O Vasco acaba de anunciar parceria inédita com o Mercado Bitcoin para “transformar” em tokens os direitos do mecanismo de solidariedade de 12 jogadores formados pelo clube.
Ou seja, os valores a serem recebidos por futuras transferências internacionais de atletas que passaram pelas categorias de base, como Philippe Coutinho, do Barcelona, Douglas Luiz, do Aston Villa, Alex Teixeira, no futebol chinês, e Allan, do Everton, virarão “moedas digitais”.
“É uma ideia muito boa, com muita tecnologia envolvida. Você trabalha com o conceito de blockchain, onde você controla a emissão dos tokens. Eles passam a ser ativos do clube com os quais você poderá usufruir de benefícios”, analisa o consultor de marketing Amir Somoggi.
E como toda novidade, a iniciativa levanta questionamentos. No tocante ao direito esportivo, “a primeira preocupação diante dos regulamentos da FIFA e da CBF seria afastar a aplicação das normas relativas ao TPO, que impedem que terceiros detenham direitos econômicos vinculados a um atleta. Por isso, antes de tudo, é importante que a operação não ‘tokenize‘ direitos econômicos de quaisquer atletas”, alerta o advogado especialista em direito esportivo, Pedro Henrique Mendonça.
André Sica, que trabalhou na concepção do projeto, conversou com o Lei em Campo sobre os aspectos jurídicos que envolvem a nova possibilidade de receita para os clubes brasileiros.
Os estudos começaram há um ano e contaram com consultas à Confederação Brasileira de Futebol e à CVM, corretora de mercado imobiliário, que deram parecer positivo e direcionamentos ao projeto.
Segundo o advogado especialista em direito esportivo, três pontos garantem a legalidade da “tokenização” dos diretos de solidariedade. “Qual a principal preocupação da Fifa ao banir o TPO? Proibir participação e influência de terceiros em uma operação. Mas todos esses atletas que estão na ‘cesta’ não possuem mais vínculo com o Vasco. O clube não tem gerência sobre as negociações”, explica André Sica.
O Vasco apenas recebe a receita a que tem direito como clube formador. Além disso, não é uma operação individualizada. São vários atletas envolvidos. Há uma cesta de créditos e os valores correspondentes são depositados na conta do Vasco. A partir daí, os detentores dos tokens podem receber as frações referentes a esses créditos.
Por fim, André Sica reforça que “não estamos falando de direito econômico. É direito de solidariedade, que vem de indenização e não da transação. Por quanto Philippe Coutinho vai ser negociado no futuro? Não sabemos. Há um distanciamento. Logo, não são terceiros envolvidos, são quartos, ou quintos participantes. A relação vedada pela Fifa nesse caso não existe”.
A sigla TPO significa “third-party ownership“, que em tradução livre remete à propriedade de direitos econômicos vinculados a determinado jogador por um terceiro. Essa prática é proibida pela entidade máxima do futebol, conforme o artigo 18bis do Regulamento de Status e Transferência de Jogadores.
A estimativa é de que, nos próximos anos, o Vasco tenha direito a cerca de R$ 50 milhões, considerando a cotação atual do Euro, referentes aos percentuais de mecanismo de solidariedade que o time possui dos jogadores em questão. E cerca de 500 mil tokens alcançam este valor.
“Quando você vai fazer um projeto desses, um dos pontos fundamentais é a solidez financeira do projeto, a transparência, a prestação de contas para o torcedor. Para que sempre tenham a confiança do processo, porque isso é dinheiro. Ainda mais que seja dinheiro virtual, moedas virtuais, valem dinheiro hoje no mundo real. Ser proprietário, ter um token do Vasco vai valer como se fosse a cadeira cativa de São Januário do ponto de vista de ativo”, pondera Amir Somoggi.
“Os tokens, como ativos digitais, podem ser negociadas em exchanges e serão listados no site do Mercado Bitcoin. Todas as informações estarão na plataforma como acontece com os tokens de precatórios, cotas excluídas de consórcio, entre outros”, explica Reinaldo Rabelo, CEO do Mercado Bitcoin, parceira do Vasco no projeto.
O lançamento está previsto para daqui a 30 dias. O clube terá 75% dos tokens e poderá colocá-los à venda a qualquer momento, mas com uma participação mínima a todo tempo de 25%. Cada token corresponderá a 1/500.000 dos direitos do Vasco com o mecanismo de solidariedade dos atletas selecionados pelo plano.
Assim, o clube consegue a antecipação de receita. Algo importante para o fluxo de caixa a curto prazo. Além disso, o Vasco se desfaz do risco da perda de parte desta receita no futuro. Os atletas em questão podem não ser negociados como o esperado. Aí o “prejuízo” passa a ser dos donos dos tokens.
“Um recebível inusitado e pioneiro, mas por outro lado seguro. Nunca foi utilizado, mas não há discussão sobre essa receita. O crédito muito bom e há poucos dinheiros certos dentro do futebol como esse. Os clubes brasileiros têm características associativas e, consequentemente, limite claro de acesso ao crédito”, lembra o advogado André Sica.
O Vasco é pioneiro na tokenização. Mas a operação não está restrita ao clube. Já existem outros interessados e em negociação para formatação de projeto semelhante.
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