A tragédia de se registrar o falecimento de um atleta durante uma competição esportiva suscita o debate de questões jurídicas complexas, especialmente com relação à responsabilidade da entidade esportiva empregadora e da entidade esportiva que administra a modalidade esportiva e organiza as competiçoes. Ao se tratar sobre a responsabilidade por tais incidentes, há diversas perspectivas legais a serem analisadas. Evidente que não incumbe ao operador do direito o respaldo técnico médico acerca dessas questões, mas certamente compete a uma análise conjunta e interdisciplinar para aprimorar os protocolos que devem ser estabelecidos, a partir do que se infere sobre o cuidado adequado para casos, ainda que raros, que representam substancial gravidade à saúde e à vida do atleta.
Os regulamentos das competições incluem protocolos específicos relacionados à presença de ambulâncias e atendimento médico durante as partidas, com o objetivo de proteger a saúde e a segurança dos atletas.
A CONMEBOL, responsável por competições como a Copa Libertadores e a Copa Sul-Americana, determina a obrigatoriedade da presença de pelo menos uma ambulância equipada no local da partida, sendo que em competições de maior porte e em estádios maiores, como a Copa Libertadores, se exige mais de uma ambulância. Cada equipe deve contar com um médico e um fisioterapeuta à disposição durante toda a partida, além de uma equipe médica de emergência presente no equipamento esportivo, pronta para intervir em caso de necessidade. O clube mandante deve garantir que exista um plano de emergência bem definido, com acesso rápido a hospitais próximos e rotas de evacuação claramente estabelecidas.
De forma semelhante, a FIFA estabelece protocolos rigorosos para atendimentos imediados, além da presença obrigatória de equipe médica treinada para atuar em emergências como paradas cardíacas e lesões graves, determinando também a necessidade de desfibriladores automáticos (DEA) no local das competições, exigindo a presença de uma ou mais ambulâncias equipadas e prontas para uso durante as partidas, e antes das competições. Para garantir que todas as condições de segurança em jogo, a FIFA realiza vistorias nas instalações esportivas antes de cada partida, para verificar a conformidade com as normas de segurança e a presença dos equipamentos e profissionais exigidos. A não conformidade pode levar a penalidades, incluindo a suspensão da partida.
A CBF, em suas competições, como o Campeonato Brasileiro e a Copa do Brasil, adota regras similares, obrigando a presença de, no mínimo, uma ambulância UTI no local do evento, equipada com os aparatos e número adequado de socorristas e enfermeiros aptos a prestar primeiros socorros e auxiliar no atendimento emergencial. Além disso, a CBF exige a presença de um médico responsável pela organização do evento, que fica encarregado de coordenar as ações em caso de emergência.
A ambulância deve estar pronta para uso durante todo o evento, e deve ser equipada com os materiais necessários para o atendimento de emergências médicas. Em competições de maior risco ou com maior público, pode ser exigida a presença de mais de uma ambulância. Os profissionais da área da saúde atuantes (médico, enfermeiros, socorritas) devem ser capacitados para prestar atendimento emergencial, incluindo suporte básico e avançado de vida, e deve estar em constante comunicação com a equipe médica e a ambulância presentes no local. Salienta-se a importância de treinamentos e simmulações de emergência constantes e atualziados os quais os citados profissionais devem se submeter.
Como se nota, as entidades de administração esportiva se alinham de forma similar quanto aos seus regulamentos, adotando uma postura cautelosa durante a organização das competições, refletindo parte do compromisso dessas entidades com a segurança nos eventos esportivos.
Para eventuais descumprimentos das regras impostas pela CBF, o Código Brasileiro de Justiça Desportiva impõe normas visando a segurança tanto dos atletas, como do público. A coercitividade das medidas citadas acima se sustenta na previsão do art. 211 do CBJD, o qual dispõe que “Deixar de manter o local que tenha indicado para realização do evento com infra-estrutura necessária a assegurar plena garantia e segurança para sua realização.” O descumprimento de referidos protocolos pode culminar em punição pela Justiça Desportiva de multa entre R$ 100,00 a R$ 100.000,00, e interdição do local até a satisfação das exigências que constem da decisão.
Além dos riscos ordinários que podem ocorrer durante as partidas, há peculiariedades em determinadas situações que demandam outros cuidados, como por exemplo partidas realizadas em países com altitude elevada. Nesses casos, e seguindo a mesma lógica de segurança, as entidades de administração desportiva passaram a adotar medidas específicas para mitigar os impactos, uma vez que a prática esportiva em grandes altitudes pode apresentar riscos à saúde dos atletas, como a falta de oxigênio, fadiga extrema e problemas respiratórios, o que exige um cuidado especial por parte das organizações responsáveis.
A partir de precauções avaliadas por profissionais da área, norteiam-se protocolos para competições realizadas em altitudes superiores a 2.500 metros acima do nível do mar, incluindo a realização de avaliações médicas detalhadas para garantir que os atletas estejam aptos a competir em tais condições. Em algumas competições, a FIFA recomenda que os times cheguem com antecedência ao local para que os atletas possam se aclimatar gradualmente à baixa pressão de oxigênio.
As entidades esportivas incentivam as equipes a realizar aclimatação em altitudes similares antes de competições em cidades com grande elevação. O objetivo é ajudar o corpo dos atletas a se adaptar à menor disponibilidade de oxigênio. O período de aclimatação geralmente varia entre 7 e 14 dias, dependendo da altura e da condição física dos atletas. Ademais, em algumas situações, para evitar a exposição prolongada dos atletas a condições adversas, tais entidades que organizam a competição podem ajustar os calendários, alterando os horários das partidas ou até mesmo os locais dos jogos para evitar o período de pico da altitude ou condições meteorológicas adversas.
Durante as competições realizadas em grandes altitudes, as organizações asseguram que há disponibilidade de equipamentos médicos adequados, como oxigênio suplementar, e a presença de equipes médicas treinadas para lidar com emergências relacionadas à altitude. Em algumas situações, a entidade esportiva passa a impor regras singulares para referidas condições, como permitir pausas adicionais durante o jogo, para que os atletas possam se reidratar e recuperar o fôlego, além de permitir substituições extras.
Embora, de forma geral, citadas medidas sejam amplamente aceitas, o tema continua a ser debatido no setor. A altitude é uma questão sensível, especialmente em competições como as Eliminatórias para a Copa do Mundo, onde equipes de países com diferentes condições geográficas competem entre si. A FIFA já considerou, em várias ocasiões, a possibilidade de impor restrições mais rigorosas a jogos em altitude, mas as discussões continuam, levando em conta tanto a equidade esportiva quanto à preservação das tradições e particularidades locais.
A menor pressão de oxigênio em altitudes elevadas leva à hipóxia, onde os tecidos do corpo não recebem oxigênio suficiente. Isso pode causar uma diminuição significativa no desempenho aeróbico, tornando mais difícil para os atletas manterem o nível de intensidade de jogo. Ademais, em altitudes elevadas, a taxa de desidratação pode aumentar tanto por conta da respiração mais rápida e como pelo ar ser mais seco. A desidratação, por sua vez, pode afetar negativamente a resistência e a recuperação dos atletas. Entre outros impactos, cita-se a fadiga precoce e a diminuição do tempo de reação devido à altitude, os quais podem aumentar o risco de lesões durante a competição. A capacidade do corpo de se recuperar de esforços físicos intensos também é reduzida em tais condições.
Considerando todos esses fatores, as medidas adotadas pelas entidades de administração desportiva são fundamentais para assegurar a saúde e o desempenho dos atletas em competições realizadas em altitudes elevadas. No entanto, há diversas questões que desafiam o mundo do esporte, ameaçando a saúde e até a vida dos atletas. Temas como concussão durante o exercício da atividade esportiva, mal estar ou impacto da altitude, entre outros, exigem uma análise cautelosa e equilibrada entre segurança, competitividade e respeito às condições naturais dos países sede.
Como mencionado, as entidades de administração desportiva têm desenvolvido protocolos e diretrizes para gerenciar os riscos associados à altitude elevada, tentando assegurar a proteção ao atleta, e para que as competições sejam realizadas de maneira segura, incluindo precauções adicionais como aclimatação prévia e monitoramento médico mais detalhado. Chegou a se ponderar, inclusive, a possibilidade de limitar a quantidade de competições ou treinos que ocorrem em altitudes extremamente elevadas para minimizar os riscos, mas em discussões anteriores sobre a proibição de jogos oficiais em altitudes acima de determinados níveis, citadas propostas enfrentaram resistência de países que tradicionalmente sediam jogos nessas condições.
Além dos protocolos estabelecidos quando da organização da competição, deve-se considerar, sob a ótica do ordenamento jurídico vigente, eventual responsabilidade do clube empregador, cuja qual pode ser analisada sob diversas perspectivas legais, incluindo o direito do trabalho, o direito civil e a legislação esportiva.
A responsabilidade civil do clube em caso de falecimento de um atleta durante a prática esportiva pode ser enquadrada na modalidade de responsabilidade objetiva ou subjetiva, de acordo com as circunstâncias. Se restar comprovado que o falecimento ocorreu em razão de falhas na segurança, na preparação física do atleta, ou por negligência na prestação de socorro, o clube pode ser responsabilizado objetivamente, de acordo com o artigo 927, parágrafo único, do Código Civil. Nesta situação, não é necessário provar a culpa do clube, devendo demonstrar o nexo causal entre a conduta do clube e o dano sofrido. Na responsabilidade subjetiva, é necessário provar que houve dolo ou culpa (negligência, imprudência ou imperícia) por parte do clube, incluindo, por exemplo, a falha em realizar exames médicos adequados, ou permitir que o atleta competisse mesmo com condições de saúde que desaconselhassem sua participação.
Sob a ótica do direito do trabalho, o clube é o empregador do atleta e, como tal, possui o dever de garantir um ambiente de trabalho seguro e adequado. Se o falecimento do atleta ocorrer durante a execução do contrato de trabalho, a morte pode ser considerada como um acidente de trabalho, com implicações importantes. De acordo com a CLT e a Lei nº 8.213/1991 (Lei de Benefícios da Previdência Social), se o falecimento for classificado como acidente de trabalho, o clube pode ser obrigado a indenizar a família do atleta, bem como a arcar com eventuais pensões devidas aos dependentes.Além disso, a legislação trabalhista prevê indenizações em casos de acidentes fatais, incluindo o pagamento de verbas rescisórias e indenizações adicionais por dano moral aos familiares.
Por sua vez, a responsabilidade das entidades de administração esportiva se limita à regulamentação e fiscalização das condições em que as competições são realizadas. No entanto, se for demonstrado que essas entidades falharam em suas obrigações de regulamentar adequadamente as condições de segurança dos eventos, ou de fiscalizar o cumprimento dessas normas, elas também podem ser responsabilizadas, embora essa responsabilidade seja mais difícil de ser atribuída diretamente.
Para mitigar os riscos de incidentes, e por consequência, afastar eventual responsabilidade por danos à vida ou à saúde do atleta, os clubes devem adotar uma série de medidas preventivas, como exames médicos detalhados e periódicos para assegurar a condição e aptidão do atleta na atividade esportiva, capacitação da equipe médica mediante qualificação específica para socorro imediato em caso de emergência, durante os treinos e competições, estabelecer e treinar a equipe em protocolos de emergência, incluindo o uso de desfibriladores e outros equipamentos médicos.
A responsabilidade do clube em caso de falecimento do atleta em campo envolve uma análise ampla de determinados fatores, que pode englobar aspectos civis, trabalhistas e esportivos. Para proteger-se de eventuais litígios, é fundamental que o clube cumpra rigorosamente suas obrigações de assegurar a segurança dos atletas, adote medidas preventivas adequadas, e esteja preparado para lidar com situações de emergência de forma eficiente e eficaz. Em qualquer circunstância, a prioridade deve ser sempre a segurança e o bem-estar dos atletas.
Neste tocante a Lei Geral do Esporte e a Lei Pelé reforçam as regras que versam sobre a presente temática, impondo como a realização de exames médicos regulares, como prevenção de problemas de saúde em decorrência da atividade física intensa. A legislação também impõe a obrigação de que os clubes ofereçam seguro de vida e acidentes pessoais para seus atletas, cobrindo, entre outros, os riscos de morte, invalidez permanente ou temporária, e despesas médicas decorrentes de acidentes durante o exercício da profissão.
Além disso, a lei exige que os clubes forneçam um ambiente de trabalho seguro, incluindo a adequação das instalações esportivas, a presença de equipamentos médicos e a disponibilidade de profissionais de saúde qualificados durante os treinos e competições.
As citadas legislações impõem obrigações importantes para os clubes em relação à proteção dos atletas, como a previsão das condições de trabalho previamente acordadas em contrato de trabalho do atleta profissional, o fornecimento de assistência médica e o cumprimento de todas as normas de segurança exigidas pela legislação trabalhista. Da mesma forma, há imposição legal para responsabilização do clube em caso de acidente decorrente da atividade esportiva, implicando em indenização aos familiares do atleta em caso de invalidez ou morte, além de determinar a assistência integral ao atleta, a qual abrange abrange a preparação física, psicológica, e médica, garantindo que eles estejam em plenas condições de exercer sua profissão.
A partir de uma análise jurisprudencial, há precedentes que reconhecem a responsabilidade tanto do clube, quanto da entidade organizadora em situações onde a negligência ou falhas na segurança contribuíram para o falecimento do atleta. Se, por exemplo, for demonstrado que o atleta não passou por exames médicos adequados ou que o atendimento médico foi insuficiente ou inadequado, ambos os responsáveis podem ser obrigados a responder por danos. Tanto o clube quanto a organização da competição têm responsabilidades claras e definidas pelas legislações citadas, de forma que a análise das condições em que o evento ocorreu e das medidas tomadas para garantir a segurança do atleta será determinante para apurar as responsabilidades e eventuais indenizações devidas à família da vítima.
O cumprimento dessas obrigações é crucial não apenas para a proteção dos atletas, mas também para a segurança jurídica dos clubes, que devem estar atentos a essas normas para evitar sanções e litígios.
Crédito imagem: Getty Images
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