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Veto de mulheres trans em competições femininas de atletismo gera discussão e poderá ser questionada na Justiça

A Federação Internacional de Atletismo (World Athletics) anunciou nesta quinta-feira (23) uma importante decisão sobre as mulheres transgêneros. A partir da próxima sexta-feira, 31 de março, atletas transgêneros que passaram pela puberdade masculina não poderão competir em eventos válidos pelo ranking mundial feminino. A decisão não é definitiva, mas já está causando uma série de debates.

“O assunto em pauta não é tão simples, e transcende ao mundo do esporte. Não podemos esquecer que nas últimas décadas muitas mudanças ocorreram nos direitos e obrigações dos transgêneros, tanto que levou o Comitê Olímpico Internacional a alterar seu regulamento. Veja que a discussão jurídica se pauta em colisão de direitos e regras. Por um lado, há a igualdade desportiva, integridade da competição e imprevisibilidade do resultado, que sustentam a regra binária entre divisão entre categorias femininas e masculinas. Por outro lado, direito humanos de proteção da personalidade, não discriminação e igualdade”, afirma a advogada Alessandra Ambrogi, especialista em direito desportivo.

Ela que “a Declaração Universal de Direitos Humanos é de observância obrigatória em todos os âmbitos nacionais e internacionais dos países signatários, de modo que o Estado não é o único a ser convocado para formular as políticas que conduzem à igualdade, justiça e bem estar, é sim, toda a sociedade deve se organizar ao entorno do centro que é a dignidade da pessoa humana”.

Sebastian Coe, presidente da World Athletics, ressaltou que a decisão foi “guiada pelo princípio de proteger a categoria feminina”. Clique aqui para acessar a nova determinação.

O dirigente disse também que a determinação poderá ser revista no futuro.

“Decisões que envolvam necessidades e direitos conflitantes entre grupos distintos são sempre difíceis. Continuaremos com a visão de que devemos manter a justiça para as atletas femininas acima de todas as outras considerações”, declarou.

Um grupo de trabalho, com duração de 12 meses, será criado para conduzir mais pesquisas sobre as diretrizes de elegibilidade para transgêneros. Ele será composto por um presidente independente, até três membros do Conselho, dois atletas da Comissão de Atletas, um atleta transgênero, três representantes das Federações Membros e representantes do Departamento Mundial de Saúde e Ciência do Atletismo.

O conselho da World Athletics também aprovou a redução na quantidade de testosterona no sangue permitida para atletas com diferenças no desenvolvimento sexual (DSD), como é o caso da sul-africana e bi-campeã olímpica Caster Semenya.

Os atletas DSD serão obrigados a reduzir seu nível de testosterona no sangue para menos de 2,5 nmol/L (limite anterior era de 5) e devem permanecer abaixo disso por 24 meses (dois anos) para competir internacionalmente na categoria feminina em qualquer evento.

Em regulamentos anteriores, os atletas DSD eram alvos de restrições apenas em eventos que variavam de 400 metros a 1.609 metros (uma milha).

Este regulamento foi denunciado em tribunais internacionais por Semenya. Ela nasceu com hiperandrogenismo – seu corpo produz naturalmente mais testosterona que a média de outras mulheres – e se nega a voltar a se submeter a tratamentos hormonais ou a passar por cirurgia.

Na Corte Arbitral do Esporte (CAS), última instância da justiça desportiva mundial, Semenya perdeu os recursos interpostos e a regra foi mantida.

Andrei Kampff, jornalista e advogado especialista em direito desportivo, diz que “o diálogo para proteger o equilíbrio esportivo é fundamental desde que tenha como pilar a inegociável proteção de direitos humanos”.

“Se existe um aparente conflito entre regra de elegibilidade e um princípio de Direitos Humanos, só há um caminho a seguir: o da proteção da dignidade da pessoa humana. Decisões de tribunais estatais têm reforçado isso, o que faz com que o movimento esportivo seja obrigado a rever regras de exclusão. Entender isso é o desafio do esporte, até como forma de proteção da autonomia”, afirma.

Seguindo a mesma linha, a advogada Alessandra Ambrogi afirma que o atleta pode e deve se socorrer do Poder Judiciário quando o movimento esportivo e suas decisões violarem os preceitos da dignidade humana.

“Apesar da pirâmide associativa do esporte garantir a sobrevivência do movimento esportivo da forma como é organizado através de seus Tribunais Especializados, os princípios da especificidade e integridade do esporte encontram seus limites nos direitos humanos, de maneira que aquele que tiver sua dignidade humana agredida pode e deve se socorrer do Poder Judiciário, inclusive quando o movimento esportivo e suas decisões violarem os preceitos de dignidade humana”, complementa.

O que diz o COI?

Em novembro de 2021, o Comitê Olímpico Internacional (COI) deixou as decisões de elegibilidade para cada federação de modalidade esportiva, porém ressaltou que “até que evidências determinem o contrário, os atletas não devem ser considerados como tendo uma vantagem competitiva injusta ou desproporcional devido às suas variações de sexo, aparência física e/ou status de transgênero”.

Também em 2021, a levantadora de peso neozelandesa Laurel Hubbard fez história ao se tornar a primeira atleta transgênero a competir em uma categoria de gênero diferente atribuída no nascimento em uma Olimpíada.

Conforme foi dito acima pelos especialistas, a nova política da Federação de Atletismo poderá ser contestada na Corte Arbitral do Esporte (CAS), com sede em Lausanne, na Suíça.

Crédito imagem: Getty Images

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