Pedrada atinge volante do Grêmio e Grenal é cancelado. Bomba caseira jogada contra ônibus do Bahia. Torcedores do Paraná invadem campo e trocam socos com jogadores. Manchetes do ÚLTIMO fim de semana. E não culpe as leis pela cultura da violência no futebol. O problema é a impunidade, alimentada também por clubes e Estado.
O absurdo que tem se repetido no Brasil não escolhe cor de camisa. Tanto que só nos últimos dias várias cores de clubes foram usadas como uniformes de criminosos. A estratégia pode até mudar, mas todas situações alimentam os mesmos sentimentos: medo e insegurança. E o mais grave: no imaginário coletivo, nada acontece.
Passar a mão, relevar, tentar encontrar justificativa, são comportamentos que não contribuem em nada para tornar o futebol um ambiente mais saudável. Pelo contrário, cada vez que isso acontece se presta um desserviço para o futebol. E não culpe a legislação.
A simples aplicação da lei, já ajudaria a atacar esse problema.
Vamos lá.
– A Lei do esporte, a Lei Pelé, estabelece logo no art 2º, XI o desporto como um direito individual, que tem como base o princípio da segurança, propiciado ao praticante de qualquer modalidade desportiva, quanto a sua integridade física, mental ou sensorial.
– O Estatuto do Torcedor também foi alterado em 2019 e se tornou ainda mais firme no combate à violência. Ele ampliou o prazo de afastamento do criminoso de 3 para 5 anos, conforme o art. 39-A, além de estender sua incidência a atos praticados em datas e locais distintos dos eventos esportivos e instituir novas hipóteses de responsabilidade civil objetiva de torcidas.
– O Código Brasileiro de Justiça Desportiva, CBJD, também fala das responsabilidades de clubes e entidades esportivas na proteção do espetáculo;
– Além disso, claro que sim, também se aplicam ao torcedor-agressor toda a lista de crimes prevista no nosso ordenamento, como crime de ameaça, de agressão.
Para resumir, antes de avançar.
Primeiro, e mais importante: futebol não é mundo paralelo. O que é crime para um cidadão comum é para o torcedor (cidadão comum).
Segundo, a culpa é de quem invadiu o campo, agrediu e depredou. Claro. Mas não só deles. É também do poder público e dos clubes, que ajudam a alimentar a cultura da impunidade.
Bahia, Grêmio, Náutico… qual será o próximo?
O que aconteceu com jogadores do Bahia, Paraná, Grêmio e tantos outros que também foram vítimas do absurdo poderia até dar causa a uma ação de rescisão indireta do contrato, já que a lei trabalhista e esportiva diz que o clube é responsável pela segurança do atleta, mas a própria cultura do futebol dificulta esse caminho.
Muitos dos torcedores que agridem voltam para os estádios. Muitos dos que atiram pedras seguem soltos.
O que fica no ar dentro do imaginário coletivo é a sensação de impunidade. Ela faz com que os bandidos uniformizados se sintam estimulados a perpetuar suas condutas tendo certeza de não sofrer punição.
As pessoas já se perguntam: qual a próxima vítima?
É verdade que além da impunidade, a violência também está ligada a problemas mais profundos. Em 2017, fiz uma série sobre violência no futebol para a a TV Globo e conversei com o sociólogo Mauricio Murad, autor de vários estudos sobre o tema. Ele lembra que o desemprego, o subemprego, a falta de uma educação de qualidade e o abismo social entre classes também alimentam essas condutas. E, importante também, ele lembra a relação que os clubes têm com as torcidas uniformizadas.
A relação clube-torcida uniformizada é historicamente promíscua em muitos lugares. Ingresso em troca de favor, dinheiro por apoio em eleição. Sem falar que muitos dirigentes sentem medo de líderes dessas torcidas. A relação pode – e deve – existir. Mas ela precisa mudar.
O clube tem que pensar na via preventiva e estimular uma ação saudável com o torcedor, estabelecendo pontes para diálogos. É preciso criar mecanismos de governança que possam passar para a torcida mais transparência, aproximar torcedor e sócio, e criar mais aspectos de controle para dar eficiência à gestão
Clube e poder público também são responsáveis por esse absurdo histórico de agressões e ameaças no futebol. E o caminho para começar a acabar com esse clima de insegurança é quase uma receita de bolo: identificar os culpados, para que eles sejam julgados e condenados de acordo com o rigor da lei. Assim, se reforça o compromisso pelo fim desses atos de violência, como também de devolver uma segurança perdida por essa cultura da impunidade.
O futebol não é mundo paralelo. Nem pode parecer ser.
São dois caminhos.
Poder público precisa identificar, julgar e condenar os criminosos. Movimento privado do esporte precisa bani-los do ambiente esportivo.
O que tem se repetido pelo Brasil nos últimos tempos precisa acabar. Esporte e Estado precisam trabalhar juntos desde já.
Crédito imagem: Grêmio
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