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Vínculo empregatício e vínculo esportivo: cogitações de um possível e velado retorno do passe

Alguns questionamentos são ventilados a respeito da má redação da Lei n. 14.597/23 (Lei Geral do Esporte-LGE) acerca do vínculo empregatício e desportivo do atleta com a organização empregadora contratante, cogitando se haveria um retorno do antigo “passe”.

As dúvidas podem ter sido precipitadas diante do art. 86, § 8o, da LGE ao dispor que o vínculo trabalhista, gerado pelo contrato especial de trabalho esportivo, vigerá independentemente de registro em organização esportiva e não se confunde com o vínculo esportivo, sem expressar que este é acessório daquele, ao contrário do discorrido no art. 28, § 5o, da Lei n. 9.615/98 (Lei Pelé).

Outro fenômeno que poderia ter suscitado tais indagações foi o veto presidencial ao inciso II do art. 90 da LGE que prescrevia a ruptura antecipada do contrato especial de trabalho esportivo com a quitação das cláusulas indenizatória e compensatória esportivas, inversamente ao vigente no art. 25, § 5o, II, da Lei Pelé.

Nesses termos, de fato, a LGE em comparação com a Lei Pelé intenta enrijecer o poder de manutenção da vigência contratual nas mãos da organização esportiva empregadora ao não transparecer explicitamente uma margem de negociação para que uma entidade empregadora terceira possa quitar a cláusula indenizatória e contratar o atleta pretendido. Piora quando a Lei nova também leva junto da exclusão do texto a possibilidade de extinção por via do pagamento da cláusula compensatória desportiva, conforme estaria esposado no art. 90, II, da LGE vetado.

Margearia o absurdo interpretar tais excertos legais da LGE postos em pauta de maneira a viabilizar “uma ressuscitação do antigo passe”. O art. 90, caput, da LGE delineia que o vínculo esportivo se dissolve no mesmo momento que o vínculo empregatício, dispondo este termo composto na frente, o que leva a lucidez pela melhor hermenêutica literal de ser a dimensão desportiva continuamente acessória à relação empregatícia.

Em seguida persiste nos mesmos moldes do art. 28, § 5o, V, da Lei Pelé o art. 90, V, da LGE, ao descrever que os vínculos empregatício e esportivo se extinguem com a dispensa imotivada do atleta. Ora, em interpretação minimamente sistemática, é impossível existir uma despedida sem justa causa do jogador sem haver a consequente quitação da cláusula compensatória esportiva, sob pena de sua descrição legal não obter serventia alguma, e, conforme princípio básico de hermenêutica jurídica nada na Lei pode existir em vão, como “confete”, “efeite”.

A despeito das infelizes redações dos arts. 86, § 8o, e art. 90, caput, da LGE, ao não se pronunciarem claramente que o vínculo esportivo é acessório do vínculo empregatício, deve-se comumente extrair de uma interpretação filológica que esta dependência existe – o próprio art. 90, caput, da LGE expõe a cessação de tais liames conjuntamente.

Diante desta capciosa redação do art. 86, § 8o, da LGE, interpreta-se de maneira mais razoável que, para a constituição do liame empregatício esportivo não é requisito de validade o registro do contrato laboral na respectiva federação desportiva, espírito legislativo coerente com o estuário da principiologia tuitiva do Direito do Trabalho e dos Direito Humanos Fundamentais, especialmente no pertinente à boa-fé e à liberdade de contratar.

Outra matéria que dissipa qualquer dúvida a respeito de ser impossível uma interpretação para o ressurgimento do “passe” são as sistematizações já históricas na LGE de todos os mecanismos da cláusula indenizatória esportiva, a incluir a responsabilidade solidária de seu pagamento (art. 86, § 2o, da LGE), bem como as fórmulas de cálculos sua e da cláusula compensatória esportiva, que restariam sem sentido em um modelo de contrato de trabalho a prazo determinado de no mínimo três (3) meses e no máximo cinco (5) anos (art. 86, caput, da LGE) (sucessão da sistemática originária da cláusula penal desportiva e das cláusulas indenizatória e compensatória desportivas da Lei Pelé, estas ainda em vigor).

Ademais, destaque-se que a relação empregatícia esportiva, gerida pelo contrato especial de trabalho esportivo, é uma espécie contratual trabalhista, que arrasta consigo a regência da ordem jurídica laboral e seu quadro teleológico, perfazendo-se uma teratologia forçar legalmente qualquer subjugação do jogador empregado à entidade empregadora.

Nem mesmo diante do Direito Civil atual, arreigado pelos princípios da função social dos contratos, dos direitos de personalidade, se se entendesse pela possível contratação de atletas de maneira cível (art. 82, parágrafo único, da LGE), poder-se-ia aceitar uma rigidez contratual a ignorar por completo a liberdade de trabalho do atleta (art. 27-C, I a VI, da Lei Pelé) para prosseguir forçadamente em uma relação contratual de trabalho.

Por fim, recorde-se sempre, enquanto a Lei Pelé estiver vigente, em quaisquer matérias de trabalho desportivo, ela poderá prevalecer sobre a LGE. Sobre este tema em foco, uma simples leitura das normas da Lei Pelé (art. 27-C, 28, § 5o, I a V) por serem mais favoráveis e claras, predominam sobre os recortes legais da LGE. Entretanto, não se esqueça também que o art. 87, parágrafo único, da LGE ao se remeter genericamente ao máximo de cumprimento das normas de direitos sociais de caráter heterônomo da Constituição, reforça de uma maneira abstrata todos os mandamentos legais da Lei Pelé que asseguram a inexistência do “passe” e o repúdio à violação a plena liberdade de trabalho desportivo.

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