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Vasco e Corinthians no STJD: A Controvérsia sobre a Alteração das Semifinais da Copa do Brasil

Ontem, dia 01 de outubro, Vasco e Corinthians acionaram o STJD para questionar a alteração das datas das partidas da volta, válidas pelas semifinais da Copa do Brasil.

De acordo com o site do STJD, para o Vasco, “a alteração viola a Lei Geral do Esporte e o Regulamento Geral das Competições. Tese também reforçada pelo Corinthians, que destaca a impossibilidade normativa, a recusa do clube na alteração e a ausência de fundamento legal regulamentar ou esportivo para a alteração das datas das partidas.”

Vamos analisar o posicionamento de Vasco e Corinthians do ponto de vista técnico neste artigo. Antes disso, importante reforçar que não foi disponibilizada a íntegra da peça processual utilizada pelos dois clubes. Assim, a análise será feita tão somente em relação ao trecho acima transcrito.

Pois bem. Estes são os fundamentos técnicos que os dois clubes apresentaram:

  1. A alteração viola a Lei Geral do Esporte e o Regulamento Geral das Competições (RGC);

A Lei Geral do Esporte, em seu artigo 192, § 5º prevê que é vedado alterar o regulamento da competição. Para esta regra geral, há exceções:

I – apresentação de novo calendário anual de eventos oficiais para o ano subsequente, desde que aprovado pela maioria das organizações esportivas participantes;

II – transcurso de 2 anos de vigência do mesmo regulamento, observado o procedimento de que trata este artigo;

III – interrupção das competições por motivo de surtos, de epidemias e de pandemias que possam comprometer a integridade física e o bem-estar dos atletas, desde que aprovada pela maioria das organizações participantes do evento.

De fato, nenhuma das razões expostas pela CBF no Ofício DCO nº 2970/2024 para determinar a alteração das partidas se encaixa em uma das três situações acima. Estas são, em síntese, as razões expostas no documento:

  • O bom resultado observado no ano passado com a realização de partidas válidas pela Copa do Brasil no fim de semana em termos de audiência e público nos estádios;
  • A realização da semifinal da Libertadores a ser disputada entre Atlético/MG e River Plate nos dias 22 e 29 de outubro;
  • A proximidade da data FIFA, em 15 de outubro, levando em consideração o número de atletas de Flamengo e Atlético/MG convocados por suas seleções.

Ocorre que não houve alteração do regulamento no que tange as disposições definidoras do sistema de disputa das competições, o que o artigo 12 do Regulamento Geral das Competições expressamente proíbe. Além disso, a alteração das datas foi realizada conforme o próprio Regulamento Geral das Competições prevê.

O artigo 14 do RGC prevê que as tabelas das competições podem ser alteradas caso o encaminhamento formal para tanto seja realizado com até 10 dias de antecedência em relação à data da partida. De fato, o Ofício DCO nº 2970/2024 foi publicado respeitando este prazo estabelecido pelo RGC.

Há de se ressaltar que a CBF tem autonomia para elaborar o regulamento das competições que promove, por força de disposição constitucional, conforme prevê o artigo 217 da Constituição Federal. É claro que este exercício de autonomia não é absoluto; a CBF precisa observar princípios da integridade, ética, continuidade e estabilidade das competições, do fair play (jogo limpo) desportivo, da imparcialidade, da isonomia, da verdade e da segurança desportiva.

Além disso, os clubes que participam das competições organizadas pela CBF aderem e se submetem aos seus regulamentos, outorgando à CBF plenos poderes para que a entidade decida “na esfera administrativa e em caráter definitivo, todas as matérias de sua competência, assim como eventuais problemas e demandas que possam surgir no decurso das competições regidas pelo RGC”, conforme expressamente disposto no artigo 3º do Regulamento[1].

  1. O Corinthians recusou a proposta de alteração

O Ofício DCO nº 2970/2024, que alterou as datas das semifinais da Copa do Brasil, faz referencia à um outro ofício, o Ofício DCO 2968/2024, que tratou de uma consulta sobre esta alteração. De acordo com o documento, a consulta foi motivada pela publicação das tabelas da Libertadores e Sul-americana. Continua o ofício para explicar que “a CONMEBOL, por razões de segurança pública da cidade de Buenos Aires, haja vista que os dois Clubes nela sediados, o Club Atlético River Plate e o Racing Club de Avellaneda, não podem disputar as respectivas partidas no mesmo dia, agendou os confrontos de semifinal entre o Club Atlético River Plate e o Atlético para os dias 22 e 29 de outubro, ambos na terça-feira.”.

Enquanto o Vasco se manifestou no sentido de alterar a data para o dia 16 de outubro, opção que não havia sido disponibilizada pela CBF aos clubes, o Corinthians se manifestou de forma contrária à alteração.

Voltando as atenções ao artigo 14 do Regulamento Geral de Competições, este estabelece que, para realizar alterações nas tabelas das competições são consideradas as partes interessadas: clube mandante, Federação mandante e a emissora detentora dos direitos de transmissão.

Observe que a redação do artigo é “são consideradas as partes interessadas” e não algo como “a alteração a que se refere o caput deste artigo somente ocorrerá mediante expressa concordância de todas as partes interessadas”.

O fato de o Corinthians ter se manifestado de forma contrária à alteração não faz com que a medida seja tecnicamente irregular. Quando o artigo 14 determina a necessidade de “considerar as partes interessadas” o faz para garantir que a alteração seja resultante de uma ponderação de interesses (ocasionalmente antagônicos), sempre em busca da “imprevisibilidade dos resultados, a igualdade de oportunidades, o equilíbrio das disputas e a credibilidade de todos os atores e parceiros envolvidos” (artigo 1º do RGC).

É claro que podemos discordar de determinações da CBF (o que com frequência me pego fazendo), mas neste caso em específico, a discordância do Corinthians não faz com que a medida seja contrária ao disposto no regulamento.

  1. Não há fundamento esportivo para a alteração.

Dentre as razões pelas quais a CPF optou pela alteração das datas das semifinais da Copa do Brasil está a proximidade da data da partida da semifinal da Libertadores e (talvez a razão principal), a data FIFA.

O Artigo 11 do RGC é muito claro ao determinar que os clubes são obrigados a ceder atletas convocados para suas seleções nacionais nas datas FIFA[2]. O clube pode, inclusive, ser punido pela Justiça desportiva caso deixe de fazê-lo, já que há infração específica prevista no Código Brasileiro de Justiça Desportiva[3].

Clubes que investem na contratação de atletas que frequentemente são convocados pelas suas seleções nacionais ficam prejudicados quando não podem contar com eles durante os campeonatos disputados pelos clubes. Manter datas dos campeonatos que conflitam com as datas FIFA é quase uma punição aos clubes que investem em seus plantéis. Além disso, uma partida disputada com clubes que não podem contar com seus melhores atletas tende a perder a qualidade esportiva.

Estamos falando de ofensa à paridade de armas, à igualdade de oportunidades, ao equilíbrio das disputas. A paralização dos campeonatos durante as datas FIFA, com intervalo mínimo para retorno dos jogos, é reivindicação antiga dos clubes (inclusive de Vasco e Corinthians).

Respeitosamente, há bastante fundamento desportivo para a alteração das datas.

Analisados cada um dos três fundamentos do pedido de Vasco e Corinthians (conforme divulgado pelo STJD e com as limitações expostas neste artigo), finalizo ressaltando que a data FIFA era de conhecimento da CBF e de todos nós há muito tempo. Conforme mencionado, a despeito de o Ofício DCO nº 2970/2024 trazer 3 motivos para a alteração das datas das semifinais da Copa do Brasil, a data FIFA certamente é o mais forte e certamente foi o determinante para tomada dessa decisão.

O campeonato é um produto bom também quando aqueles que participam dele estão satisfeitos sobre como este é organizado e desenvolvido. Não é positivo que metade dos clubes que permanecem na competição estejam insatisfeitos e entendam que estão sendo prejudicados de alguma forma.

Especialmente quando tudo isso poderia ter sido evitado.

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[1] Naturalmente, além da limitação principiológica e legal que a CBF tem ao elaborar seus regulamentos, a própria Lei Geral do Esporte (voltando ao artigo 192) prevê que é possível a manifestação de qualquer interessado sobre o regulamento pelo período de 10 dias contados da sua publicação. O § 5º sobre o qual se referiu neste artigo veda a alteração no regulamento desde a sua “divulgação definitiva”. Essa “divulgação definitiva” só acontece depois de passados os 10 dias de prazo para manifestação e relatório do ouvidor da competição com as principais propostas e sugestões encaminhadas.

[2]Art. 11 – As partidas de competições que integram o calendário anual da CBF, consideradas todas as suas datas, prevalecerão sobre as de quaisquer certames, salvo concessão excepcional e expressa da CBF. § 2º – Nas datas FIFA e Competições Oficiais Internacionais, é obrigatória a cessão de atletas para suas respectivas Seleções Nacionais, de qualquer categoria.

[3] CBJD, Art. 207. Ordenar ao atleta que não atenda à requisição ou convocação feita por entidade de administração de desporto, para competição oficial ou amistosa, ou que se omita, de qualquer modo. PENA: multa, de R$ 100,00 (cem reais) a R$ 100.000,00 (cem mil reais).

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