Waldir Marques
Ex-Diretor-Presidente – CEO da CAIXA Loterias S.A.
Ex-Subsecretário de Regulação de Loterias, Prêmios e Sorteios do Ministério da Fazenda
Rafael Marchetti Marcondes
Advogado e Professor Doutor em Direito pela PUC/SP
MBA em Aposta Esportiva pela Universidade de Ohio/EUA
MBA em gestão esportiva pelo ISDE de Barcelona/ES
Chief Legal Officer no Rei do Pitaco, Advogado
A faixa de isenção de R$ 2.112,98 para os prêmios pagos aos apostadores resiste e segue sendo válida, mesmo após o veto presidencial ao § 2º do artigo 31 da Lei 14.790/23. Estranhou? Pois é, essa é a mais pura verdade. Explicamos o porquê.
No final de 2023, mais especificamente no dia 29 de dezembro, o Presidente da República sancionou a Lei 14.790/23, porém com vetos, dentre os quais, retirou a faixa de isenção prevista no § 2º do artigo 31.
O artigo 31, em seu caput, fixou em 15% a alíquota do Imposto sobre a Renda das Pessoas Físicas (IRPF) incidente sobre prêmios líquidos obtidos de loterias de apostas de quota fixa e, no referido parágrafo, previa que “o imposto […] incidirá sobre os prêmios líquidos que excederem o valor da primeira faixa da tabela progressiva anual do IRPF.”
Ocorre que nesse ponto, a Lei 14.790/23, não inovou a ordem jurídica. Isso porque o artigo 56, da Lei 11.941/09, já previa há tempos que “o imposto de renda sobre prêmios obtidos em loterias (gênero) incidirá apenas sobre o valor do prêmio em dinheiro que exceder ao valor da primeira faixa da tabela de incidência mensal do Imposto de Renda da Pessoa Física – IRPF”.
O que se observa, em verdade, é que existe desde 2009 uma norma geral tratando da tributação dos prêmios de loterias. As apostas de quota fixa, nos termos do artigo 29 da Lei 13.756/18 e do artigo 1º da Lei 14.790/23, são enquadradas como espécie de lotéricas. Assim, havendo regra que disponha sobre a tributação de prêmios lotéricos (gênero), ela se aplica aos prêmios lotéricos das apostas de quota fixa (espécie). A regra geral somente não será aplicável sobre as apostas de quota fixa, caso haja lei específica dispondo sobre a matéria, nos termos do artigo 2º, § 2º, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro.
No caso, a lei específica que se propunha a dispor sobre a tributação dos prêmios lotéricos de quota fixa era a Lei 14.790/23, que acabou tendo sua iniciativa barrada pelo veto presidencial. Portanto, sem a existência de norma especial de mesma hierarquia legal que disponha sobre a tributação dos prêmios, passam a ser aplicadas as diretrizes previstas na norma geral, isto é, na Lei 11.941/09, que assegura a isenção sobre os ganhos líquidos com prêmios obtidos pelo apostador até R$ 2.112,98.
Pela existência prévia do artigo 56 da Lei 11.941/09, a Lei 14.790 sequer precisaria dispor sobre o tema. O fez para reforçar a aplicação da faixa de isenção. Como o dispositivo acabou vetado, nada muda.
Ao invés de termos uma regra geral e uma norma específica dispondo sobre o mesmo tema (faixa de isenção) agora temos apenas um dispositivo geral, o que é mais do que suficiente para assegurar sua aplicação.
Além do veto do veto ao § 2º do artigo 31 da Lei 14.790/23, o Presidente da República optou por vetar também os §§ 1º e o 3º do dispositivo. O § 1º trazia uma definição do que seria o prêmio líquido mencionado no caput. A proposta era de o prêmio líquido ser interpretado como “o resultado positivo auferido nas apostas de quota fixa realizadas a cada ano, após a dedução das perdas incorridas com apostas da mesma natureza”.
O veto impede que se apure o prêmio líquido “a cada ano”, mas não pode mexer no conceito de prêmio líquido, afinal, como prevê o artigo 110 do Código Tributário Nacional, “a lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado”. Assim, em termos práticos, se não derrubado o veto presidencial, a mecânica de cálculo aplicável sobre os prêmios dos apostadores resultará de uma simples operação algébrica.
Premiação Recebida (P) – Valor Apostado (V) = Ganho Líquido (G) |
Para todo G positivo, ou seja, se houver o referido “prêmio”, e esse G for maior do que os atuais R$ 2.112,98, haverá incidência do IRPF à alíquota de 15%, que deverá ser retido pelo operador de forma definitiva. Caso contrário (G negativo ou G abaixo dos R$ 2.112,98), a premiação deverá ser isenta de cobrança do IRPF.
Em outras palavras, o IRPF só pode recair efetivamente sobre aquilo que aumentou o patrimônio do apostador (acima da faixa de isenção), descontando-se o valor da aposta. Essa interpretação se faz consistente também com o disposto no artigo 14 da Lei 4.506/64, que ao tratar da tributação dos prêmios lotéricos, indica como base de cálculo o lucro, que nada mais é do que resultado positivo decorrente da subtração da receita obtida com uma atividade, das despesas com ela incorridas.
Por fim, o § 3º do artigo 31, que foi vetado, reforçava o disposto no § 1º do mesmo dispositivo (também vetado), ao prever que o IRPF seria apurado anualmente. A remoção dessas previsões do texto final da Lei 14.790/23, acaba fazendo que a apuração do ganho líquido se dê por aposta, não havendo possibilidade de compensação de perdas e ganhos apurados dentro de um mesmo evento esportivo ou em um determinado período de tempo, já que a regra que autorizava essa prática acabou sendo vetada, e não há norma geral dispondo sobre essa matéria.
Em suma, entendemos que segue valendo a regra que assegura a isenção do IRPF para os ganhos do apostador inferiores a R$ 2.112,98. Os ganhos que estarão sujeitos à incidência do IRPF à alíquota de 15% serão os ganhos líquidos, isto é, os valores excedentes ao limite de R$ 2.112,98 após se abater o valor da aposta e, se não rejeitado o veto presidencial pelo Congresso Nacional, o imposto será calculado por aposta, em consonância com a redação da Lei nº 14.790/23, e o direcionamento previsto na Lei 11.941/09. Ir contra essas conclusões representará afronta a legislação que trata de loterias e poderá causar um desequilíbrio tributário.
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