bate na trave e volta diretamente para o mesmo jogador, e este faz o gol.

O Erro de fato (error facit) não ocasiona anulação de uma partida por se tratar de ações interpretativas. O árbitro conhece as regras, mas as aplica de maneira equivocada, de acordo com o que viu do lance. Decisões de interpretação do árbitro são definitivas e não podem sofrer alterações, mesmo que cometa um erro de visão ou falsa interpretação. O princípio do “pro  competitione” (a favor da competição), que é o norteador da tomada de decisão, garante que os resultados obtidos em campo devem ser mantidos o que dá estabilidade e segurança jurídica às competições como consta no art.2º, XVII do Código Brasileiro de Justiça Desportiva.

Art. 2º A interpretação e aplicação deste Código observará os seguintes princípios, sem prejuízo de outros: 

XVII – prevalência, continuidade e estabilidade das competições (pro competitione);

O próprio Artigo 259 do Código Brasileiro de Justiça Desportiva afirma que:

§1º: A partida, prova ou equivalente poderá ser anulada se ocorrer, comprovadamente, erro de direito relevante o suficiente para alterar seu resultado.

Poder-se-ia ainda discutir uma terceira hipótese, que alguns autores incluem como erros de direito. São os casos em que algum comportamento também comprovado de alguém que agiu de forma atentatória à dignidade do desporto, com a finalidade de alterar o resultado da competição, como por exemplo, o suborno do árbitro, auxiliares, goleiros, entre outros, nunca por erro de fato. Seria de bom tom ressaltar que a conversão dos erros de fato descritos acima em erros de direito, a depender das circunstâncias, constitui uma corrente minoritária aceita pela Justiça Desportiva.

Uma coisa é certa: somente a prova de que os erros do árbitro foram propositais poderá levar à anulação da partida. Sem prova de erro de direito (para impugnação), ou corrupção (para anulação), não há o que reclamar. O eventual erro de fato, seja na análise de lances para aplicação da regra ou do VAR, ainda que “graves”, não permitem anulação de partida.

Já em 2008, bem antes da utilização do VAR, as provas de vídeo passaram a ser requisitadas com frequência pelos procuradores e advogados na busca por fatos ocorridos durante uma partida e que passaram desapercebidos pelos árbitros na elaboração de seus relatórios. Naquela época, a prova de vídeo passou a ter destaque especial, principalmente no que dizia respeito ao Art. 253 (Revogado pela Resolução CNE Nº 29 de 2009) que ao ser apresentada, permitia que interpretações esdrúxulas, excessos e exageros, comprometessem o julgamento final. Naquela oportunidade, diante desses fatos, publicamos artigo no site da Justiça Desportiva sobre a importância do vídeo nas decisões do STJD.

O VAR veio para ficar! Estamos apenas no começo, e como qualquer mudança, nunca é fácil de se implementar, mas continuamos acreditando na tecnologia e no bom senso das pessoas que dirigem o esporte.

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Eric Alves Azeredo é advogado com Pós-graduação em direito do trabalho e em administração de empresas.

REFERÊNCIAS

CONFEDERAÇÃO BRASILEIRA DE FUTEBOL (CBF). Regras de Futebol. Disponível em: <https://conteudo.cbf.com.br/cdn/201909/20190902145532_358.pdf>. Acesso em 09 nov. 2021.

CONFEDERAÇÃO BRASILEIRA DE FUTEBOL (CBF). Código Brasileiro de Justiça Desportiva (CBJD). Disponível em: <https://conteudo.cbf.com.br/cdn/201507/20150709151309_0.pdf>. Acesso em: 09 nov. 2021.

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