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Vem aí mais uma final da Libertadores em jogo único: que seja a última!

No próximo dia 30 teremos mais uma final da Copa Libertadores disputada em jogo único. Desta vez, a partida entre Botafogo e Atlético Mineiro será disputada em Buenos Aires, na Argentina, no reformado e ampliado estádio Monumental de Núñez, do River Plate.

A CONMEBOL tinha divulgado inicialmente que a final deste ano seria disputada na Argentina, mas sem definição formal do estádio. Tudo apontava para o Monumental de Núñez, recém-reformado e por ser o maior e mais moderno estádio do país, além de constituir o palco mais utilizado em jogos internacionais pela Seleção Argentina. A formalização da escolha, já antecipada por todos, ocorreu após a definição dos confrontos das semifinais, no dia 04 de outubro. De toda sorte, havia rumores de que a CONMEBOL, após a derrota do River Plate para o Atlético Mineiro no jogo da ida das semifinais por 3 a 0, poderia estar inclinada a alterar o local da partida diante do risco iminente de eliminação da equipe argentina da competição, pois o estádio, com capacidade para 80 mil espectadores, correria o risco de ficar vazio para o grande evento. Sem uma agremiação argentina na final, a expectativa seria de um público de cerca de 20 mil pessoas. Avellaneda e La Plata estariam na pauta. Ao final, mesmo com a eliminação do River Plate, a entidade bateu o martelo e negou ter sequer especulado sobre a mudança do local da final.

Até 2018, as fases eliminatórias da Copa Libertadores, inclusive as finais, eram disputadas no sistema tradicional de ida e volta, com os mandos de campo sendo definidos por sorteio e/ou com base no desempenho das equipes na fase de grupos. A partir de 2019, a CONMEBOL anunciou que a grande final passaria a ser disputada em jogo único, em campo neutro, naquela ocasião em Lima, no Peru. O mesmo sistema também seria aplicado para a Copa Sul-Americana. É inegável que as confusões ocorridas na final no ano anterior, entre River Plate e Boca Juniors, que levaram à transferência da segunda partida para Madrid, no Santiago Bernabéu, podem ter influenciado a entidade a rumar em direção à neutralidade nas finais.

De lá pra cá, as finais únicas da Copa Libertadores e da Copa Sul-Americana foram marcadas por desencontros e confusões envolvendo datas e sedes. Já no primeiro ano da novidade, em 2019, a final estava originalmente marcada para acontecer em Santiago, no Chile. Por conta dos fortes protestos populares que ocorriam no país, a final foi transferida para Lima, no estádio Monumental, também com mudança de horário. O mesmo estádio já havia sido definido no início de 2019 como sede da final da Copa Sul-Americana, a qual acabou acontecendo no Paraguai. Em 2021, ainda sob os impactos da pandemia da COVID-19, as duas finais que seriam realizadas no Estádio Centenario, no Uruguai, tiveram suas datas remanejadas. Em 2022, a final da Copa Sul-Americana seria disputada no estádio Mané Garrincha, em Brasília, mas por conta das eleições a partida acabou sendo disputada em Córdoba, na Argentina. Por fim, em 2023, a final da Copa-Sul-Americana foi transferida de Montevidéu para Maldonado, no Uruguai, pois o Estádio Centenario seria muito grande para o evento.

É inegável que tantos desencontros vêm colocando em xeque a credibilidade dos eventos comandados pela CONMEBOL. Embora seja absolutamente possível que eventuais imprevistos e eventos de força maior exijam remanejamentos, não há dúvidas que isto não deveria ocorrer com tamanha regularidade. Além do mais, a predefinição do palco da final precisa estar sacramentada desde o day one da competição. Deixar para definir o local durante a competição e ao sabor dos acontecimentos pode gerar suspeita de favorecimento a determinadas equipes, ainda que isto não tenha efetivamente ocorrido. Nos parece claro que a entidade gostaria de mudar o local da final deste ano, mas não o fez provavelmente movida pela certeza de que a alteração após a eliminação do River Plate geraria desconfiança.

O movimento recente da CONMEBOL tem sido claramente o de espelhar o modelo das principais competições continentais da UEFA, transformando a Copa Libertadores numa espécie de Liga dos Campeões e a Copa Sul-Americana na Liga Europa “local”. A final única é retrato fiel desse transplante, a partir do qual o jogo final é transformado num grande evento midiático com vistas a atrair a atenção internacional.

Ocorre que o ambiente da América do Sul não é o mesmo do Europa, fazendo com que a mera transposição daquele modelo tenha dificuldade de se sustentar no longo prazo. As condições são outras, seja no aspecto político, econômico ou de logística. As circunstâncias que favorecem o sucesso das finais em jogo único na Europa não estão presentes aqui. Lá, a população em geral tem maior poder aquisitivo, o que facilita as viagens para outros países, as condições de segurança são muito mais favoráveis, as distâncias são menores e as condições de logística são incomparáveis. O torcedor europeu tem o costume de viajar por quase todo o continente por meio de uma ampla malha ferroviária, que oferece transporte relativamente barato e que muitas vezes permite o famoso bate e volta do torcedor no mesmo dia do evento. Fora isso, a oferta de voos é muito maior, além de que muitas companhias aéreas operam no sistema de low cost, o que ainda não vingou por aqui.

Entre nós, a final única deixou de ser uma grande novidade e vai claramente minguando ano a ano. Muitas finais sul-americanas vêm sendo disputadas nos últimos anos sem os estádios estarem com a lotação máxima esgotada, o que acaba desacreditando o evento e funcionando com um verdadeiro balde de água fria para aqueles que tanto esperam pelo grande dia da final. Torcedores que querem acompanhar suas equipes precisam enfrentar verdadeiros perrengues para viabilizar suas viagens, lidar com preços exorbitantes e com agências de viagens nem sempre confiáveis. Fora a elitização do futebol e do público presente nos estádios. O evento sai das mãos das torcidas e passa para as mãos de turistas, convidados VIP, autoridades, etc.

Não podemos esquecer, ainda, da cultura torcedora. Se na Europa a neutralidade é cultuada (o que também não é uniforme em todos os países), entre nós ocorre o oposto. A proximidade, a rivalidade e a atmosfera de “caldeirão” são essenciais à nossa forma de torcer. Tudo isso se esvai no jogo em campo neutro. Além do mais, os jogos de ida e volta têm sua dinâmica própria, com as equipes buscando construir uma vantagem a todo custo em partidas eletrizantes. O jogo único, ao contrário, é mais nervoso, estudado, historicamente com poucos gols e menos emoção. A nosso ver, até mesmo sob o ponto de vista puramente desportivo a final em jogo único é bastante questionável, embora o evento possa ter o seu charme peculiar, é forçoso reconhecer.

Que a partir do próximo ano a disputa da glória eterna retorne para os braços do povo. Esse é o nosso desejo.

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