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VAR também não é assunto para político. Saiba por quê

É impressionante a capacidade que alguns políticos estão mostrando de se meter onde não devem, sequer podem. A necessidade de aparecer, de se fazer presente em causas populares faz com que muitos esqueçam algo indispensável no processo legislativo do qual eles são protagonistas: as leis.

Antes foi deputado querendo proibir transgêneros no esporte. Agora, apareceu o vereador Zico do PTB do Rio de Janeiro (não confunda com o Zico que foi ídolo do Flamengo, deu nome a uma Lei Geral do Esporte e que entende do assunto) querendo proibir o árbitro de vídeo – o VAR – na capital fluminense.

O Projeto de Lei foi publicado hoje do Diário Oficial da Câmara Municipal e pede  que a arbitragem não tenha qualquer contato com vídeos durante os jogos e estipula uma multa de R$ 250 mil para quem descumprir a norma. O valor arrecadado deve ser destinado para o Fundo Municipal de Defesa do Consumidor.

A justificativa para suspender o uso da tecnologia seria o fato do VAR “não estar contribuindo para a melhora do futebol, apesar de ser uma tecnologia muito cara“.

“Caro” também é uma discussão dessas em uma câmara de vereadores. Ele está perdendo tempo, e botando fora o dinheiro do contribuinte com discussões que não cabem ao Estado. E é fácil entender.

Como esporte se organiza

Esqueça se você é a favor ou contra o VAR, o mesmo vale para transgêneros do esporte, ou para qualquer assunto relacionado ao jogo (não interessa o que você pensa, ou se eu sou a favor). A discussão aqui não é sobre uma causa que se defende, mas sobre a estrutura jurídica do movimento esportivo.

O esporte se organiza dentro do princípio da autonomia esportiva, garantida inclusive pela nossa Constituição Federal no art 217. Esta no inciso I do artigo 217 da Constituição Federal, que garante a autonomia às entidades desportivas, dirigentes e associações, quanto a sua organização e funcionamento.

E por que precisa ser assim?

Simples: imagine um Campeonato Brasileiro em que o VAR é permitido em São Paulo e Rio Grande do Sul, mas proibido no Rio de Janeiro e na Bahia… Ou um campeonato de vôlei em que transgênero pode jogar na França e nos Estados Unidos, e não no Brasil e no Irã.

Como ficaria um dos princípios mais caros ao esporte o da paridade de armas, que garante equilíbrio entre os competidores?

Por isso existe a pirâmide associativa do esporte. Clubes são filiados a federações, que são ligados a confederações, que seguem (todas) as determinações do Comitê Olímpico Internacional (no caso do futebol, da FIFA). Essa associação é voluntária, e no direito esportivo é conhecida como Ein Platz Prinzip.

E TODOS precisam cumprir as mesmas regras.

Quer fazer diferente? Tudo bem, mas sai da cadeia associativa.

Por que não pode

Esse PL não poderia nem passar pela assessoria jurídica do vereador, muito menos ter andamento na Câmara. Por conta dessa organização esportiva e da nossa Constituição.

Sim, tanto a União quanto o Estado têm competência para legislar sobre o esporte. A Lei Pelé é um exemplo.

“Art.24 – Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:

IX – educação, cultura, ensino e desporto;…”

Portanto, cabe à União tão-somente legislar normas gerais sobre desporto, ficando aos Estados e ao Distrito Federal a competência para suplementá-la, no caso de não haver na legislação básica ou, até mesmo, quando não houver norma geral.

Mas e um município?

Pela interpretação literal não poderia.

Mas acontece que os Municípios, após a promulgação da CF de 1988 que determinou que eles são entes indispensáveis ao sistema federativo e, integrou-os na organização política-administrativa, conseguiram autonomia conforme dispõe o artigo 1º da CRFB/88:

“Art.1º – A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos”.

Mesmo assim, em assunto referente a competição e organização, até a nossa Constituição garante autonomia às entidades esportivas. E você já entendeu isso.

Portanto, são as entidades esportivas que precisam debater sobre o VAR, e decidir o que pode ser feito para melhorar a ferramenta. Assim como são essas entidades que precisam,  com a ajuda da ciência, dos personagens do esporte e de especialistas, tratar da questão dos transgêneros.

Mas por que alguns políticos insistem em querer “legislar” sobre questões que envolvem o jogo, a competição? Simples, porque esporte é popular, ele repercute, e abraçar “causas” que representem um segmento pode gerar dividendos políticos mais para frente, mesmo sabendo que na pratica essa discussão não levará a nenhum lugar.

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